No sábado, 21 de Novembro, como anunciado, teve lugar no auditório do Museu de Leiria mais
uma tertúlia “Café com livros”, a já tradicional iniciativa das Trêstúlias
com(vida).
O convidado foi Pedro Barroso, cuja apresentação esteve a cargo de Rosa Neves, que após os cumprimentos iniciais ao poeta e a saudação à assistência, que encheu por completo a sala, começou por citar palavras do próprio Pedro Barroso, in «Cantos Falados», 1996:
"… Diz na
cara o que não deve; habita refugiado no campo, fora dos locais recomendados;
iconoclasta e truculento, vira-se com facilidade e ferocidade contra as mais
palacianas injustiças; aos costumes diz o mínimo; intratável e teimoso; gordo,
forte, generoso e intempestivo; gosta de sujar as mãos na terra e no barro;
maneja a escrita perigosamente, como arma, como chama; e anda por aí, sem tino. "
Fez Estudos
musicais variadíssimos, licenciou-se em Educação Física, foi professor,
especializou-se em Psicoterapia e neste campo foi pioneiro na área da
musicoterapia e no ensino de crianças surdas-mudas.
Vindo de uma
área de intervenção crítica de expressão popular, é visível há muito tempo a
progressiva opção temática de carácter mais abrangente, onde avulta a reflexão
sobre – o Amor, a Solidariedade, a Mulher, a História, a Natureza, a Vida, a
Portugalidade… - assume-se como um autor sério e rigoroso, respeitado enquanto
cantor, poeta e autor/compositor.
Depois de 25
de Abril atua em todo o país e nas comunidades emigrantes espalhadas por todo o
mundo. Escreve, apresenta programas de rádio e televisão.
Tem cantado
nas mais prestigiadas salas portuguesas assim como nas mais prestigiadas salas
de países como a Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Espanha, EUA, Holanda,
Hungria, Luxemburgo, China, Suíça, Suécia, entre outros.
A par de
todas estas atividades manteve sempre uma produção discográfica diversa e
profícua, espalhada por várias editoras. Tem colaborado em inúmeros jornais,
revistas e blogs.
Alguns
manuais escolares integram textos da sua autoria. Prefaciou inúmeros livros.
Tem recebido
diversos prémios nacionais e estrangeiros.
Como artista
plástico amador, usa o heterónimo Pedro Chora e tem exposto desenho e escultura
em várias galerias, tanto em exposições a solo, como em coletivas, incluindo
várias coleções particulares e Museus Municipais.
É solicitado
frequentemente, enquanto homem de opinião, para sessões culturais, colóquios,
encontros, tertúlias e palestras por todo o país.
Em suma,
escreve, arranja, orquestra e dirige os seus próprios trabalhos. Cultiva um
estilo muito próprio, onde a poesia, a independência, a frontalidade e a ironia
têm o seu lugar. Os seus concertos são como “encontros de amigos” onde se
estabelece um ambiente de grande cumplicidade entre os presentes. Portanto só
poderia estar aqui, num espaço que é também acima de tudo um encontro de amigos
que ainda acreditam que um país se cumpre através da sua cultura e que a poesia
é o eterno ópio dos pensadores, dos trovadores…
Há dias li
este desabafo que o Pedro partilhou na página do Facebook e com o qual quero iniciar
esta conversa, a qual estará sempre aberta à intervenção de todos:
“Fico
siderado com o que aconteceu em Paris. Talvez tenha sido dos poucos artistas
portugueses a ter actuado na prestigiada Sala Bataclan em Paris!
Conheço o espaço, enchi a sala, assinei as paredes dos camarins, lembro tudo
como ontem.
…/…
O mundo da
cultura treme com isto, e eu próprio, fico muito pequenino e muito de luto por
toda esta loucura. Eu muito especialmente, confesso, amei esta sala de Paris,
sempre a assumi no meu currículo como um passo de prestígio na minha
carreira.
… /…
Acho um
crime imenso matar pessoas e sofro também pela ameaça iminente de destruírem esta
sala histórica e centenária de Paris.
O mundo enlouqueceu. Estou devastado.”
Feita a apresentação, Pedro Barroso iniciou, de imediato, a sua inetrvenção, relembrando a referida actuação na Sala Bataclan e outros episódios da sua carreira de cantor. E falou de poesia. E declamou a sua poesia
Como de costume, dedicadas ao convidado, também houve intervenções de colaboradores desta tertúlia. A primeira foi a de Laura Rosário, a mais jovem e assídua tertuliana, que leu o soneto de Florbela Espanca "Só":
Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...
As rosas nas alamedas,
E os lilazes cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas
Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha...
Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a Lua...
E fico a chorar com ela!...
A seguir Mariana Neves declamou "Poetas", um poema também de Florbela Espanca:
Ai almas dos poetas
Não as entende ninguém,
São almas de violeta
Que são poetas também.
Andam perdidas na vida,
Como estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!
Só quem embala no peito
Dores amargas secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.
E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma para sentir
A dos poetas também!
E Pedro Barroso lá foi contando histórias da sua já longa vida artística e lendo poemas de sua autoria.
Entretanto foi a vez de David Teles, colaborador habitual de Café com livros, dizer, com toda a força expressiva da sua voz, o poema "Eu sou português aqui", de José Fanha, poema que Pedro Barroso muito aprecia e que a assistência vibrantemente aplaudiu:
Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.
Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimentto
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.
Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.
Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.
Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mãos sujas do sangue
que empapa a terra que piso.
Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.
Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.
Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda ingente.
Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.
Eu sou português aqui.
Para terminar, David Teles, em jeito de homenagem, declamou o poema "Companheira", da autoria do próprio Pedro Barroso:
Deixei pousar minha boca em tua fronte
toquei-te a pele como se fosse harpa
escorreguei em teu ventre como o vento
e atravessei-te em mim como se fosse farpa
Deixei crescer uma vontade devagar
deixei crescer no peito um infinito
morri da morte lenta do desejo
e em cada beijo abafei um grito
Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira
Inventei mil paisagens no teu peito
rebentei de loucura e fantasia
quando me olhavas devagar com esse jeito
e eu descobri tanta coisa que não vias
Havia em ti uma forma grande de incerteza
que conseguias converter em alegria
havia em ti um mar salgado de beleza
que me faz sentir saudades em cada dia
Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira
E assim terminou mais um Café com livros. As Trêstúlias (com vida) agradecem ao Pedro o ter aceite o nosso convite para fazer parte deste encontro de Amigos, certamente com prejuízo dos seu afazeres pessoais,
mas creia que acrescentou muito a todas nós e à nossa tertúlia.
Com um abraço fraterno e poético
agradecemos a todos a vossa presença amiga e encerramos mais um Café com livros desejando a
todos, um Bom Natal, sobretudo, cheio de Paz. Voltamos a encontrar-nos em
Janeiro, e até lá, já sabem, não recusem
um café quente
um livro fresco
uma
ideia nova.
texto de Rosa Neves e Augusto Mota
edição de Augusto Mota
fotos, devidamente identificadas, de Rui Pascoal, Joaquim Cordeiro, Fernando Rodrigues e Augusto Mota