Abres a porta à procura da luz -
Um galo canta no cimo da hora,
E tu estremeces e agitas as sombras,
E a luz foge para longe.
Abres a porta à procura do nada:
Um rato rói a alma por dentro,
E tu estremeces e agitas o vento -
E o nada foge para dentro de ti.
Abres-te para o verde cantante das searas:
uma cobra rasteja por entre os caules,
E estremeces de novo,
E a água foge da tua sede -
É então que ao pé da luz,
A sombra se casa com a água,
E a seara cresce desmedidamente,
E os deuses riem dos gestos dos homens,
Confusos demais para abrirem caminhos -
Contudo, sem que eles o saibam,
Lá no fundo da sua alma,
Num recanto obscuro da mente,
Uma pequena flor começa a ganhar raiz -
Ela vai crescer para todos os lados
E atravessar o mundo e o próprio universo:
E homens e deuses e pássaros e pedras
E árvores e asas e campos e casas
E pontes e portas, senhores e servos,
E tudo o que mexe e o que fica imóvel,
E tudo o que fala e tudo o que cala
São as pétalas infinitas dessa flor. António Simões, inédito. Évora. *Escrito entre a vigília e o sonho, numa tarde mágica de 9 de Fevereiro de 2002, nos campos de Louredo.
6 comentários:
E continuamos sem acordar. Dói a extraordinária beleza deste blog. Entre a imagem e as palavras a perfeita sincronia ou a linguagem dos deuses.
Um abraço comovido!
É difícil, muito difícil, de facto, dizer onde termina o sonho e começa a realidade.
Um novo poema que tardava. Um abraço!
E, mais uma vez, a magia reflecte-se naquilo que escreve, António Simões!
A flor da Poesia!
É lindíssimo o sortilégio da imagem, mas nada, nada, se compara à beleza de um poema... escrito. E quando feito entre a vigília e o sonho, então, palavras para quê?
Um abraço ao Poeta!
Obrigada, amigo Poeta, pela sua capacidade de sonhar... acordado!
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