25/12/2015

Poema para o Natal



VONTADES







Eu queria desejar um bom Natal.

É!... Queria mesmo que todos tivessem um Natal do tamanho de um sorriso!... 



Mas, o que eu queria mesmo,

Mesmo, mesmo,

Com muita força e vontade,

Não era desejar um bom Natal,

Era enviar o Natal

A quem nunca teve um dia de Natal! 



Mas o que eu queria mesmo,

Mesmo, mesmo,

É que o Natal não fosse no Natal!

Queria mesmo que fosse no Carnaval,

Na Páscoa, no S. João,

No Verão ou no Outono

Que nascesse na Primavera 

Pintasse de sol o Inverno,

Que rumasse para Sul,

Que subisse até ao Norte,

E de Ocidente a Oriente,

Pudesse um dia chegar

Ao país de toda a gente!



Mas o que eu queria mesmo,

Mesmo, mesmo,

É que ele não ficasse à porta,

Que entrasse mesmo sem bater,

Mesmo sem se anunciar...

E viesse para ficar!



Que se sentasse à lareira

Quente e aconchegado

Que partilhasse o seu pão,

Com um porque é irmão

Com outro porque é vizinho

Com outro que está sozinho...



Mas o que eu queria mesmo,

Mesmo, mesmo,

Era que o Natal ficasse

No coração da vossa casa!

Em cima da vossa mesa!

Na palma da vossa mão!...



Eu não queria desejar um bom Natal!....

... Eu queria deixar um Natal em cada dia!



Rosa Neves 





 


Edição e fotos de augusto mota / teias orvalhadas, com manipulação cromática.



20/12/2015

Texto transversal








30/11/2015

Café com livros







No sábado, 21 de Novembro, como anunciado, teve lugar no auditório do Museu de Leiria mais uma tertúlia “Café com livros”, a já tradicional iniciativa das Trêstúlias com(vida)



O convidado foi Pedro Barroso, cuja apresentação esteve a cargo de Rosa Neves, que após os cumprimentos iniciais ao poeta e a saudação à assistência, que encheu por completo a sala, começou por citar palavras do próprio Pedro Barroso, in «Cantos Falados», 1996:
 


"… Diz na cara o que não deve; habita refugiado no campo, fora dos locais recomendados; iconoclasta e truculento, vira-se com facilidade e ferocidade contra as mais palacianas injustiças; aos costumes diz o mínimo; intratável e teimoso; gordo, forte, generoso e intempestivo; gosta de sujar as mãos na terra e no barro; maneja a escrita perigosamente, como arma, como chama; e anda por aí, sem tino. "
 

Fez Estudos musicais variadíssimos, licenciou-se em Educação Física, foi professor, especializou-se em Psicoterapia e neste campo foi pioneiro na área da musicoterapia e no ensino de crianças surdas-mudas. 

Vindo de uma área de intervenção crítica de expressão popular, é visível há muito tempo a progressiva opção temática de carácter mais abrangente, onde avulta a reflexão sobre – o Amor, a Solidariedade, a Mulher, a História, a Natureza, a Vida, a Portugalidade… - assume-se como um autor sério e rigoroso, respeitado enquanto cantor, poeta e autor/compositor. 
Depois de 25 de Abril atua em todo o país e nas comunidades emigrantes espalhadas por todo o mundo. Escreve, apresenta programas de rádio e televisão.
Tem cantado nas mais prestigiadas salas portuguesas assim como nas mais prestigiadas salas de países como a Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Espanha, EUA, Holanda, Hungria, Luxemburgo, China, Suíça, Suécia, entre outros.
A par de todas estas atividades manteve sempre uma produção discográfica diversa e profícua, espalhada por várias editoras. Tem colaborado em inúmeros jornais, revistas e blogs.
Alguns manuais escolares integram textos da sua autoria. Prefaciou inúmeros livros.
Tem recebido diversos prémios nacionais e estrangeiros.
Como artista plástico amador, usa o heterónimo Pedro Chora e tem exposto desenho e escultura em várias galerias, tanto em exposições a solo, como em coletivas, incluindo várias coleções particulares e Museus Municipais.



É solicitado frequentemente, enquanto homem de opinião, para sessões culturais, colóquios, encontros, tertúlias e palestras por todo o país.

Em suma, escreve, arranja, orquestra e dirige os seus próprios trabalhos. Cultiva um estilo muito próprio, onde a poesia, a independência, a frontalidade e a ironia têm o seu lugar. Os seus concertos são como “encontros de amigos” onde se estabelece um ambiente de grande cumplicidade entre os presentes. Portanto só poderia estar aqui, num espaço que é também acima de tudo um encontro de amigos que ainda acreditam que um país se cumpre através da sua cultura e que a poesia é o eterno ópio dos pensadores, dos trovadores…
Há dias li este desabafo que o Pedro partilhou na página do Facebook e com o qual quero iniciar esta conversa, a qual estará sempre aberta à intervenção de todos:

Fico siderado com o que aconteceu em Paris. Talvez tenha sido dos poucos artistas portugueses a ter actuado na prestigiada Sala Bataclan em Paris!
Conheço o espaço, enchi a sala, assinei as paredes dos camarins, lembro tudo como ontem.
…/…
O mundo da cultura treme com isto, e eu próprio, fico muito pequenino e muito de luto por toda esta loucura. Eu muito especialmente, confesso, amei esta sala de Paris, sempre a assumi no meu currículo como um passo de prestígio na minha carreira. 
… /…
Acho um crime imenso matar pessoas e sofro também pela ameaça iminente de destruírem esta sala histórica e centenária de Paris. 
O mundo enlouqueceu. Estou devastado.”






Feita a apresentação, Pedro Barroso iniciou, de imediato, a sua inetrvenção, relembrando a referida actuação na Sala Bataclan e outros episódios da sua carreira de cantor. E falou de poesia. E declamou a sua poesia

Como de costume, dedicadas ao convidado, também houve intervenções de colaboradores desta tertúlia. A primeira foi a de Laura Rosário, a mais jovem e assídua tertuliana, que leu o soneto de Florbela Espanca "Só":



Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...

As rosas nas alamedas,
E os lilazes cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas

Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha...

Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a Lua...
E fico a chorar com ela!... 

A seguir Mariana Neves declamou "Poetas", um poema também de Florbela Espanca:



Ai almas dos poetas
Não as entende ninguém,
São almas de violeta
Que são poetas também. 

Andam perdidas na vida,
Como estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas. 

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma para sentir
A dos poetas também!




 

E Pedro Barroso lá foi contando histórias da sua já longa vida artística e lendo poemas de sua autoria.
Entretanto foi a vez de David Teles, colaborador habitual de Café com livros, dizer, com toda a força expressiva da sua voz, o poema "Eu sou português aqui", de José Fanha, poema que Pedro Barroso muito aprecia e que a assistência vibrantemente aplaudiu:



Eu sou português 
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimentto
da miséria repetida 
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam 
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português 
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mãos sujas do sangue
que empapa a terra que piso. 

Eu sou português 
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci 
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
 e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa 
inacabada 
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda ingente.

Eu sou português 
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

Eu sou português aqui. 
  



Para terminar, David Teles, em jeito de homenagem, declamou o poema "Companheira", da autoria do próprio Pedro Barroso:

Deixei pousar minha boca em tua fronte
toquei-te a pele como se fosse harpa
escorreguei em teu ventre como o vento
e atravessei-te em mim como se fosse farpa

Deixei crescer uma vontade devagar
deixei crescer no peito um infinito
morri da morte lenta do desejo
e em cada beijo abafei um grito

Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira

Inventei mil paisagens no teu peito
rebentei de loucura e fantasia
quando me olhavas devagar com esse jeito
e eu descobri tanta coisa que não vias

Havia em ti uma forma grande de incerteza
que conseguias converter em alegria
havia em ti um mar salgado de beleza
que me faz sentir saudades em cada dia

Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira  
  
 
E assim terminou mais um Café com livros. As Trêstúlias (com vida) agradecem ao Pedro o ter aceite o nosso convite para fazer parte deste encontro de Amigos, certamente com prejuízo dos seu afazeres pessoais, mas creia que acrescentou muito a todas nós e à nossa tertúlia.

Com um abraço fraterno e poético agradecemos a todos a vossa presença amiga e encerramos mais um Café com livros desejando a todos, um Bom Natal, sobretudo, cheio de Paz. Voltamos a encontrar-nos em Janeiro, e até lá, já sabem, não recusem 

um café quente

um livro fresco

uma ideia nova.


texto de Rosa Neves e Augusto Mota
edição de Augusto Mota
fotos, devidamente identificadas, de Rui Pascoal, Joaquim Cordeiro, Fernando Rodrigues e Augusto Mota


29/11/2015

Evocação