22/02/2016

Umberto Eco


 

 
Faleceu o escritor Umberto Eco. A sua genialidade é marcante em toda a sua obra. Eis algumas das suas frases mais conhecidas:


"A leitura é uma necessidade biológica da espécie. Nenhum ecrã e nenhuma tecnologia conseguirão suprimir a necessidade de leitura tradicional."

"Nem todas as verdades são para todos os ouvidos." (in «O Nome da Rosa»)

"O mundo está cheio de livros fantásticos que ninguém lê."

"Para ser tolerante, é preciso fixar os limites do intolerável."

"Eu definiria o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo."

"As pessoas nascem sempre sob o signo errado, e estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo. (in «O Pêndulo de Foucault»)

"O verdadeiro herói é sempre herói por engano; sonhou ser um cobarde honesto como todos os outros."


10/02/2016

Café com livros







Com algum atraso devido a problemas logísticos só agora é possível publicar a reportagem da tertúlia “Café com livros” de 23 de Janeiro, p.p., realizada, mais uma vez, no auditório do Museu de Leiria.
 

Já as Trêstúlias estavam em seus lugares para dar início à sessão e fazer a apresentação do convidado, mas este ainda não se encontrava na sala. Estaria atrasado? Não! Inesperadamente, fazendo jus à sua veia teatral, David Teles surge de uma porta lateral, mesmo ao lado das Trêstúlias e em frente da assistência, mas não como David-Teles-ele-mesmo, mas no papel de Senhor Simplício, Poeta-Filósofo… e que insiste em ler as rimas que foi escrevendo ao longo da vida no grande livro da sua contabilidade poética.
 
As Trêstúlias com David Teles: Rosa Neves, Cristina Barbosa e Lídia Raquel

Agora já como David-Teles-ele-mesmo, e sentado entre as Trêstúlias, é o momento para Cristina Barbosa fazer a sua apresentação:

David Teles Ferreira nasceu em Coimbra em 1962 e vive em Leiria onde exerceu a profissão de Delegado de Informação Médica, até ficar desempregado em 2013. Ainda em Coimbra, cantou no Coral do Ateneu de Coimbra e colaborou com a Cooperativa Bonifrates.
Fez parte desde 1994 a 2007 da Comissão Organizadora do Festival “Música em Leiria”, uma realização do Orfeão de Leiria, instituição em que integrou a Direcção como Director para a  Animação Cultural durante dois mandatos, e com a qual reatou a colaboração após vários anos de afastamento.
 

Faz parte do Te-Ato, Grupo de Teatro de Leiria, onde se estreou como actor em 1998 na peça “Pretextos Teatrais”, de Jaime Salazar Sampaio, encenada por João Lázaro. E onde ao longo dos anos fez também produção de espectáculos, apoio técnico e animação de rua, bem como sessões de poesia.
Ocasionalmente diz poesia em tertúlias e lançamento de livros.
Escreve desde a adolescência: «assumindo a terra» é o primeiro livro que publica (Editorial Diferença, Leiria, 1999) seguido de «as encostas voltadas a norte» / «o mar nos teus olhos» em co-autoria com o pintor Jorge Melo (Som da Tinta, Ourém, 2002).
Organizou em 1999 a colectânea «Juntos por Loro Sae», um conjunto de poemas e desenhos de autores leirienses em solidariedade com Timor.
Colaborou com o semanário «Jornal das Cortes» onde durante alguns anos assinou a crónica "Vemos, ouvimos e lemos".
Publica desde o início de 2015 o blogue http://escritadebolso.blogspot.pt/



Lídia Raquel deu ínicio à leitura de textos de David Teles lendo "Mulheres", publicado no seu blogue "Escrita de Bolso", em 14 de Dezembro de 2015:

"Cresci rodeado de mulheres. Todas elas dotadas de enorme força, cada uma à sua maneira. Cada uma delas admirável pela sua postura nos períodos mais difíceis. Não vou nomear nenhuma, mas todas moram no meu coração. Não esqueço nenhuma delas nem os ensinamentos e exemplos que me deram. Não esqueço como, a que parecendo frágil, resistiu à prisão e à dor da doença que a vitimou. Não esqueço as que me ensinaram o poder do sonho. As de resposta pronta. As que me mostraram o que é a coragem. A resistência. Que todas me transmitiram valores importantes. Essenciais. Como a integridade. A lealdade. A solidariedade. Cresci com elas. Em todos os sentidos. E todas elas vivem, mesmo as que já partiram, em mim."

Do mesmo blogue Lídia Raquel leu ainda "Empreendedorismo",
publicado em 2 de Novembro de 2015:

"Dei por mim a achar que sou um empreendedor. Pelo menos já a minha tia Laurentina dizia quando eu era rapaz, Filho, não empreendas tanto, És mesmo de ideias fixas, Sempre a empreender, sempre a empreender em tudo, Não penses tanto, Ainda dás em maluquinho. E eu sempre na lua a cismar. A matutar. A cogitar. Sempre a analisar tudo uma e outra vez. Sempre a empreender nos meus problemas, como ela dizia. Por isso, quando ouço a palavra empreendedor, associo-a sempre à palavra problemas. Mas sei que se ela ainda fosse viva, e ouvisse falar tanto em empreendedorismo, me ia dizer, Empreende, filho, empreende, que dizem na televisão que isso tem futuro. E eu, que continuo a pensar e repensar pensamentos, não sei se ganho alguma coisa com isso. Mas sou, certamente, um empreendedor."

A sua forma escrita de pensar o mundo está distribuída por 3 livros:
«assumindo a terra», «as encostas viradas a norte» e «o mar nos teus olhos», tendo ainda participado com o poema "Timor" na colectânea «Juntos por Loro Sae», poema que foi lido por Cristina Barbosa:





a morte não são gritos
não esta morte
esta morte é silêncio
gritos de silêncio

doutro modo como explicar
que esta morte esteja a acontecer agora  
neste preciso momento
e os gritos não cheguem
a quem a poderia evitar

falei da morte
e do absurdo
no tempo passado
e não estava à espera
de ter de o fazer no tempo presente
falei da morte que não é silêncio
da morte que é gritos
e agora
como falar desta morte
que é um ensurdecedor silêncio
desta morte que é também
a nossa morte
a morte da esperança num mundo diferente
a morte da dignidade
a morte do humanismo

são homens sem alma
os que matam
são homens sem alma
os que mandam matar
são homens sem alma
os que deixam matar
os que permitem a morte
pela indiferença
pela inacção
pelo silêncio

como falar do absurdo
do abjecto
do horror
será que o que afinal distingue
os homens dos outros animais
é apenas esta capacidade
de nos matarmos uns aos outros

e o que mais dói
mais do que a morte
é este sentimento de impotência
para mudar este estado de coisas
e terminar de vez com esta morte
a morte inútil
a morte do homem pelo homem

perante isto
só nos resta gritar
gritar bem alto
nós os vivos
e continuar a gritar
até que este massacre termine
mesmo que este massacre termine
gritar
gritar bem alto
até que os nossos gritos se juntem
aos gritos dos mortos
nos ouvidos de todos os homens
e acabem para sempre todos os massacres
e possamos então calar os gritos
mas não esquecer
jamais esquecer
para que nunca mais





Mais um momento inesperado nesta 15ª tertúlia de "Café com livros". Pela porta das surpresas entra na sala a poetisa Zaida Paiva Nunes, grande amiga do David Teles, admiradora da sua poesia e que o quis homenagear lendo quatro poemas de «assumindo a terra», dos quais transcrevemos dois:

Beatriz

não te iludas com o vento
nem com o rugido do mar
se o mar ruge violento
foi porque soprou o vento
e o foi desinquietar


não te iludas com a brisa
que move branda a folhagem
não te iludas com a aragem
que logo aumenta a voragem
e alisa a areia da praia
e alteia a vaga no mar 


se o vento sopra mansinho
brinca com as folhas do chão
logo arranca com os telhados
com quintas casas silvados
transformado em furacão


não te iludas com a brisa
que move branda a folhagem
não te iludas com a aragem
que logo aumenta a voragem
e cobre de água a catraia
e leva a espuma p'ró ar


não te iludas tem cuidado
não venha o ventinho manso
em furacão transformado
apanhar-te no descanso
e levar-te no tornado 





a  Carlos Paredes

na tua guitarra eu vivo um sonho
e a alegria de ser um português
e aquele orgulho da terra lusitana
na tua guitarra eu escuto a voz do povo
e as suas dores
e os seus lazeres
as festas
                as feiras
                                arraiais 
e a procissão da Senhora dos Prazeres
na tua guitarra eu ouço a amizade
e ouço a paz
e a alegria de dar a mão a um camarada
e a tristeza de perder 
                                      e a saudade
e a certeza de sempre se aprender
na tua guitarra Carlos
sinto o vento e sinto o fado
sinto Coimbra e sinto uma balada
na tua guitarra encontro a minha amada
na tua guitarra sinto todo o meu país




Por sua vez David Teles leu do livro «Sonhos», de Zaida Paiva Nunes, dois poemas dos quais se reproduz aqui apenas um:


“A tua ausência ainda pernoita nos escombros de uma fotografia”
                                                                                                                 Al Berto

  
Partiste, meu amor, ficámos sós
Eu e a tua ausência que me dói.
Queria sentir teu cheiro, teu olhar, a tua voz
E não esta saudade que corrói.

Queria sentir teus beijos, teus abraços,
Sentir o teu carinho, o teu calor.
Poder ouvir, pela casa, os teus passos,
Saber que aqui estavas, meu amor.

Mas tu partiste e tudo me levaste.
O olhar, a voz, os beijos, o carinho.
Se tu até o meu sono me roubaste
Pra que à noite eu por ti chore de mansinho.

Apenas não levaste esta saudade, a enorme dor,
A tua foto que guardava comigo.
É com elas agora que vivo, meu amor,
E com a tua ausência, pensando estar contigo.

No teu lugar, a foto, tua presença...
Esta tua foto onde pernoita, teimosa, a tua ausência.






Outra surpresa estava  reservada a David Teles e à assistência. O tertuliano José Farinha, professor de Educação Musical, tocou à guitarra várias músicas originais de sua autoria, emocionando o convidado e deliciando todos os participantes desta tertúlia com a beleza das melodias que fez vibrar nas cordas da sua guitarra. 
Cristina Barbosa, após este momento musical, leu o texto "A arca", publicado no blogue "Escrita de Bolso", em 3 de Dezembro de 2015:

A arca. O cheiro. A alfazema velha e humidade. Os cobertores que arranham a pele. Que mais do que aquecer, pesam. Mantas de papa, chamavam-lhes. Traçadas já. Carregadas de história e histórias. Memórias de lençóis de linho, puídos embora. E de colchões de folhelho que sublinhavam com rangidos o menor movimento. Que marcavam ritmos em noites de lua apetecida. Apesar das cautelas. Apesar da vergonha. Das rendas das fronhas que marcavam as faces de flores e cornucópias. E quadrados pequeninos. Lembranças das crianças que esqueciam os lençóis e se deitavam no meio dos cobertores, porque gostavam das cocegas que os faziam rir e esquecer o frio. Com as cabeças tapadas para as orelhas não gelarem e não deixarem de sentir a ponta do nariz. Com as mãos entre as pernas por causa das frieiras. E que assim, encolhidos a brincarem às tocas, caíam no sono. Pegavam no sonho. A arca tem cheiros. A arca tem sonhos.

Do mesmo blogue Lídia Raquel leu "Sempre estrangeiro", texto publicado a 28 de Setembro de 2015:

Sentir-se sempre estrangeiro. Em todos os lugares. Mesmo em sua casa. Mesmo dentro de si. Principalmente dentro de si. Não reconhecer nunca quem o olha no espelho. Sempre a sensação de estar de passagem. De não pertencer a lugar algum. Ou pertencer a todos por igual. Um desconforto perene. De andar apertado na vida como quem usa um fato demasiado acanhado. Não é inquietação. É um sentimento de estranheza. Como quando se usa uma camisola que pica no corpo. É uma vontade permanente de saltar muros.

E Cristina Barbosa leu "Aves migratórias", publicado a 14 de Setembro de 2015:

Sempre invejei as aves migratórias. Que todos os anos levantam voo e zarpam em direcção a melhores climas e condições em viagens longas e duras. Mas que conhecem o prazer da luta e de enfrentar o desconhecido. Que variam de habitat e não se deixam a ficar a gelar as penas em Invernos frios e chuvosos. A viagem, mesmo que sempre para os mesmos sítios, nunca é igual. E nada ultrapassa o prazer de atingir horizontes longínquos.
  

Por último David Teles leu "Marraquexe", um texto publicado a 12 de Janeiro de 2016:

Marraquexe. A cidade vermelha. Para mim é rosada, o que só lhe aumenta o encanto. Fui lá parar uma vez e deixei-me ficar. Gostei da luz, dos sons, do ambiente. Poderia ter ficado a viver em Marraquexe se não fosse o mar. A ausência do mar. Sempre tive que sentir que tinha o mar perto. Havia o deserto ali ao lado, claro. Mas, embora o adorasse, não me causava a emoção do mar. Gostei de lá viver, no entanto. Naquele minúsculo quarto no cimo do prédio, demasiado quente, que tinha escolhido pelas vistas e pela sensação de segurança. De um dos lados avistava (e cheirava) uma zona de preparação e tingimento de peles e o meu entretém, quando o cheiro permitia, era ver aqueles desgraçados naquele trabalho duríssimo. Mas os tanques coloridos e as peles a secar lembravam uma pintura abstracta. O resto do dia passeava pelo souk, ia ver as novidades à Fnac Berbere, supremo exemplo do humor marroquino, e acabava numa esplanada sobranceira à praça Djemaa el Fna a observar o movimento. A ver como as motoretas conseguiam não colidir umas com as outras. Uma vez vi passar uma carregada de caixas se ovos e quase desejei que tivesse um percalço. Fiz amizade com alguns comerciantes do souk e acabei a passar tardes nas suas lojas a fumar chicha, a beber chá e a vê-los endrominar modestamente os turistas. Digo modestamente porque nunca os enganavam na qualidade do produto, de que muito se orgulhavam, mas apenas no preço. Era gente simples e generosa. Com um deles fiz uma viagem ao deserto. Conheci velhos berberes que nunca tinham saído da sua aldeia, mais do que algumas viagens à cidade mais próxima, mas eram mais sábios que muitos doutores.  No regresso passámos em Ait Ben Haddou e apaixonei-me pelo sítio. Fiquei lá uns dias só a deixar-me embeber do espírito das ruínas e em meditação. Lá o tempo não passa. Parece que não precisamos de nada. Quase nem de comer. Se não se tivesse acabado o dinheiro acho que ainda hoje lá estava. Voltei a Marraquexe só para arrumar o saco e partir.
  


Entretanto, mais uma vez, se abre a porta da sala das surpresas e Rosa Neves aparece com uma caixa-mistério. O que será? Nada mais do que a edição de um livrinho de 16 páginas, 14,5 x 10,5 cm - «Fala do Zé Emigrante» - da autoria de David Teles, tipo "literatura de cordel" (Edições Cá Sete, Janeiro de 2016), que é oferecido a todos os presentes. David Teles leu na íntegra o poema, composto de 2 partes: "antes de 1974" e "actualidade". Por ser muito longo, transcrevemos apenas o início de cada uma das partes, as quais já dão o tom deste "poema social":


 
  
antes de 1974 

Meu pai não sei qual o espanto
de veres partir esta gente
povo que já está em pranto
por andar tão descontente
larga do cabo da enxada
larga a terra que trabalha
e vai como uma enxurrada
arrastando a sua tralha
até às terras de França
Alemanha e outras tais
p'ra onde o chamar a esperança
porque aqui já não há mais.

(...)

 actualidade
E agora sou eu o pai
 que se espanta ao ver partir
o filho que agora vai
noutro país investir
o curso que aqui tirou
com o seu esforço e o meu dinheiro
e tanto que aqui estudou.
E não o paguei só eu
todos nós contribbuímos
pois o estado também deu
que nós assim decidimos
após a revolução
que para todos seria
grátis a educação
e era assim que se queria.

(...)

Seguiu-se mais um momento musical surpresa. O jovem Luís Monteiro, estudante do Conservatório de Música de Fátima, presenteou o convidado e todos os tertulianos com um tema executado brilhantemente em flauta transversal.



Para terminar a leitura de textos do blogue de David Teles, Rosa Neves leu "dissolvo-me", publicado em 12 de Outubro de 2015:

Sinto-me dissolver no tempo. É uma sensação semelhante a boiar em água tépida. Um relaxamento até agradável. Mas em que o corpo se vai diluindo a partir das extremidades. De fora para dentro. Desaparecendo em névoa. Não penso em nada. Não me importo com nada. Deixo-me ir. Apenas. Desagregar. Desaparecer. Pouco a pouco. Tecidos e fluidos. Molécula a molécula. Até só sobrarem átomos dispersos. E então serei nada. Serei tudo.

Por fim José Farinha executou mais quatro peças, que nos recordaram os belos sons trovadorescos, após o que se seguiu um tempo de conversa aberta a todos os tertulianos.
  

Wolfgang Schaden 

 
António Nunes

 
 Isabel Trindade


Nota “Tertuliana”:

Na agradável e amena confusão que sempre se estabelece no final de cada “Café com Livros”, alguém deixou escapar “inocentemente” que o Prof. Augusto Mota tinha feito anos no dia anterior!...e vai daí, volta tudo atrás, e em coro alegre e bem “desafinado” todos lhe quiseram cantar os parabéns merecidos e amigos. 

A "culpa" foi da Mariana Pereira e da bonita couve decorativa!

Ter feito anos foi só um pretexto para lhe agradecermos a sua presença, a sua amizade e a sua existência profícua de conhecimento, criatividade e talento! Mas, ter feito anos, foi também um pretexto para ensaiarmos com ele o futuro.

As Trêstúlias também quiseram posar, para memória futura, com a couve decorativa!

Boa forma de fechar esta tertúlia: comemorando a vida e a cultura!
Parabéns Prof. Augusto Mota e até à próxima …



"Café com livros" agradece a todos o contributo valioso da sua presença e voltará a acontecer em Março, num lugar a combinar...
Até lá não recusem

um café quente
                         um livro fresco 
                                                 uma ideia nova!




Texto de Augusto Mota e Rosa Neves 
Fotos de António Nunes e Joaquim Cordeiro

Edição de augusto mota