15/05/2005

Nenhum amor se deita para dormir

Uma mesa. Um bar
Um homem. Uma mulher.
Um espelho com empregado ao fundo.
A mulher é louca ao espelho: prepara-se para o inevitável:
arranha os cabelos, mascara cicatrizes, borrifa de perfume os lóbulos, descruza as pernas
de renda; os seus lábios mudam de cor e de idade.
A gordura é um vício; a fealdade uma indecisão.
O álcool excita-lhe os dedos que também podem ser máquinas
ou aranhas gesticulando no ar enquanto o gelo derrete nos copos.
São duas e meia da manhã.
O homem suspende. Avalia o redor.
A linguagem é imprecisa.
O vazio enche-se dos copos.
As almas de vodka.
O homem cansado domestica o bigode;
sossega as sobrancelhas com saliva;
esquadrinha um novo ângulo obtuso numa das patilhas e diz:
- Tenho sono.
A mulher responde:
- Ainda é cedo.
nenhum amor se deita para dormir.
Dentro do espelho, as bocas mordem-se sem sinal de sangue.
O homem levanta-se e sai.
A mulher louca cruza novamente as pernas,
O empregado assiste a tudo, impávido e transparente, enquanto limpa com um pano o bolor dos copos.

sandro william junqueira

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