31/08/2007

Excessos




3. Excessos

Excessiva, esta emoção
de fim de tarde -

Excesso
de quem traz dentro do peito
o universo
e sente rebentar-lhe o coração
porque a alma já não cabe

4.Ninguém Mais

Numa galáxia distante,
um pássaro pousou
numa pedra
num som quase imperceptível de veludo -
Ninguém mais o ouviu em todo o universo
senão minha alma que ouve e sabe tudo

5.Tão leve Que Fica

Há os que passam na rua
e mal tocam o chão,
têm passos de lua,
tão leves que vão.

O amor que é pesado,
e pesa um milhão,
neles é levitado
porque aos outros se dão.
São mistérios do amor
que assim se multiplica:
a alma do doador
deu tudo, ficou mais rica.
Quando a alma se eleva,
o corpo logo levita,
de amor tão pesado
tão leve que fica.

António Simões, poemas inéditos
Brian Eno, "The Plateau of Mirror, First Ligth" and "Becalmed"

26/08/2007

48 .silogismo









Era um jardineiro -filósofo. Cada flor
acarinhada seria a enunciação de
uma premissa. A exuberância dos
canteiros a conclusão lógica de tão
aromáticas proposições
.

Augusto Mota, in "Sujeito Indeterminado"
Montagem de gabriela r martins sobre fotografias de Augusto Mota.

Swan Lake - Pas de Deux .Polina Semionova e Vladimir Malakhov

23/08/2007

2. O Cálice dos Olhos

Estendes o olhar -
o cálice dos olhos! -
e nele recolhes,
gota a gota,
a derradeira luz do dia -
Uma asa tardia de andorinha,
retida nessa última gota,
vai ficar voando
no infinito de teus olhos.
Com ela,
tonta ainda,
( tontos os dois! )
do vinho avermelhado do poente
que te enche o cálice
até à borda,
atravessas o sono e o sonho,
e, num ruflar macio de asas,
irás, por fim, pousar
junto ao pequeno charco de luz
onde nasce o dia.

Exausta
da travessia-embriaguez da noite,
a andorinha tua alma
ainda dorme
no aconchego das pálpebras,
no silêncio desta página -

Viremo-la, pois,
sem rumor,
e passemos,
pé-ante-pé
ao próximo
poema



António Simões, inédito.
Composições de Augusto Mota sobre poemas de António Simões.

21/08/2007

conselhos de um velho apaixonado

poema de carlos drummond de andrade

20/08/2007

exorcismo

______________exorcismo
no universo mítico das cores ,o branco mistura.se ao negro
e nesse momento sublime de criação
o pintor exorciza a morte_________________.

texto de gabriela r martins.
composição cromática de Augusto Mota sobre foto de Araújo Lacerda.

19/08/2007

a ribeira das fragas

para o Orlando Cardoso
Do mirante vimos o revérbero do calor bater nas fragas abruptas do outro lado do desfiladeiro.
Mas olhar para o fundo da garganta, ver a ribeira de Alge a saltar pequenas cachoeiras e a correr por entre a ramaria de árvores frondosas antecipou-nos a frescura das suas águas e o conforto da sombra de tanto amieiro ( Alnus glutinosa ), de tanto carvalho ( Quercus faginea ), de tanto freixo ( Fraxinus angustifolium ), de tanto loureiro ( Laurus nobilis ). E descer lá abaixo, depois de tanto calor, foi descer a uma outra realidade, onde um subtil jogo de luz e sombras parecia criar uma ilustração tridimensional de um bocado do paraíso, com a água a correr por entre penedos e manchas de claridade projectadas por um sol da tarde, coado pela folhagem viva e agradecida daquela floresta primeva. Como numa catedral havia o silêncio respeitoso das pessoas a quererem gozar a sua paz e a paz dos outros. Só as levadas que outrora deram força às engrenagens das azenhas pareciam querer impor a música diluída da sua corrente, apressada em retomar o curso da ribeira.
Apetecia mergulhar os pés e as mãos naquela água límpida e caminhar, caminhar por aquele líquido silêncio, até encontrar o resto do paraíso, ou, então, adormecer bem no meio da ribeira, em cima de um penedo arredondado e batido pelo sol para, como uma sereia, divagar pelos caminhos encantados das mãos, dos olhos e das palavras. Construiríamos a noite em pleno dia e saudaríamos a vontade de ver as árvores florescerem milhares de estrelas. Estrelas para iluminarem o rasto das palavras que vamos deixando atrás de nós, como indício de uma peregrinação a caminho de nada e de tudo. Talvez até construíssemos uma jangada que nos levasse a outros continentes, perdidos entre a memória e os dias claros.
Se aportássemos ao litoral da memória, em dia bem claro, iríamos, por certo, a uma azenha trocar grão para, depois, espoar muito bem a farinha e fazer pão fino que alimentasse o sonho e o passado. Do farelo tenderíamos alimento para os cães que estivessem de guarda ao nosso sossego, ou nos ajudassem a pescar alguma truta ( Salmo trutta ) mais distraída. De varas de eucalipto ( Eucalyptus globulus ) faríamos uma ponte de aventura suspensa sobre os dias escuros, já que do outro lado há sempre lugar para novas esperanças. Ou, então, atravessaríamos a ribeira a vau, se a corrente não fosse muito forte e não houvesse o perigo de sermos arrastados para as margens longínquas do passado. Uma vez do lado de lá regressaríamos à realidade de uma tarde quente de domimgo.
Do mirante vimos o reverbéro da emoção ao bater nas fragas abruptas do outro lado da memória.

Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.
Composições de Augusto Mota sobre poemas de António Simões.

18/08/2007

.....................................louca mente

quero dormir a noite e
acordar o dia
no silêncio de mim ou na confusão
de ti
quero olvidar o complexo
solto de um afago negado
sentido de repente na mão
que estendo ao encontro
de nós
quero ser água e vento
lamento quente ausente
presente no estar aqui em ti
sem mim
quero abrir o pranto à alegria
imensa de um encontro a sós
em nós pensado em sol
sustenido ou sentido no piano tocado
a sul e inventado a norte
quero ser a ausência presente
no sentimento vivido nas mãos
que percorrem os meus e os teus cabelos
revoltos
quero
inventar um canto de repente
não!
quero dormir e acordar
somente e
se alguém ou quem disser o contrário
mente.

gabriela rocha martins, in "de nada".
Composições de Augusto Mota sobre poemas de autor desconhecido e Maria Toscano.

17/08/2007

je m'apelle Bagdad

o beijo

eu
sou
o silêncio a pulsar
nas mãos enfeitadas
por flores de almíscar
colhidas
no verão
dos sonhos
confiscados
tu
és
o
beijo
roubado
a Kreonte


gabriela rocha martins, in "de nada ..."
composições de Augusto Mota sobre poemas de Maria Toscano.

15/08/2007

1. Corpoema


quando sinto a poesia
dentro do corpo
é que sei
que não estou morto -
Sob as pálpebras,
no rosto,
entre os dedos,
as palavras,
como crisálidas adormecidas,
esperam,
trémulas,
as asas que as desprendam -
as asas que tu lhes trazes! -
Pois é só quando chegas
e me beijas o corpo,
verso a verso,
e o lês como se lê um livro,
que elas se libertam
e eu sei que estou vivo -
E vou
e voo
em cada palavra
ao encontro de ti
ao encontro de mim
no corpo do poema.


António Simões, inédito, "Versos Antigos".
Textos Transversais de Augusto Mota.


14/08/2007

variações cromáticas sobre uma dália

fotos e manipulações de Augusto Mota.

saudade de mim - glosa*

o teu corpo e o meu corpo
ternura feita saudade
bruma sono outonal
hora que foge
perdida
.
louca
durmo o crepúsculo
e todo azul-de-agonia
em teu corpo esmaecido
em sombra a além me sumo

*mário de sá carneiro
glosado por gabriela r martins

13/08/2007

variações cromáticas sobre um girassol de cor


fotos e manipulação de Augusto Mota.

12/08/2007

uma homenagem a Torga


caricatura de Luís Veloso manipulada por gabriela r martins.

Centenário do nascimento de Miguel Torga



Aos Poetas
Somos nós
as humanas cigarras!
Nós,
desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
que se abriga
ao luar.
Nós, que nunca passamos
a passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter
asas sonoras,
asas que em certas horas
palpitam,
asas que morrem, mas que ressuscitam
da sepultura!
E que da planura
da seara
erguem a um campo de maior altura
a mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
a taça fraternal deste meu canto,
e bebo em vossa honra o doce vinho
da amizade e da paz!
vinho que não é o meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
de uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia a dia
que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
que se calcem de sonho e de poesia
pela graça infantil da vossa mão!
Miguel Torga ( 1907 - 1995 )

11/08/2007

troncos, texturas e folhas

fotografias de augusto mota

a nau dos corvos

O farol na ponta do cabo adensa o mistério que fica para além do horizonte cerrado e, em breve, uma chuva grossa, tocada a vento, impede a viagem pelos miradouros do sonho. Não é noite, mas gostaríamos que os olhos corressem por uns secretos rastos de luz a caminho das ilhas que ficam a estibordo da nau que navega o mar de todas as sensações. Não há corvos, mas gostaríamos que o seu grasnar anunciasse o fim de todas as tempestades, como se a barca em que vogamos fosse a redenção para as lágrimas de todos os queixumes. Ouvem-se, apenas, os gritos das gaivotas contra o vento forte que as faz planar sobre as rochas marcadas pelo tempo e pelas vagas. Mesmo assim continuamos a viagem a caminho de um novo regresso.
Regressa-se sempre pelos caminhos apressados que as mãos vão talhando e atalhando nas paisagens marítimas do nosso olhar. Mesmo em dias cinzentos sabemos esculpir as nuvens para que o sol festeje o verde que corre pelos campos fora até às arribas que os protegem da maré-cheia. E o amarelo que pontilha montes e vales é o que resta da sagração do mar e da Primavera da terra. São secretos rastos de luz a caminho das ilhas que ficam a bombordo das sensações que povoam o mar de todas as naus. E é nelas que poisam os corvos-marinhos ( Phalacrocorax carbo ) dos bons e dos maus presságios. E é nelas que, no silêncio da espera, aportamos, peregrinos, em terras distantes e tristes. E é nelas que, no silêncio do desejo, transportamos as árvores que plantamos à beira do sonho, ou arrecadamos os frutos silvestres que alimentam a viagem. Levamos, por vezes, abrunhos bravos, colhidos em manhãs orvalhadas, para matar a sede e a saudade.
Que terras distantes são estas que ficam para além dos gestos e do olhar? Difíceis viagens esperam o corpo nas rotas de tamanha empresa!
Se a sede se mata com o orvalho dos frutos selvagens, já a saudade se alimenta das árvores que abrolham, perpetuamente, à ilharga das ilusões.

Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.
Textos Transversais de Augusto Mota.

10/08/2007

Soneto já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás-de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres pra Iorque, onde nasceste ( dizes ...
que eu nada que tu digas acredito ),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem julguei amar,
nada se importará... depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!

Soneto de Álvaro de Campos.
Composições de Augusto Mota sobre poemas de Maria Gomes e Maria Toscano.

08/08/2007

Daisyspairing*

Ah, Daisy, se eu um dia te encontrasse
À esquina de um verso, de surpresa,
Sem que o Álvaro soubesse, acesa
Plo súbito rubor da tua face,
Minha alma, então, talvez tentasse
Livrar-te do soneto onde estás presa.
E tu, Cecily, vinhas, com certeza,
Ajudar-nos a sair deste impasse.
Mas, minha Cecily, pensando bem,
A Daisy, recordo, ainda tem
Recados do Álvaro, que é Fernando,
Pra dar aos amigos e, claro, a ti -
Vai, Daisy, que eu ficarei aqui,
À esquina do verso, te esperando.
*despairing of meeting Daisy


António Simões, in "Diário de Lisboa", 8 de Novembro de 1988
( a propósito do Soneto Já Antigo de Álvaro de Campos, "em conversa" com Daisy e a "estranha" Cecily )
Textos Transversais de Augusto Mota.

07/08/2007

ziguezagueando ...

Editorial Minerva - DNA
Rua da Alegria, nº 30 - 1250-007 Lisboa - Portugal

- Próximo do Parque Mayer e do Hot Club -

Tel. (+351) 21 322 49 50 - Fax (+351) 21 322 49 52

http://www.editorialminerva.com/
minerva_dna@netcabo.pt



Projectos literários com atitude, ousadia & diferença



CONVITE

EDITORIAL MINERVA e os autores têm o prazer de convidar V. Exª, família e amigos, para a sessão de apresentação da obra POIESIS - antologia de poesia e prosa poética portuguesa contemporânea, Vol. XV - (capa do artista plástico Miguel d’Hera), a realizar no dia 13 (Sábado) de Outubro de 2007, pelas 16:30 horas em:

AUDITÓRIO CARLOS PAREDES

Avª Gomes Pereira, 17 – Benfica – Lisboa
Acessos: Autocarros: 16 C, 24, 50, 84

VEJA AQUI A LOCALIZAÇÃO DO AUDITÓRIO

Apresentação dos autores e da obra pelo “animador de ideias” Ângelo Rodrigues. Todos os autores interessados terão oportunidade de uma breve intervenção. Momento de dança contemporânea e clássica pelo grupo da professora Fernanda Mafra - Barreiro. Selecção e leitura de dois poemas da obra por Cristina Estrompa e von Trina.
Alguns Autores:
Ana d’Ascenção
Ana Paula da Conceição Nunes
Ana Paula da Cruz Santos
António Augusto de Aguiar
Eva Fontes
Gabriela Rocha Martins,
etc...

Gratos pela honra da comparência
Será servido um Porto de Honra

04/08/2007

a harpa celta

Despir os sentimentos é aquecer o corpo junto ao fogo que se vê arder no lar das emoções. É, ainda, repousar os olhos nas estrelas que iluminam os caminhos do universo e desenham a trajectória dos gestos. É, também, ver como as palavras ficam a meio caminho dos desejos e o silêncio incendeia a música que as mãos dedilham nas cordas de uma harpa celta, de onde os sons brotam como água fresca de uma nascente entre seixos lisos e arredondados. É, sobretudo, acariciar o corpo e os sentidos à luz ténue das achas que ardem na fogueira da noite.
As mãos! Sempre as mãos viveram à frente das palavras e hoje regressaram ao futuro, ao encontro das lendas mágicas que animam os tesouros escondidos da infância e dos dias passados entre o corpo e a memória. Ou entre o corpo da memória. Ou entre a memória do corpo. Dessa memória que vemos alimentar o desejo das mãos, ou o rosto dos dias, e que atravessa entre nós e a noite, assim adiando o sono e os percursos do corpo.
Percorremos o corpo desenhando, com os apuros da técnica, os traços de uma tapeçaria que há-de expor-se ao museu dos sentimentos, que hoje despimos à luz da fogueira. Por isso derramámos cores várias e quentes pelos espaços brancos e livres, compondo uma sinfonia de formas e tons que a melodia da harpa harmonizava ainda mais. E os gestos saíam precisos e preciosos. E a obra ia ganhando a dimensão do nosso desejo, até sair dos limites apertados do tear electrónico onde os fios da teia e da urdidura se foram transformando nas distantes constelações que habitam lá para os lados da Estrela Polar. Ainda programámos a máquina com novas latitudes e longitudes, mas já não conseguimos reaver as linhas mestras da obra que fomos compondo ao longo da noite. Apenas vivem em nós as cores e os sons que animarão o museu de todos os sentimentos.
Todas as noites de céu estrelado havemos de olhar o infinito em busca das constelações que hoje desenhámos no universo das emoções.

Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.
Composição de Augusto Mota sobre poema de Fernando Miguel Bernardes.