03/01/2006

Tributo a um Amigo / até sempre Carlos

"...Cumpri a acção de descer os quinze degraus para as trevas e a acção de ascender os degraus para a luz. O sacrifício renova-me, rejeitando a densa natureza do meu corpo. Assim consagrado pela necessidade, tornei-me espírito...".
recordei esta passagem de Zózimo de Panópolis - papa do séc. V - hoje, quando soube do falecimento de Carlos Cáceres Monteiro, meu colega de Faculdade e AMIGO de longa data.
o seu desaparecimento levou-me a alguns momentos, íntimos, de reflexão sobre a complexa dualidade vida/morte.
terça-feira, terceiro dia de um novo mês e ano. não falarei do jovem com quem estudei, nem do jornalista com quem convivi, durante anos.
todavia, na génese deste meu pesar, retenho o companheiro, dou-lhe a mão, e penso, em voz alta, no Amigo. um beijo, Carlos... e desculpa se insisto no discurso indirecto.
será que o Acaso ( ou seja, a Morte ) existe?
se se pensar no processo vida, a relação desta com a morte, concebida como Acaso, é extremamente complexa. quando tal afirmo, reporto-me ao facto do comportamento humano só se tornar significativo se não se reproduzir com uma frequência e um mimetismo tais que o torna tipificado, o que não constitui, de todo, o comportamento humano dito normal.
na nossa educação, só a tendência é determinante. o pormenor, em caso algum, pode ser predito. daí as contradições e as divergências que, no entanto, não devemos recusar.
logo, o Acaso existe.
mas, se pensarmos que a selecção e a evolução, assim como o aparecimento do ser vivo, são processos que têm lugar segundo leis determinadas, a evolução não é mais do que um processo de aprendizagem natural, cujos pressupostos possuem, apenas, valores gerais. do mesmo modo, a nossa liberdade de agir fundamenta-se, por um lado, numa combinação de leis, onde a nossa vontade se encontra indissociada do mecanismo biológico, constituindo o binómio "corpo/espírito". por outro lado, se se considerar que a vontade ao contrariar todo o processo que se desenrola no nosso Eu biológico, tem um efeito libertador do mesmo, há que concluir que todos somos, simultaneamente, seres condicionados e condicionantes.
o Eu, ou seja, a personalidade de cada indivíduo, não é uma instância independente deste mecanismo. pelo contrário, manifesta-se nele, é-lhe íntimo e idêntico.
logo, o Acaso ( ou seja, a Morte ) existe.
ainda não há muitos dias, num diferente registo, escrevi que a morte exige-nos uma instintiva alegria de viver. exige-nos, ainda, o estar presente sem nada sacrificar. o estar presente sem nada recusar.
todavia, a morte também é, para todo o ser humano, a única certeza, razão porque, ao falar sobre a sua inevitabilidade, mais não faço do que exorcisá-la, e, acrescento - ao relembrar o Amigo - a necessidade de se saber viver intensamente em alegria, porque esta é a única verdade.
ao procurar fazê-lo, e, recordando Cáceres Monteiro, repito Zózimo de Panópolis
"...Cumpri a acção de descer os quinze degraus para as trevas e a acção de ascender os degraus para a luz. O sacrifício renova-me, rejeitando a densa natureza do meu corpo. Assim, consagrado pela necessidade, tornei-me espírito...".
até sempre, Carlos...
gabriela rocha martins.

6 comentários:

Anónimo disse...

Associo-me ao teu tributo, minha amiga. E faço-o recordando, eu, em Letras, onde vocês, os de Direito, costumavam ir tomar a bica, e, os rapazes à coca das "meninas". Bons tempos esses onde ainda pensávamos que os Sonhos eram possíveis e as Utopias viáveis.
Adeus, Carlos. Adeus, não. Até um dia!

Anónimo disse...

Pertinentes, acutilantes e fruto de um espírito que não se limita a viver. Alguém que se questiona, e muito bem, sobre o princípio da Vida e a sua consequência inevitavel - a Morte.
Acompanho o teu raciocínio e da dúvida nasce a Luz.
Que na sua ascensão, o Cáceres Monteiro tenha encontrado a sua luz...

Anónimo disse...

Não acredito. O Carlos Cáceres Monteiro faleceu? Como e quando? Quem te disse, Maria Gabriela? Cheguei a casa e, como habitualmente, vim dar a voltinha "dos tristes". Para alegrar, resolvi visitar o Palácio e dou com a triste notícia. Conta-me pormenores, miúda!

Anónimo disse...

Aqueles que amamos não morrem, apenas partem antes de nós.

Um abraço pela dor da ausência.

Anónimo disse...

Fica-me a saudade de um Amigo.
O abraço de um colega.
A dor da separação.

Anónimo disse...

Querida Maria Gabriela:

Li com emoção o seu comovente testemunho sobre o desaparecimento físico de Carlos Cáceres Monteiro. Como diz a fernanda s. m., não podem morrer os que amamos, e nós também um dia continuaremos vivos na memória dos outros. Entretanto, vivamos a vida e amemo-la e amemo-nos uns aos outros só pelo simples privilégio de estarmos vivos.E subindo ao alto das varas de luz que sustentam a cúpula do infinito e de onde o dia se derrama para dentro dos nossos corações, cantemos o nosso canto de amor à vida e gritemos a nossa corajosa negação da morte. Como diz John Donne num soneto que em tempos traduzi: "Depois de um breve sono, eternos vamos ser. / Não mais morte haverá:Morte, tu vais morrer.
Um grande abraço do
António Simões