27/02/2007

desigualdades



Barco cheio
barco vazio
é a sorte quem comanda,
ou a Lua.
Num momento
surge o vento de levante.
Como rastilho de prata
o cardume lá se afasta...
O barco fica vazio.
Glória Maria Marreiros ,in "Algarve a gente e o mar".
Legendas Íntimas de Augusto Mota.

22/02/2007


Legendas Íntimas. Augusto Mota.

Q

Vindo do corredor o guarda aproxima-se da porta. Hesita duas vezes antes de bater.
Dentro da sala, o inspector, de olhos cerrados, masturba freneticamente o seu pénis grosso e duro, com a mão esquerda. Masturba-se com uma imagem. Fechado dentro da sua cabeça está um homem forte e musculado, ruivo e de olhos claros, nú, encostado à parede da sala, a açoitar os seus próprios genitais, os mamilos, a cuspir saliva ao mesmo tempo que ri. O inspector deseja agarrá-lo, beijá-lo e esbofeteá-lo. Segura um guardanapo expectante na mão direita enquanto o agarra, o beija, o espanca. Contorce o tronco e as pernas ao mesmo tempo que da sua garganta se soltam ligeiros grunhidos guturais semelhantes a arfares de foca. Lá fora o guarda hesita novamente.
Num espasmo violento, e mordendo os prórios lábios, o inspector acaba por derramar o seu sémen branco no papel. O guarda finalmente bate à porta. O inspector abre os olhos e limpa cuidadosamente os seus dedos e o pénis que lentamente começa a perder força. Dobra o guardanapo semeado e guarda-o no bolso do casaco. Ao cheirar os dedos da sua mão lúbrica, sorri. Levanta-se e dá duas voltas à chave.
A porta abre-se e o guarda entra.
O inspector indica-lhe o lugar.
- Sente-se. Estava precisamente a pensar em si.
Depois de uma disfarçada continência, o guarda obedece, sentando-se na única cadeira disponível, defronte da secretária.
O inspector dá duas voltas à chave:
- Você fuma?
- Os regulamentos internos dizem-me que não posso.
- E se eu lhe disser para que fume.
- Não posso fumar em serviço.
- Diga-me ... Quem criou este regulamento interno?
- O governo.
- Muito bem...
Sabe porque o mandei chamar? Não? Vou confessar-lhe... Estive esta manhã debruçado sobre o seu dossier. E despertou-me muita curiosidade. Interessou-me... Interessou-me muitíssimo o seu caso, para ser o mais sincero possível. Por isso o mandei chamar. Olhe bem para mim, neste momento. Estando aqui sentado à sua frente a compartilhar consigo este momento, pareço-lhe um homem malévolo? Responda-me com sinceridade.
- Não.
- O mais importante para mim é a obediência e a noção do novo: o espanto. Como sabe, todos os poetas são seres malditos, visionários e portanto incompreensíveis para a maioria. Porque observam o que mais ninguém vê. Vêem mais longe. Poetas como eu e você... Mas se quer seguir um conselho, não deveria guardar só para si os seus escrits. Não leve a mal esta minha consideração. Mas incomoda-me a cobardia. Os pusilânimes. Não sei se acredita em pressentimentos. Mas neste caso concreto, parece-me evidente ter chegado o seu momento. É chegada a sua hora. A hora do grande salto. É chegado o momento de escrever, se quiser, a obra de uma vida. A grande obra...
( continua )
Sandro William Junqueiro ,inédito

20/02/2007

carnaval da natureza

17/02/2007

fim

olhou o mar e sentou.se na areia branca dos desejos .há muito que esqueceu a côr das ondas que adormecem nas manhãs de sol .deixou.se embalar segundo o ritmo dos amantes e ouviu.se no requebro das flores que a praia rejeitou .nas praias não há flores .há poetas que se diluem nas madrugadas dos sonhos .utópicos .possuídos pela maré cheia da loucura .ocultos .são o silêncio do mar que os desenha .cobrem.se com a areia que lhes corre no sangue .e são em desamor .e sentidos .e revêem.se na surpresa das madrugadas
sempre aquém
no precipício do ser .no objecto .no desejo

definem.se como a contradição e sabem.se nos crisântemos ,flor ,que ,um dia ,descreveram em poemas .ele ,o poeta ,moribundo ,sabe.se no universo das pétalas e tingiu.a ,absoluta ,no malmequer desenhado a giz .tem.se como o poeta das flores .ela olhou a mesa .em cima ,uma jarra .vazia .a casa repercute.lhe os sons das flores que ele deixou ,esquecidas ,sobre a cadeira .colhidas pela manhã .à tarde ,há.de correr entre os crisântemos e vê.los de um modo diferente .presos à voz .dele
a janela aberta .o trilho do combóio iniciado em nenhures .na praia .foi o início da loucura que há.de projectá.los mais além
e souberam.se

no limite da imortalidade .o poema deixou.o inerte .rasgado no cesto dos papéis que tinha sob a mesa onde costumava escrever .as imagens sobrepunham.se e começou a deixar.se prender aos fios da vida .soube.se no limite preciso da sua existência de homem e isso deixou.a mergulhada numa profunda tristeza .a certeza do seu fim .do princípio ,não teve consciência .não se lembrou como o poema lhe apareceu na frente e se impôs .sentiu ,apenas ,a necessidade imperiosa de o passar para a folha .percebeu ,finalmente ,que a razão escorreu entre as suas mãos .soube.se louca entre a flor e a cadeira .alguém esqueceu as flores sobre a cadeira .alguém ousou perverter.lhe os sonhos .desfrutou a utopia de se saber entre os crisântemos que ele colheu de manhã .não .foi ,de véspera ,que se prendeu ao ritmo da maresia .ou foi hoje?

esgotou.se no silêncio das ondas que lhe ofereceram muito mais além

e soube.se

descalça sobre a areia .teve.se em casa .na sua casa .dentro do poema que ele lhe deixou ,ao adormecer .vagueou no ritmo das palavras soltas e esqueceu o nome que lhe soou aos ouvidos .foi a voz do mar .do mesmo mar que ,anos atrás ,lhe adormeceu o amor .e os sentidos .entregou.se ao som dos pássaros que ,em bando ,abandonaram o areal e foram à demanda de novos horizontes .também ela se perdeu no horizonte do sonho. do ritmo das marés vivas .inócuo .segurou o crisântemo e absorveu.o ,inteiro ,nas palavras e nos poemas .ele ,o poeta das flores ,pegou no ramo .sentou.se na cadeira e esperou.a

e ela veio .pegou.lhe na mão .partiram os dois

desligaram a máquina .o poeta das flores era um homem morto e ela chorou.o

gabriela rocha martins ,inédito in outro fim
fotografias de augusto mota ( Foz do Liz e Mar na Praia da Vieira ).

Crisântemo


"Crisântemo," diz minha alma -
e uma flor nasce do nome.
Nas pétalas de invocá-la,
só de dizê-lo se acalma,
e dentro da flor se some.
"Alma," disse o crisântemo
quando eu o invoquei -
"reciprocidade é a lei
de conhecimento íntimo,
também em ti entrarei."
Quando entro na flor
e vou fundo até ao centro,
milagre do vero amor,
tenho a mesma flor cá dentro.
Mil pétalas voam em mim.
Em cada uma me assumo -
e na flor para onde vim,
e na flor que trago em mim
sou sempre diverso e uno.
Mil pétalas, esses mil seres
que a nossa alma contém -
um a um se os conheceres,
qual milhão de malmequeres,
conheces-te a ti também.
Basta que saibas olhar
as pétalas tal como são -
vê-las bem em seu lugar,
sem as querer analisar,
sem juízos de razão.
Que dos mil seres a soma
a um ser só se reduz:
mil pétalas, uma chama
que água e oiro derrama
num corpo que é todo luz.
Uma luz que é perfume,
um perfume que ilumina -
sendo água é como o lume.
Sendo fogo é como a brisa,
nem grande, nem pequenina.
E do oiro desse lume,
e das cinzas dessa chama,
nova Fénix se assume,
que do primevo negrume
renasce agora minha alma.
As pétalas, uma a uma,
apaga em tua mente -
deixa que o centro te assuma
pra que a alma fique una,
diversificadamente.
António Simões, inédito, in "Poemas Antigos".
Pétalas de Vidro - poema de António Simões,
fotografia e composição de Augusto Mota.

15/02/2007

pérolas do ensino



Eis alguns exemplos de respostas imaginativas dadas por não menos imaginativos alunos nos seus testes escolares.
Estão separados por disciplinas e escritos tal e qual no original.
História
A História divide-se em quatro - Antiga, Média, Moderna e Momentânea ( esta, a dos nossos dias );
O Hino Nacional Francês chama-se La Mayonèse;
Tiradentes, depois de morto, foi decapitado;
Entre os índios da América, destacam-se os aztecas, os incas, os pirineus, etc.;
No começo os índios eram muito atarsados mas com o tempo foram-se sifilizando;
Com a morte de Jesus Cristo os apóstolos continuaram a sua carreira;
Entre os povos orientais os casamentos eram feitos no "escuro" e o noivos só se conheciam na hora h.
Geografia
A capital de Portugal é Luiz Boa;
O principal rio dos estados Unidos é o Mininici;
A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos;
Na América Central há países como a República do Minicana;
A Terra é um os planetas mais conhecidos do mundo;
As constelações servem para esclarecer a noite;
As principais cidades da América do Norte são Argentina e Estados Unidos.
Ciências
Ecologia é o estudo dos ecos, isto é, da ida e vinda dos sons;
Solo é quando numa orquestra um dos músicos "capricha" sozinho e os outros ficam à escuta;
Assexuada é a pessoa que não está nem do lado de cá nem do lado de lá;
Trompa de Eustáquio é o instrumento musical de sopro, inventado pelo grande músico belga Eustáquio, de Bruxelas;
Newton foi um grande ginecologista e obstetra europeu que regulamentou a lei da gravidez e estudou os ciclos de Ogino-Knaus.
Português
Parêntesis é o grau da família que existe entre os pais e filhos, tios e sobrinhos, avó e netos, primos e primas, etc.;
Preposição, conforme diz a palavra pela sua própria entomologia, é aquela que é colocada antes da outra que é mais importante;
Conjunção é a grafia que se usa quando se quer conjugar um verbo;
Sujeito é a pessoa com quem a gente fala;
Concordância é quando nós estamos de acordo com o que o outro disse ...
legendas íntimas de Augusto Mota.

10/02/2007

Legenda Íntima. Augusto Mota.

Amor Virtual

Se as mãos de alguém viessem, virtuais,
suavizar-me a dor, afagar-me a testa! -
ligo o computador, busco os sinais,
Gigaherz da ternura que resta.
Carrego numa tecla e tu sais
ao meu encontro com ar de festa:
e nas mãos, de súbito naturais,
o afago mais doce se manifesta.
peço ao computador que derrame
dentro de mim mais memória ram,
pra reter-te pra sempre num ficheiro.
1000 gigabites, meu coração,
onde cabem os que a mim se dão,
como tu a mim te deste por inteiro.
António Simões

01/02/2007

dia de anos

Com que então caiu na asneira
de fazer na quinta-feira
... ! Que tolo!
ainda se os desfizesse...
mas fazê-los não parece
de quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
que fez a mesma tolice
aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
como lhe tomou o gosto,
que faz o mesmo? Coitado!
Não faça tal; porque os anos
que nos trazem? Desenganos
que fazem a gente velho:
faça outra coisa; que em suma
não fazer coisa nenhuma,
também lhe não aconselho.
Olhe que a gente começa
às vezes por brincadeira,
mas depois se se habitua,
já não tem vontade sua,
e fá-los queira ou não queira!


de facto
não segui o conselho de João de Deus ,autor da poesia ,e cometi a asneira ( eu ,editora em chefe - como me chamam os meus amigos ,Almirante ,Contra.Almirante e Imediatos ) de ,embora não querendo ,fazer mais um ano de idade
... quantos? ... diga trinta e três! ehehehehehe
fotopoemas de Augusto Mota