29/07/2007

um texto único ( conclusão )

IV
Já perdido numa traição ou vingança, resta-me apenas partilhar por intantes, alguns momentos, ... São momentos de paixão, estejam preparados, porque o que conto é intenso e nada ficou como antes, escutem...
- Posso dar-lhe um abraço?
Foi assim o reconhecer de uma enorme paixão.
- Claro meu Amor, ...
Levantei-me e fui em sua direcção, dizendo com o meu olhar para que permanecesse onde estava, ... Agarrei-a nos meus braços, e desviámo-nos de olhares indiscretos, se bem que não havia mais ninguém.
Encostado fortemente à parede do escritório, senti o aperto de seus braços, mas era o seu toque, o seu chorado de prazer, o seu cheiro, que foram imperando, preenchendo e bem vorazmente, obrigando-me a limitar os meus receios.
Sentia os seus delicados peitos que me tocavam e aqueciam o corpo suado, com a fragrância do imenso desejo. Castigando num beijo molhado, forcei-me a esquecer tudo ou a não querer pensar em mais nada.
Sim foi isso, foi assim que nos mantivemos por longos momentos, mas um castigo merecido corrigia o tempo acelerando-o ao ritmo dos nossos corações, mas acredito que por escassos instantes soube o que era a verdadeira paixão. Os nossos lábios tocavam-se, enquanto as nossas mãos percorriam os contornos dos nossos corpos, tínhamos de sair dali, ...
Ainda hoje procuro compreender o que aconteceu depois, porque nunca me irei esquecer, foi como viver de novo.
Recordo-me apenas daquele amor conforme o entreguei, pois dificilmente voltará para o reaver.
V
Não passou muito tempo até que nos voltassemos a encontrar, pois estávamos ali - como disse antes, os dois - constantemente, mas agora o tempo escorria por entre os dedos, como a areia fina das praias, onde passeámos juntos e o mar albergava os nossos corações com o som inconfundível do rebentar das ondas sobre o tom acobrado do areal.
O nosso olhar reflectia - ao que sei até hoje ser - Amor, em cada piscar de olhos perdi a oportunidade de contemplar a sua beleza, e mesmo em silêncio, compreendíamos instintivamente o que certamente iria acontecer.
Porém, nada aconteceu.
Na minha cabeça, pensei estar rodeado de paixão, mas tudo desapareceu tão rapidamente em relação ao que o meu Amor sentia por mim, como o final deste conto.
FIM


Manuel Rodrigues, in "As mãos de um louco não dizem pouco"( Vulto evidente )
Composições de Augusto Mota sobre poemas de autor desconhecido e maria gomes.

27/07/2007

um texto único


I

Num amanhecer diferente, ou num despertar incómodo algo acontece ou nunca terá sido assim?
Fiquei ali parado a olhar, não sentia a respiração nem sequer o eco de uma batida do meu coração, continuei parado por momentos de olhos abertos mas, sem um único pestanejar. Senti encerrado um sentimento de inactividade constante, dormente...
Não sei quanto tempo durou, não me contentei num qualquer sufoco ou sequer tremi, mesmo que por um pouco, estava ali mas, sem um pensamento inócuo.
Tentei levantar-me, creio ter sido esse o meu único pensamento, tentei fazer algo com o meu corpo para desviar o medo, criar uma barreira a todos os sentidos para que ao permanecer ali "presente"me defendesse, mas senti-me,... cuidado!
II
Afastei os lábios, num fechar de olhos delicado, senti uma secura enorme, apesar das mãos suadas, continuei ali deitado aproveitando o sussurrar de mais um amanhecer frio e bastante calmo.
A agitação empurrava os sentidos para uma luminosidade imperfeita, ofuscada uma e outra vez pelos fantasmas do pensamento ou de um abrir e fechar de olhos encadeado, ... porque à procura de uma ilusão perdida ou vagamente imaginada.
O silêncio de novo, sim, o silêncio voltava como uma onda de dor vibrante, arrebatadora como um coágulo que aumenta a cada inspirar profundo de tristeza, assim devastador porque de uma maneira ou de outra existem acontecimentos que não vamos nunca controlar.
Foi durante muito tempo algo iníquo, não saberei bem quanto porque ainda não terminou.
Continua a ser tão difícil entender, como um desejo me leva à obsessão e mais impraticável, porque não posso aceitar o quão ténue e rarefeito coloco desse ponto, a distância imensurável, ao ódio penoso.
A caminhada continua longa, ainda que encantado, não há espera de um carinho, mas de uma outra desilusão, vingança.

III

Obcecado no teu olhar, sem nunca o dizer, era com muito orgulho que te sentia na minha companhia todos os dias. À medida que os acontecimentos irrequietos iam moldando as nossas vidas, o mesmo orgulho que me inspiravas foi-se revelando na sua plenitude, ao ponto de parecer não ter retorno.
Vi o Amor, pensei e compreendi que jamais poderia estar a acontecer algo de tão excepcional, mas mais uma vez, lembrei-me da maneira mais dura que,... o Amor é cego, porém, os amantes,... conhecem-se.
Consegui reconhecer também a enormidade nesse mesmo Amor, porque a vastidão do Universo reduzida apenas a dois seres, o tempo que altera o ritmo quase tão depressa como o bater do nosso coração, a respiração ofegante, a procura do Amor.
O Amor é perfeito, apenas isso entendo, e retiro dos momentos vibrantes em que fomos amantes.

( continua )
Texto de Manuel Rodrigues, inédito.
Composições e ilustrações de Augusto Mota.





24/07/2007

na esteira de um poeta popular

Manuel Alves faleceu, ao meio dia, de 24 de Julho de 1901, faz hoje, precisamente, 106 anos, porventura consolado com o livro que Tomás da Fonseca lhe entregara tempos antes, mas humanamente triste porque se lhe estavam a abrir as portas do mistério que mais cantou e temeu - a morte.
Não terá sido "o maior poeta do mundo", como proclamou uma velhinha à passagem do funeral, em dia de mercado na Moita.
Também não fora um génio, como pretendiam, exaltados, os intelectuais de Coimbra que aqui vinham admirá-lo.
Mas era, seguramente, o maior poeta possível, de um tempo ( ainda não completamente erradicado ) em que os povos sofriam as suas vidas entre a ignorância e a miséria.
"É o Alves que canta agora,
Senhores, dai-me atenção.
Vou cantar duas cantigas
daquelas que melhores são"

O meu canto principio,
visto que assim me pertence;
mas não quero que alguém pense
que venho em desafio...
Nem eu mereço elogio
da gente que está de fora,
nem minha voz é sonora,
nem tem tal delicadeza...
Sei só dizer com certeza:
é o Alves que canta agora.
Esta pouca inteligência
que de mim estais a escutar,
se ela vos incomodar,
ouvi-me com paciência.
Bem podia a Providência
fazer-me outro Salomão!
Mas faltando esse condão,
peço aqui, seja a quem for,
por especial favor:
senhores, dai-me atenção.
Eu tenho lido na história,
profana, como sagrada;
mas o ler não vale nada
ao que é falto de memória.
Nem tu, do canto ó vitória,
tens momentos que me sigas!...
P'ra tão longe te desligas,
queres sem mim viver sozinha...
Eu com esta voz mesquinha
vou cantar duas cantigas.
Mil romances tenho tido,
dramas de bons escritores,
e sei dizer-vos, senhores,
que nada tenho entendido!
De bons génios tenho lido
páginas de perfeição;
conheço por tradição
obras de crentes e ateus,
mesmo as de João de Deus,
daquelas que melhores são.
Manuel Alves, inédito, poeta popular.
"A Poesia", óleo de Fuseli.

23/07/2007

atalho

As palavras, como as lamentações, nascem e morrem entre a névoa da manhã e a luz dourada de um fim de tarde outonal. Mas é junto às muralhas da nossa própria cidade que ritualizamos as orações e os lamentos da memória. Por isso ninguém escuta as orações dos sentidos em redor do corpo e do tempo.
Assim, que religião diviniza os segundos que sofremos em busca de uma outra cidade perdida entre anseios e devaneios? Secreta é a oração que alimenta o rosário de tais emoções! E quantas sensações comemoramos neste silêncio, quando as mãos se encostam às muralhas das recordações e adiam a conquista da cidade adormecida no regaço da noite!
Como continuar a escalada barbacã, se os sentidos e as palavras e os sentidos das palavras são as únicas armas de que dispomos para o cerco da cidade?

Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.
Composições de Augusto Mota sobre poemas de Maria Toscano.

20/07/2007

Sabres, Sementes

O homem que lavra a terra,
abre um sulco;
assim é a palavra:
rasga como um sabre,
mas é ela própria semente
em tudo o que lavra -
Abre-lhe teu coração
confiadamente,
deixa que ela se aninhe
lá dentro,
e cresça e fermente,
e te intumesça o sonho -
Deixa que a palavra seja,
ao mesmo tempo,
o arado,
a semente e a seara:
para cresceres
em direcção à luz,
não precisas
de mais nada.


António Simões, in "Diário de Lisboa" ( ligeiramente modificado ), 1.2.1981
Composições de Augusto Mota sobre poemas de Anamar e Carlos Alberto Silva

16/07/2007

as cidades invisíveis

São invisíveis as cidades que criamos à volta de nós mesmos e dos passos que damos em direcção aos pontos cardeais de uma secreta navegação interior. A nosso bel-prazer lançamos os alicerces de novos horizontes e, serenamente, construímos ruas e avenidas que correm ao nosso lado, mas que, por vezes, nos ultrapassam sempre que é preciso adiantar as pontes de que nos servimos para alcançar o outro lado das palavras.
No seio desta cidade repousa a glória das viagens tantas vezes empreendidas ao sabor de um acaso que disfarça as rotas íntimas da solidão. Por vezes é nas mãos frias que aquecemos o peito abandonado ao ritmo apressado da respiração. E com elas modelamos os edifícios que bordejam as ruas e avenidas da nossa construção. E com elas, em jeito de concha, sorvemos a água das fontes que ornamentam as praças da nossa liberdade. E ainda com elas, agora aquecidas de tanto caminhar pelas sensações adentro, saboreamos os frutos das árvores que soubemos ir plantando ao longo da nossa imaginação.
É nos frutos da liberdade que ousamos descansar os olhos doridos do traçado metódico das palavras que se atrevem a significar o impossível. As cidades possíveis, essas, continuarão a ser invisíveis, mesmo que as pontes das palavras nos levem ao outro lado das emoções.

Augusto Mota, inédito, "Geografia do Prazer", 2000.
Composições de Augusto Mota sobre textos de Carlos Alberto Silva e André Ala dos Reis.

13/07/2007

rosas ao fim da tarde

fotografias e textos de fernanda sal monteiro

12/07/2007

Sílaba de sol

ter uma sílaba de sol na boca,
procurar com ela uma palavra,
uma palavra que lavre
que brilhe, não escureça.
uma lava de som
num bosque de anacoreta,
uma palavra que dita ou escrita
não arrefeça.
uma palavra quente:
a dor, por exemplo a dor
uma rosa de carne, dizes
eu predigo tempo, prossigo.
Ah, o rumor dos dias quase felizes!
uma palavra na boca,
uma sílaba trémula
outra sílaba áspera,
uma sílaba de janela
com a palavra diáspora
e por ela, só por ela,
o som se acha.
uma rosa de carne viva
uma centelha, uma faísca
onde tudo cresça, se vista
e só com o fogo exista


José Marto, inédito.
Textos Transversais de Augusto Mota.




10/07/2007

..................valham-nos os deuses!!!!!!!!!!!








Almirante!!!!!!

A "nau" acabou de ser bombardeada com ,nada mais ,nada menos ,do que cinco distinções .Quem deveria agradecer e passar o testemunho era o "meu almirante" ( salvo seja! ) ... Mas já estou a ver a cara de admiração e a pergunta da praxe ... "O que é isto?" ... Um blogue amigo resolveu distinguir.nos ... Ainda há quem goste de nós ,e como não somos nada ,mas mesmo nada ,exagerados ,as menções vêm ,logo ,em grupo de cinco ... Não há nada como a fartura .O pior agora é escolher os blogues que classificamos excelentes ... Ora vamos lá a ver se não ferimos susceptibilidades ... A nossa vontade ,vontadinha ,era passar o testemunho a todos .Na impossibilidade ,cá vai ( valham.nos os deuses!!!! )

08/07/2007

................................regresso

como a ave que adormece
entre as mãos ausentes do poeta
retorno ao húmus da terra
exangue
para continuar
humana
entre as pedras e as árvores
densas
da barbárie


gabriela rocha martins ,inédito ,in "Canto.Chão"
composição de Augusto Mota sobre poemas de Carlos Alberto Silva.

04/07/2007

verão

por campos e casas
bufando como um touro
passa o suão
com o seu hálito de fogo
e as bagas são brasas
na tarde de verão

poema de antónio simões
composição de Augusto Mota sobre poema de António Simões


03/07/2007

Os Tigres

"Escreves
enquanto os cisnes passam" -*

mas tu procuras os tigres
da sombra e da luz,
para os cavalgares até à exaustão -
Deixa ficar os cisnes, imóveis,
no lago parado da memória -
( era no jardim da tua infância,
e ao domingo havia música no coreto ),
e vem, felino, domar os tigres da sombra e da luz,
que esperam por ti junto ao cais da noite;
para neles viajares dentro do teu sonho -
Vamos, salta-lhes para cima,
agarra-te bem às rédeas de luz das suas crinas,
e vai voando sobre os prados em flor
que crescem no avesso da noite,
até chegares às margens
onde nasce a manhã -
e aceitando as vestes novas que o dia te estende,
levando pela mão
os agora pacificados tigres do teu coração,
deixa-te ir vogando, tranquilo, no regaço do vento -

(*citação de um poema de Yvette Centeno )


António Simões, inédito, Louredo, 1995
Composições de Augusto Mota sobre poemas de António Simões.

01/07/2007

Margem Sul ( Canção Patuleia )



Ó Alentejo dos pobres,
reino da salvação,
não sirvas quem te despreza,
é tua a tua nação.
Não vás a terras alheias
lançar sementes de morte.
É na terra do teu pão
que se joga a tua sorte.
Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.
Ó margem esquerda do Verão
mais quente de Portugal,
margem esquerda deste amor
feito de fome e de sal.
A foice dos teus ceifeiros
trago no peito gravada,
ó minha terra morena
como bandeira sonhada.
Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.
Urbano Tavares Rodrigues, ( cantado por Adriano Correia de Oliveira, in "Margem Sul", Orfeu, 1967. "Obra Completa", Movieplay, 1994 )
Composições de Augusto Mota sobre poemas de António Simões.