22/06/2006

A Cabeça Inventada

Alargavam-se os versos e as rimas, pelas ruinas nocturnas.
Havia touros de lápis-lázuli, cavalos negros, serpentes azuis.
As velas acendiam-se.
Tudo se passava, cerceando os limites, o tempo e a voragem,
a flor negra prenunciando o fio excêntrico do ouro surreal.
No oriente, havia sacerdotes sagrando a abundância
e um louco imperador precipitando os eixos de Saturno,
sobre as idades frias da terra.
Chamava-se Heliogábalo e reinava sobre a excentricidade.
Penso no seu corpo abstracto,
na sua ruína excêntrica, a cabeça inventada,
as vísceras cosidas topo a topo, sobre a carne timbrada,
coberta de flores surreais, e no seu longo nome:
Varius Auitus Bassianus Marcus Aurelius Elagabalus
sacerdote do deus Baal de Emésia.
Era sírio, nascera em 218 d.C., filho de Iulia Soaemias,
manobrava a sua loucura, as vísceras encerradas,
topo a topo, os eixos de Saturno precipitando-se, castrados.
Tinha Marcus Aurelius no seu nome, porque Marco Aurélio foi,
de todos, o mais sábio Imperador e todos os que o seguiram
o quiseram imitar.
Quando o frio chegava, o ouro estendia-se,
pelas suas ramagens, trazendo Maio, uma mulher em touro,
um sábio imperador, os touros do Éfeso.
O tempo passava, e a hisória coloria-se, na sua intrínseca poesia.
No Éfeso houve poetas, como Calímaco e Hipónax,
médicos como Sorano, Xenófanes
e touros sagrados, sagrando a abundância.
Na cabeça inventada, o ouro engolia o frio, os touros sangravam,
como feridas negras;
as águas corriam e o mundo oscilava.
Por vezes, um livro é a escuridão suprema, caída pela noite,
mágica e orgiástica.
E os poemas são jóias, pulsos timbrados, pela noite inventada,
a cabeça insegura, sobre a negra voragem.
Assim Stefan George construiu Algebal.
Maria do Sameiro Barroso, inédito, in "Idades Sonâmbulas".

6 comentários:

Anónimo disse...

O regresso de uma grande Senhora...Poetisa!

Anónimo disse...

E assim se vão tecendo as teias do encanto.
Um abraço, Maria do Sameiro!

Anónimo disse...

Inventam-se cabeças, mas não se inventam Poetas...
Bem haja, Maria do Sameiro!

Anónimo disse...

plenamente, de acordo, Júlia.
um beijinho!

Anónimo disse...

... e a Maria do Sameiro agradece, através da tripulação ...

Anónimo disse...

muito bem comentado, manuel!