Ao lado da sala existe uma casa de banho a que só os guardas desta ala têm acesso.
Abro-lhe a porta verde. O cheiro a higiene incontinente que invade todos os espaços e compartimentos da instituição, ao mesmo tempo encolhido, sub-reptício, invade-me novamente as narinas, alojando-se de imediato no cocuruto da cabeça; entranhando-se-me num dos bons lobos do cérebro.
E é nesta curta relação de causa-efeito, composta por choques eléctricos, que uma náusea violenta me irrompe do ventre. Nem tenho tempo de chegar ao espelho e espremer uma borbulha que seja, para me acalmar.
Logo, uma, duas, três golfadas de vómito, de cor ainda indefinida, saem projectadas da minha boca e narinas para cima do lavatório branco. A mistura quente e pegajosa liberta um fumo branco em sinal de paz, em contacto com a cerâmica fria.
Cheira a azedo. Vomito tudo o que tenho e o que também não tenho. Estou exausto e oco por dentro. A boca sabe-me a envinagrada. Quando tento engolir saliva pareço estar a engolir ao mesmo tempo pequeníssimas lâminas que se cravam na garganta.
As minhas pernas e os meus braços tremem-me. A custo, lá consigo pôr-me de pé. Estou como leite azedo e coalhado já coberto por uma fina camada de bolor. Pálido e verde. Os olhos coalhados de sangue. Não posso prmitir que me vejam assim. Não posso.
Abro a torneira no máximo. Lavo cuidadosamente todo o lavatório e apanho do chão algumas sobras desalmadas que saltaram para fora na altura do primeiro jorro. Assoo o nariz. Lavo a boca e os dentes. Bebo uns goles de água. A água fresca, de certo modo, revigora-me. Sinto-me ligeiramente melhor. Mais capaz. Ainda que as pernas me tremam um pouco. Mas o pior já passou.
Enxugo as mãos à farda e volto para o corredor. Ainda não lhe vejo a porta. Mas vai tudo correr bem. Vai tudo correr bem.
Basta que acredites. É importante acreditar. Sandro William Junqueiro, inédito, in " Cadernos do Algoz".
2 comentários:
A beleza de um texto aliada à crueza do mesmo.
Um abraço, Sandro!
e eu, como membro da tripulação desta nau, agradeço pelo Sandro.
outro abraço, José Artur!
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