09/10/2014

Café com livros



OLHARES MONTANHEIROS




No dia 27 de Setembro, p.p., teve lugar no Museu Moinho do Papel, em Leiria, mais uma tertúlia Café Com Livros, desta vez com uns convidados muito especiais: João Gil e Nuno Verdasca, que falaram das suas Fotografias e Histórias de Montanha. Não se tratou de fazer a apresentação do seu livro «Olhares Montanheiros», editado em 2010 e já apresentado em Leiria, na livraria Arquivo, mas de uma conversa informal sobre as aventuras e desventuras destes obstinados caminheiros pelas montanhas de Portugal e de vários países, seguindo sempre a máxima de William Faulkner: Uma paisagem conquista-se com as solas dos sapatos, não com as rodas de um automóvel
 
 João Gil

Da apresentação de João Gil se encarregou Lídia Raquel, uma das Trestúlias: JOÃO Miguel Pissarra Coelho GIL, desde pequeno se interessou pela fotografia, através da leitura e da prática. Tem visto o seu trabalho reconhecido em alguns concursos de fotografia internacionais e nacionais. Ensina fotografia na forma de workshops. Fotografa principalmente paisagens, pessoas e culturas. Depois de 10 anos noutra profissão, fundou a Alma Lux Photographia  em 2007, como fotógrafo profissional.

                 À paixão pela fotografia junta-se a de estar na    montanha, a de viajar e de contactar com outras gentes e culturas. Tem visitado algumas montanhas e parques naturais de Portugal, Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Cabo Verde e Alpes, com associações de montanhismo e amigos. É membro do Núcleo de Montanha de Espinho e federado na Federação Portuguesa de Montanha e Escalada (FPME).

            É Doutorado em Telecomunicações pelo Instituto Superior Técnico. Foi docente e investigador na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Leiria, e no Instituto de Telecomunicações, em Coimbra e Lisboa. Nasceu a 10 de Setembro de 1971, em Coimbra.
 
F
 Nuno Verdasca

  A apresentação de Nuno Verdasca esteve a cargo de uma outra das Trestúlias, Cristina Barbosa: Nuno Filipe Verdasca da Costa Pereira desde cedo adquiriu o gosto pela fotografia, tendo realizado um Curso de Iniciação à Fotografia no Instituto da Juventude, em Leiria. Tem participado em vários concursos de fotografia tanto a nível nacional como internacional, tendo já recebido alguns prémios. Faz fotografia de  paisagem, viagem, ambientes urbanos, desporto e abstractos.

 Nos tempos livres, além da fotografia e de outras modalidades, costuma também praticar Montanhismo e Alpinismo, tendo realizado várias actividades em portugal, Espanha, Alpes, Grã-Bretanha e nas Montanhas Rochosas (BC). É membro do Núcleo de Montanha de Espinho e federado na Federação Portuguesa de Montanha e Escalada (FPME).

 É Licenciado em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade Clássica de Lisboa. Desde esse ano desempenha funções no Centro de Virologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, em Lisboa, actual departamento de Doenças Infecciosas. Nasceu a 26 de Novembro de 1972, em Leiria. 
 
      David Teles lendo o prefácio de Carlos Pinto Coelho

                  Feita a apresentação dos convidados, David Teles leu o Prefácio I da autoria de Carlos Pinto Coelho - Fotógrafo e Contador de Histórias -, texto intitulado «Eles subiram às nuvens e trouxeram um livro».
Este livro tem ainda um Prefácio II, da autoria de João Garcia - Um Homem das Montanhas do Mundo -, que termina o seu texto afirmando: "Este livro deve-se ler em silêncio e vai ser uma boa inspiração a todos os que visitam a Montanha por puro prazer!"

Para o João Gil e o Nuno Verdasca as Trestúlias tinham reservada uma agradável surpresa: a leitura de pequenos textos sobre a Montanha feita pelas suas jovens autoras, desafio que lhes foi lançado com a condição de que não houvesse interferência de, nem os mostrassem a qualquer pessoa, mesmo a familiares. Rosa Neves, a terceira das Trestúlias, foi apresentando as autoras por ordem crescente de idades. A primeira foi Laura Miguel Rosário, de 8 anos, que leu o seu texto "As montanhas":
  
  Laura Miguel lendo o seu texto

As montanhas são muito grandes.
Algumas pessoas sobem esses montes e essa modalidade chama-se alpinismo.
Nunca escalei nenhuma montanha mas gostava de escalar.
Lá de cima, no topo, vejo as nuvens.
Quando vou à Serra da Estrela gosto muito, com exceção daquela vez em que me estalaram os ouvidos.
Gosto quando há neve porque posso brincar com ela e divirto-me bastante a escorregar no trenó, ou então a atirar neve aos meus pais.
Mas quando a montanha está verde... ainda é mais bonita e fico com vontade de rebolar nas descidas porque me parecem muito fofas.
Não sei muito sobre montanhas, mas gosto muito delas. 

Seguiu-se Joana Neves, 11 anos, com o texto "A Natureza":
 
 Joana Neves lê, concentrada, o seu texto

Quando estou perto da Natureza sinto-me bem, sinto-me feliz por estar num sítio tão maravilhoso como por exemplo as montanhas.
É agradável estar num sítio tão alto em que se conseguem ver tantas e belas vistas, que não se conseguem obviamente ver nas nossas casas.
As montanhas são ótimas para se dar uma caminhada, uma corrida, escrever algma coisa... Sei que estes sítios extraordinários estão repletos de vida e que é agradável estar no meio da Natureza. São coisas únicas, que basta ver uma vez na vida que nunca, mas nunca mais saem as memórias que se têm destes lugares.
A Natureza tem coisas extraordinárias para se poder ver basta querer.
E se me perguntarem que ligação tenho eu com a Natureza? Não vou ter dificuldades em responder. Pois isto deve-se a aproximação com o campo. Uma das razões porque digo isto é que adoro animais, brincar na terra, tenho muito gosto em ajudar a minha avó com os animais e não só. E é por isso que consigo descrever a Natureza, tal como a conheço e não é só porque estou ligada ao campo porque já tenho experiência de vida ligada à Natureza.
O que veem nas televisões, computadores e por aí fora é só um pouco do que é a verdadeira beleza da natureza.
Isto é um pouco, porque se quiserem saber como são as maravilhas da natureza tem de ver com os vossos próprios olhos.

Foi agora a vez de Maria Abreu Neves, 13 anos, ler o seu texto "A Natureza: à descoberta de nós mesmos":

 
Maria Neves observando a Natureza ao pormenor

Diferente da agitação das cidades. Longe do ruído dos carros e das pessoas. Onde a paz e a calma se encontram para beberem um chá ao som do canto das aves e do correr do rio que se lança através das pedras polidas de encanto.
Subamos a encosta. Pedra por pedra, passo por passo, devagarinho. Quando finalmente alcançamos o topo, inspiramos uma lufada de ar fresco, que serpenteia por dentro de nós até aos pulmões. Um sentimento de realização e satisfação enche-nos o peito, e é inevitável rasgarmos um sorriso. Sentimo-nos no topo do mundo: o céu, azul cristal, com umas nuvens esfarrapadas a decorar; serve-nos de teto; em baixo, o silêncio, e o declive com o carreirinho serpenteante que continua o nosso passeio pela Natureza e por nós mesmos. 
Desçamos com cuidado, escolhendo criteriosamente o pedacinho de mundo onde colocamos o pé, mas sem deixar de observar a floresta estonteante que nos vai abraçando à medida que descemos.
Já se ouve o ribeiro a cantar a sua melodia fininha, de sinos. As árvores deixam passar tiras de sol por entre os seus compridos e esguios dedos; os pardais compõem os cânticos da orquestra que toda a Natureza é; e o perfume das margaridas e das violetas enche o ar do seu aroma adoçado.
Sentemo-nos nesta rocha. Observando cuidadosamente, vemos coisas que passariam despercebidas: uma rã a apanhar um raiozinho de sol; um peixe a espreitar para o mundo em terra firme; a dança coordenada dos canteiros de flores ao sabor do vento; a conversa muda das árvores.
É nestas alturas que nos sentimos livres de todos os nossos problemas, que temos um vislumbre de quem nós realmente somos, sem estarmos presos pelos nossos defeitos. É nestas alturas que nos sentimos bem de verdade, satsfeitos, realizados. É nestas alturas, ao pé da nossa verdadeira mãe, a mãe Natureza, que sentimos a verdadeira felicidade.
Ouçam a nossa mãe: Ela tem muito para nos contar.

Por  último Mariana Neves, 17 anos, discorreu sobre a "A Montanha" com um texto que revela já um bom domínio da palavra escrita, cultura e vivências enriquecedoras.

 Mariana Neves à descoberta do verdadeiro "eu"

Nos dias de hoje há cada vez mais pessoas a regressar às origens e a assumir de novo um compromisso com a terra e com a vida à nossa volta. É indubitavelmente uma consequência do domínio que a civilização parece exercer no homem; um domínio mais que tudo psicológico, do qual pensamos muitas vezes que não podemos escapar.
Se para tantos a civilização está associada a uma prisão, a uma jaula ou a umas correntes SUFOCANTES, para muitos a montanha é sinónimo de LIBERTAÇÃO, de LEVEZA.
É na montanha que o homem entra em comunhão com a natureza e acorda daquele "sonho" a que chamamos civilização. Percorrer a montanha é um regresso aos primórdios do ser; retornar a um ambiente tão familiar e nostálgico e, contudo, tão distante da nossa realidade urbanística. É na montanha que o homem se liberta, que o homem volta a ser uno com o mundo em redor e é lá que uma beleza calma nos embala suavemente, permitindo-nos, por fim, descansar. 
Explorar a montanha não é apenas redescobrir uma realidade familiar; é explorarmo-nos a nós próprios, é redescobrirmos o nosso próprio ser à medida que caminhamos, subitamente estonteantemente leves e livres de todas as preocupações que impomos a nós próprios. É uma redescoberta da nossa ligação com a natureza e com todos os seus habitantes deste planeta, ligação essa que a civilização nos tenta cercear.
Ao longo da nossa vida muitas vezes nos perguntamos: qual é o significado da nossa existência? Quem sabe se essa resposta não estará escondida no meio de trilhos verdejantes, dentro de um lago de gelo, por baixo da neve, por entre escarpas de cortar a respiração, ou até inspirando a brisa envolvente da própria montanha. Quem sabe não tenhamos essa revelação ao inspirar o ar deste ambiente selvagem reminiscente de casa. E quem sabe? Talvez assim, vagueando/errando neste ambiente selvagem e simultaneamente familiar, descubramos o verdadeiro eu.  
 

Depois desta inesperada homenagem aos convidados desta tertúlia, iniciaram estes a sua intervenção, explicando ao pormenor as suas aventuras de caminheiros por montes e vales, sobre a neve, ou sobre pedras, consoante a estação do ano. Estava exposto na sala um par de botas de montanhismo, idêntico ao que também figura na composição da capa do livro «Olhares Montanheiros», tendo sido mostrado a uma assistência interessada o acessório, com espigões em aço, para adaptar ao rasto das botas sempre que tiverem de caminhar em segurança sobre gelo. Assim como mostraram as energéticas "rações de combate", desde a embalagem da sopa até ao mini cartão com vinho, mas este só para festejar, à noite, as "vitórias" de mais um dia e favorecer um sono reparador nos Refúgios que iam encontrando montanhas fora.
 
 

Entretanto aconteceu um momento de poesia pela voz de Mercília Francisco, que leu expressivamente dois poemas de Miguel Torga e um de David Homem de Sá, todos relacionados com o apelo telúrico das montanhas:

NIRVANA

Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.


REGRESSO 

Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram
Mal eu surgi, cansado, na distância.
Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.

Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso. 

Miguel Torga
 
Momento de poesia com Mercília Francisco

AMOR DE PEDRA
 
Desejava a montanha!
Olhava as suas vertentes
Adivinhava as suas veredas
Queria perder-se nos seus caminhos
E escalá-la lentamente até ao cimo…
 
A montanha era bela
Era esguia, era tranquila…
Prometia uma natureza selvagem
Madura, mas verdejante
Latejante de mistérios e descobertas
 
Desejava a montanha!
Admirava a elegância do seu sopé
A geometria das suas escarpas
A simetria dos seus relevos
O desenho das suas formas
 
A montanha era bela
Queria morar na montanha
Cheirar o seu perfume silvestre
Percorrer as suas colinas
Vencer a sua altitude
 
Desejava a montanha!
Desejava a água das suas fontes
As flores do seu regaço
A beleza do seu silêncio
A nudez das suas pedras
 
A montanha era bela
Vestida de azul granítico
Queria tê-la para si, conquistá-la.
Quem sabe, pegá-la na mão
Quem sabe deitar-se com ela…
 
E continuava desejando a montanha!
Desejava refrescar-se nas suas cascatas
Banhar-se nas suas lagoas profundas
Secar-se ao Sol do seu olhar
Adormecer no poente do seu entardecer
 
E continua sempre desejando a montanha… 

Davide Homem de Sá


E a conversa continuou animada tarde adentro, com João Gil e Nuno Verdasca a responderem, com o rigor de quem sabe "onde põe os pés", às perguntas que iam surgindo de uma assistência curiosa e participante.
Um assíduo participante e interveniente nestas tertúlias, Wolfgang Schaden (assim como sua esposa), lembrou, muito a propósito, que só faltou nesta sessão, para completar o ambiente, ouvir uns excertos de «Uma Sinfonia Alpina» (Eine Alpensinfonie), Op. 64, poema sinfónico composto por Richard Strauss entre 1911 e 1915, que ilustra a subida a um pico dos Alpes Bávaros e regresso ao vale, recordando, deste modo, a experiência da escalada realizada pelo próprio compositor quando tinha catorze anos. Poderão ouvir nestes endereços duas interpretações desta mesma Sinfonia: 
 http://www.youtube.com/watch?v=tzS7I092ZSI
http://www.youtube.com/watch?v=eQa9mW8ygAE
 
Uma das fotos que decorou a sala. Também reproduzida no livro
«Olhares Montanheiros» (cogumelos Amanita muscaria)

"Café Com Livros" agradece a todos o contributo valioso da sua presença e voltará a acontecer no 4º Sábado do mês de Novembro, num lugar a combinar...

Até lá, não recusem:
Um café quente
Um livro fresco
Uma ideia nova! 


Fotografias, texto e edição: augusto mota