17/05/2006

a celebração do silêncio

há dias em que as palavras não se devem soltar .hoje é um desses dias .hoje celebra-se o silêncio cuja natureza condena o acessório ,muito embora ele seja também raiz de acção .mas o imperativo abstracto de "algo a cumprir" também pode tornar-se em angústia ,em dualidade ,numa inquietação insustentátel
.o silêncio é ,então ,muito mais sedutor do que a história das palavras e dos actos isolados
.Maria sabe-o .a sua aparente solidez ,o seu olhar cansado ,o registo taciturno das suas contemplações interiores ,escondem uma mulher inteira .um ser cuja limpidez esconde ,ainda ,o cuidadoso preservar da sua complexidade
.nela ,toda a urgência do ser
.prisioneira das suas sombras ,o interesse de Maria pelos outros constitui a reconstituição permanente das suas fidelidades primordiais ,enquanto mulher
.o presente .a repetição dramática da sua existência que procura ,agora ,resolver através da acção
.as ciladas e as armadilhas da cidade ,porém ,foram-na transfigurando sem a desfigurar
.reinicia o tempo de dar vida aos sonhos dos vinte anos ,e , as palavras escritas sobre as tonalidades da vida urbana com que sonhou ,mais do que depoimentos ou simples repositórios ,pretendem iluminar o seu pessoal estoicismo silencioso
.como muitos outros ,Maria sabe que o poder é extremamente precário e provisório .aliás ,ela nunca há sonhado com o poder ,pelo menos o poder como poder
.o seu sonho consiste ,apenas ,em fixar uma época .em relatar um tempo de sombras .em fixar uma travessia no círculo apertado do obscurantismo .mas sabe ,também , que não pode nem quer alcançá-lo sozinha .daí o seu humanismo eivado de uma forma peculiar de existência - Maria não aceita a culpabilidade - não entende que todos nós somos culpados de alguma coisa ...
no seu universo há encontros e desencontros
o retorno ao eterno arbitrário ,contudo ,é uma faca de dois gumes ,e o terrorismo cultural onde se move e habita acaba por oferecer-lhe um bilhete para uma viagem sem retorno
.o enigma das repetições fá-la ,no entanto ,pensar que sempre estivera ali .ela sempre estivera no mesmo lugar
.Maria olha a direito ,fala .à esquerda ,onde se situa ,ao centro e à direita .às vezes hesita ,outras vezes provoca silêncios ,à espera de qualquer coisa . há que respeitar-lhe o silêncio e o grito que não solta -"deixem-me .deixem-me ser tantos quanto sou !"
como pedra sonora o seu eco permanece sobre a terra e sobre o tempo ... entre ela e as suas sombras ergue-se ,intacta ,a cumplicidade do que não se perde - a sua capacidade de criar
.mas será que isso lhe basta
?
gabriela rocha martins,viaje até ...

12 comentários:

Anónimo disse...

Um esplêndido texto conjugado num presente conturbado, mas, por isso, a sua actualidade.
Gosto desta intercomunicabilidade entre blogues.
Um abraço, Maria Gabriela!

Anónimo disse...

Oi, miúda!
O poderosíssimo texto que faltava ( mas venham mais como este).
Um beijo!

Anónimo disse...

Uma música de sonho - Bach?,
um belo poema em prosa,
um blogue para visitar sempre!

Anónimo disse...

Eis a Maria Gabriela em plena força

Anónimo disse...

O acordar da Mulher-Maria numa homenagem ao seu percurso de fidelidade aos ideais de mulher “actora” da sua vida, tantas vezes difícil de serem cumpridos.
O silêncio é o seu repouso de guerreira e também o seu jardim secreto.
Texto forte porque, para além de sentido, foi vivido - “ a sangue e lava ”.

“Há que respeitar-lhe o silêncio e o grito que não solta” --> obreiro de outros gritos do ser, como este texto. Acutilantes palavras geradas pela existência de Maria que não se limita a ver a vida que passa. Por isso, a capacidade divina de criar talvez não lhe baste.
Nada no silêncio é inútil ou improfícuo. Doloroso, talvez, como toda a gestação.
Tema de “Maria”, de “ Love story”, interpretado como que num silêncio...
Alonguei-me, mas ...
Grande abraço.
fsm.

Anónimo disse...

o abraço é recíproco.
a intercomunicabilidade - é o espaço onde povoamos os sonhos possíveis e os impossíveis.

Anónimo disse...

vamos a ver se o engenho ajuda, Terezinha.
um beijo.

Anónimo disse...

foi Bach, de facto.
hoje é Eudoro Grade em viola!

Anónimo disse...

um beijo, Zé!

Anónimo disse...

sem palavras, Fernanda!
os comentários são para comentar - espaços de liberdade - onde as pessoas devem deixar fluir o que realmente pensam. se coartarmos o pensamento, então, não têm qualquer interesse.
de banalidades está o ciberespaço cheio - acho eu! - e que me desculpem os ciberbloguistas, mas é o que realmente penso.

como vê, fernanda, também eu me alongo, quando o devo fazer.

outro abraço!

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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