- o vinho evaporava-se das suas taças de pedra.
O fogo renascia, as odes delirantes, os cometas de luz.
O silêncio respirava e queimava.
Genuína era a hora de todos os poemas e as horas minúsculas
cresciam, como bagas, tímidas, amarelas. Era sempre assim, a voz e as flâmulas, a água entretecendo as fábulas,
pela urze transfigurada; as trevas rasgadas pela obsessão da luz.
E o tempo florescia, à noite, pelas suas mandíbulas,
que cresciam, como flores carnívoras.
Eu era a noite e um grito, a obsessão de um cântico, distinguindo
a aberrante espuma, o suor das estrelas,
e o meu coração era verde, como um girassol, abrindo as suas teias
desmembradas à névoa dolorosa, pela claridade implacável. Moviam-se as musas lentas ( a lua em caranguejo ),
a loucura dionisíaca abrindo-se, pelos seus archotes sonâmbulos.
- Deus e o Diabo cruzavam-se.
José Régio era o poeta que me iniciava na claridade
de todos os poetas.
Rimavam com ele as águas, vestidas de brocado,
as nuvens, o mundo e as tempestades. Percebia que os seres são poetas escondidos, dando nome
às coisas e poesia aos nomes.
Eu era a extensa harmonia e a criação inexplicável.
Na treva coberta de espuma, Deus sorria, sofrendo, derramando
o seu cântico de lira amarga,
narrando a poesia, evocando o sulfúrico esplendor das vozes
lisérgicas. Contorciam-se as musas aberrantes, a matéria lírica.
Cresciam os lírios, o caos fervilhava,
num emaranhado soturno, numa amêndoa claríssima
- o silêncio voando, como um insecto nocturno
pousando, sobre o meu coração inerte.
Maria do Sameiro Barroso, inédito, in "Idades Sonâmbulas".
1 comentário:
Peço bis a esta senhora poeta que, há um ano, conheci na Bienal em Silves.
Dela ficou-me o encanto dos poemas por dizer/ler.
E reencontro-a, sempre, com um imenso prazer nas páginas deste blog.
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