31/05/2014

Café com livros





Em mais um "Café com Livros" aconteceram "Palavras Acompanhadas" com Janus.pt... 


 Janus.pt: Hugo Felizardo e André Figueira
 

  Cristina Barbosa Rosa Neves apresentam os convidados da Tertúlia deste dia, não 
se esquecendo de aludir à figura do deus romano Janus, representado por duas 
cabeças que olham em direcções opostas, representando o passado e o
 futuro. Foi com base nesta representação clássica que Janus.pt
definiu o logótipo do duo, com as suas próprias caras.

Janus.pt foi a descoberta deste "Café com Livros" que apostou em divulgar um projecto novo, nascido do reencontro de dois jovens amigos de longa data que, após percursos diferentes, se juntam agora numa aventura musical, que classificam como "descomprometida de barreiras e de fronteiras estilísticas".

Hugo Felizardo

  
André Figueira



Com André Figueira na guitarra clássica e Hugo Felizardo no baixo, as leituras e a poesia foram surgindo nas vozes de Laura Delgado, Mariana Neves, Cristina Barbosa, David Teles e Mercília Francisco.
  
 Laura Delgado lendo, sorridente, o poema "As andorinhas".   

As andorinhas

As andorinhas emigraram
No fim de uma era
Voltarão a trazer consigo
Notícias da Primavera

As andorinhas voltaram
Da sua longa viagem
Voam em bandos à procura
De uma nova paragem

Chegaram ao amanhecer
E com os seus chilreados
Montaram a sua tenda
No beiral dos telhados

De envergadura franzina
Na sua alegre casinha
Usam palhas e palhinhas
Para a manter arrumadinha

São brancas e de cor preta
Ou pretas e de cor branca
Depende de quem as veja
E se o seu voar encanta

Mariana Neves 



Mariana Neves lendo o poema "Moinho do Papel"

Moinho do Papel   

À beira do rio Lis
Num espaço recuperado
Há um Moinho encantado
É o que toda a gente diz!

Um moinho dos svós
Do pão e de todos nós 
A funcionar de verdade
É um orgulho prà cidade!

Moinho que nos engrandece
E com toda a fantasia
Se transforma de repente
No Moinho da Poesia

Rosa Neves


Muito ao jeito de World Music o duo Janus.pt, estreou 5 músicas originais, fazendo ecoar na sala as suas nota afinadas e vibrantes. Uma das músicas ainda não tinha nome e, por isso, André e Hugo convidaram os tertulianos a escolherem, por voto secreto, um nome para ela. Dada a qualidade das propostas não foi fácil para eles a eleição e por isso o nome resulta da conjugação de várias sugestões, sendo a música por eles baptizada de "Sábado com réstia de sol ou subtileza".



Cristina Barbosa dizendo "Um Poema"

Um Poema 

Não tenhas medo, ouve: 
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso.
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga




A guitarra de  André Figueira "viajando" com o poema dito por David Teles



David Teles lendo "Viaja comigo neste poema". 
À direita as "Trestúlias": Rosa Neves, Lídia Raquel e Cristina Barbosa


Viaja comigo neste poema

Vem comigo até ao final deste poema!
Seguiremos ao longo das suas veredas,
Atingiremos o primeiro verso
E descansaremos um pouco
Nas ruas da primeira estrofe!

Viaja comigo neste poema!
Seguiremos por montes e vales de quadras
Loucos por versos soltos e temas
Desceremos atalhos e becos de letras
Subiremos ao topo de cada soneto

Foge comigo neste poema
Seguiremos por oceanos e mares de ais
Apaixonados por cada epopeia
Seremos escravos de costas, portos e cais
Seres libertos em cada odisseia

Chega comigo ao final deste poema!
Chegaremos quando a rima anoitecer 
O verbo ainda dormir e a lua já for pequena!
E quando a poesia despertar...
Fica comigo neste poema!

Clara P. Goya


As palavras estiveram bem acompanhadas por Janus.pt e por todos os que partilharam mais um "Café com Livros" que terminou  com uma especial estreia de sons e um doce sabor a Primavera, surpreendendo mesmo os presentes com "cartuchos", feitos com folhas de papel manufacturado no Moinho do Papel e cheios de vermelhas e viçosas cerejas! Para completar, neste caso, o "bolo em cima da cereja", Mercília Francisco enriqueceu o "cartucho" com um mini-papiro muito especial, onde estava impresso o poema "A uma cerejeira em flor", de Eugénio de Andrade.


 Mercília Francisco lendo o poema "A uma cerejeira em flor"


 

E depois deste poema começou a distribuição dos "cartuchos" de cerejas por todos os assistentes, com a ajuda preciosa e interessada de Laura Delgado, a nossa mais jovem tertuliana.







  



"Café com Livros" agradece a todos o contributo valioso da sua presença e o profissionalismo da equipa do Moinho do Papel e voltará a acontecer no 4º sábado do mês de Setembro, num lugar a combinar...

O baixo de Hugo Felizardo
 
Até lá, não recusem:

Um café quente

Um livro fresco

Uma ideia nova! 


Texto de Rosa Neves
Fotos de Augusto Mota, excepto as identificadas, de Ângelo Rosário


editado por augusto mota 
 

23/05/2014

Dia feriado


AQUI NO CAMPO É DIA FERIADO
       Leiria, manhã de quinta-feira, 22 de Maio de 2014


        (um soneto de inversa forma)


Rio Lis, em Leiria, zona do Marachão, em 1972.
Na margem de lá está hoje o parque de estacionamento da Fonte Quente. 
Então ainda ainda era possível os melros lá "picotarem larvas"... 



É o que V. dizia: isto dos feriados é campo.
No relvado do municipal, beira-Lis, um melro, um santo 
melro a invisíveis larvas picotando.

É de retinto carvão, é lustral, é tão bonito.
Refulge de puro oiro o ouro do seu bico.
Em verbo fotograf 'olho o nigromante saltarico.

Lá vai ele a seu nenhures ominoso.
Não, espera, poisou adiante, só mudou de sítio.
Por não ser bipolar não é dado ao lítio.
A minhoca sim, lípido maravilhoso.

Quem bem rimou O Melro foi Guerra Junqueiro.
Faço o mesmo por menos, que sou só Abrunheiro.
Mas, em casa chegando, vou ler isto à mulher  
- & de crisóstomo bico, como ela prefere.

                                                                                                               Daniel Abrunheiro

foto de Augusto Mota, 1972

15/05/2014

Luz própria








Rosário breve


FALA O ESCRIBA




Desde princípios de Abril passado que ando a manuscrever duas biografias. Nenhum dos trabalhos tem como alvo alguma celebridade. Foi uma Editora amiga (minha amiga) a encomendar-mas. Respondi logo que sim, que as fazia, claro, que o vento é muito e o provento é pouco.
Em ambos os casos, os meus biografados (homens ambos) são aquilo a que vulgarmente se chama gente comum. Única, portanto. Não é paradoxo: para mim, é no ordinário que o extraordinário vinga. Para mim, são os anónimos que substanciam as eras, as civilizações, o que por algum tempo fica. Alguém arrastou, içou e assentou aqueles calhaus que ainda hoje articulam as Grandes Pirâmides – e não estou em crer que tenha sido o Faraó.
Cada um por si, estes dois senhores abordaram a tal Editora. Que queriam, o mais dignamente aliás, deixar de si alguma coisa em letra impressa. Um rasto. Um resto. Um rosto. Uma vida que se lesse tal como eles quereriam saber escrevê-la. O Editor e eles numeraram e enumeraram os custos e os emolumentos da coisa. Chegaram a acordo. Daí, tocou o meu telefone. E há mês e meio que ando na coisa.
Cá ando. Visito-lhes as infâncias, devasso-lhes as casas, miro-lhes as fotografias amareladas pelo soro das décadas, falo-lhes com as esposas, os filhos, os amigos, os vizinhos, os profissionais relativos. Com as amantes, não: dizem que as não têm, que nunca as tiveram – isto do que fica escrito é de muito respeitinho, de muita prudênciazinha. Tenho alguma pena: sempre outra pimenta me perfumaria o sal da bionarrativa, sempre outro talozinho de coentro viria ao mordiscar do dente. Paciência: pode ser que ainda me apareça alguma marquesa decrépita que queira, em baskerville old face tamanho 12, e aos olhos do mundo, desempoeirar a alcova dos seus muitos anos.
Em Out of Africa (África Minha, na tradução portuguesa), há páginas maravilhosas sobre isso de a vida ser definitivamente real e realmente maravilhosa quando passada a escrito. A também maravilhosa Karen Blixen, que as escreveu, arruma assim o episódio consagrador da maravilha do indígena que, havendo merecido da mulher branca dona da fazenda uma carta de identidade & favor, logrou a eternidade em vida:
“A cada leitura o seu rosto assumia a mesma expressão de profundo triunfo religioso e após a leitura alisava cuidadosamente o papel, dobrava-o e metia-o no saco. A importância do relato não diminuiu, antes aumentou com o tempo, como se para Jogona a maior maravilha a seu respeito fosse o facto de não mudar. O passado, que fora tão difícil de trazer à memória e que provavelmente parecia modificar-se cada vez que ele pensava nele, havia sido captado, conquistado e imobilizado ali, perante os seus olhos. Tinha-se transformado em História, com o que perdera todo o perigo de variação e de sujeição às sombras da mudança.”
Ao cabo do corrente Maio, devo ter completado a primeira; lá para Setembro, a outra. Mas o que eu não enjeitaria mesmo, juro, seria, de uma assentada mas sem perder o cunho individualíssimo de cada caso e de cada casa, escrever as trinta biografias dos trabalhadores que a Viver Santarém se prepara para pôr na rua. Essas trinta e – no reverso de cada uma, ao gosto da antítese – as não-biografias dos nascimentos que a “reorganização dos hospitais” do distrito de Santarém vem proibir.
Não me parece, no entanto, que eu venha, nem a escrever tais linhas, nem a ficar célebre por elas.
É o que faz ser escriba por conta do Faraó. 


Crónica de Daniel Abrunheiro, in «O Ribatejo», 15 de Maio de 2014

Ilustração: Arte Postal - "Dona Urraca", desenho de Augusto Mota sobre postal dos CTT, Leiria, 1962

Postal enviado para Pedro Frazão, Queluz. 

editado por augusto mota


04/05/2014

Mãe



MÃE





Ainda não te encontrei!...
Desde aquele dia
Em que tu
Apertaste fortemente a minha mão.


Ainda não te encontrei!...
Desde aquele dia
Em que as nossas mãos finalmente se encontraram
Em que as nossas vidas
Comungaram a mesma emoção.
Ainda não te encontrei!...
Desde aquele dia
Em que as nossas almas
Se entenderam no silêncio
De uma despedida antecipada!…
Nesse dia
Em que tu e eu sentimos um amor intenso
Nesse imenso abraço de mãos!


Procuro-te deste então
No labirinto dos meus sonhos e pesadelos
Por momentos, julgo encontrar-te
Estendo a mão …e acordo!
Procuro a tua voz do outro lado do telefone
Ouço-a no vazio da resposta … e desligo!
Por breves momentos
A realidade ilude-me
Consola-me …
E sinto novamente
O calor e aperto das tuas mãos
Nas minhas mãos…
… E adormeço!


Ainda não te encontrei!...
Desde aquele dia
Em que tu
Apertaste fortemente a minha mão.


                                      Aida Cruz Cunha

foto: Augusto Mota

 editado por augusto mota

02/05/2014

Naquela manhã




HAVIA NAQUELA MANHÃ DE ABRIL





A Salgueiro Maia, nos 40 anos do 25 de Abril


 havia naquela manhã de abril
um odor a cravos
perfumando a cidade

eram brancos, vermelhos, matizados
da cor dos sonhos oprimidos
sem idade

havia no ar primaveril
um som de vozes
bailando à toa no eco das ruas 

eram risos, cantos, brados festivos
arrojados do mais fundo
das almas nuas

havia no radioso céu de anil
uma alegria pura
sem conta nem medida

e uma maré de gente laboriosa
tomava por fim nas mãos
o rumo da sua própria vida


Carlos Alberto Silva  
        25-04-2014




fotos de Augusto Mota, da série "Transfigurações"

editado por augusto mota