11/11/2018

Café com livros






Por razões logísticas só agora é possível editar a reportagem da tertúlia “Café com Livros” de 29 de Setembro, p.p., realizada no museu Moinho do Papel, tendo como convidada a escritora e jornalista Alice Vieira

 

A jovem violinista russa Dinara Tonkikh, residente em Leiria, iniciou a sessão executando, com maestria, duas peças clássicas dedicadas à nossa convidada.

 

“As Alices que há em mim” foi o mote para que, em ambiente intimista, Alice Vieira viesse partilhar connosco a história de uma escritora que, fruto do acaso ou do destino, entre pais, filhos e avós, já marcou gerações de leitores.
  

A Alice das nossas vidas é Senhora de Gargalhada fácil, franca e aberta. Uma Alice que nunca quis ser escritora, sempre quis ser jornalista e acabou por ser (muito bem!) as duas coisas.
A Alice menina foi criada com os Tios-avós, republicanos austeros. Cresceu sozinha, e os amigos que tinha eram as personagens dos livros que lia. Seguia-lhes os passos e falava com elas.
A sua formação escolar foi feita em casa e só quando foi para o liceu é que contactou com jovens da sua idade. A jovem Alice foi para o Liceu Filipa de Lencastre, escola que considera ter sido a sua casa de adolescente e onde se orgulha de ver gravado, atualmente, o seu nome na sala de aula que frequentava. Um prestígio para Alice Mulher, uma marca da Alice Adolescente, Escritora, Jornalista.



Alice refere a sua prima Maria Lamas como a grande influência na decisão de ser jornalista. Outro fator que pesou na decisão foi quando percebeu que o jornalista nunca estava em casa. Soube imediatamente que era essa a vida que queria,  uma vida que a levasse para fora de casa, uma vida que a levasse à procura de pessoas, de factos, de notícias…
Profissionalizou-se muito nova, com 18 anos. Foi uma mulher arrojada para a sua época, desafiadora de normas e de costumes bafientos e preconceituosos. Viveu em Paris até Maio de 69, onde contactou com escritores, artistas e outros intelectuais exilados. 
Nunca quis ser escritora, no entanto, acha que a escrita já vinha com ela, nasceu com jeito… não gostava de redações à medida… só gostava de redações onde pudesse falar, reinventar as personagens dos livros que lia.
Já publicou cerca de 80 livros. A maior parte deles são dirigidos a jovens – também tem uma coleção de histórias tradicionais portuguesas para os mais pequenos - mas o que mais gosta é de escrever romance. 


Mercília Francisco lendo um poema de «Olha-me como quem chove»
Apesar de confessar que sempre escreveu poesia, tendo mesmo mostrado nesta sessão de “Café com Livros” um livro inédito que ela própria fez, que nunca foi publicado e que só poucos amigos conhecem. Uma relíquia que lhe agradecemos ter partilhado connosco. A publicação de poesia é recente. Revela que é muito crítica em relação a tudo o que escreve, no entanto, em relação à poesia é muito mais crítica … Talvez, por isso, escreva muita poesia, mas publique muito pouco. Conhecem-se os seguintes livros:
2007 «Dois corpos tombados na água» - Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho
2009   «O que dói às aves» 
2014 « Os armários da noite»  
2018 « Olha-me como quem chove»
  
Dinara Tonkikh com a sua amiga ucraniana Olga Volkova e Rosa Neves

Alice vai buscar a epígrafe dos seus livros de poesia a outros poetas seus amigos como, por exemplo, José Tolentino de Mendonça, Ruy Belo, Nuno Júdice e Daniel Faria, pelos quais nutre uma admiração imensa.
Ao contrário dos outros géneros, este é o único que escreve sempre à mão, e diz: “Não consigo explicar por que isto acontece. Acho que sou outra pessoa quando escrevo poesia. É quase qualquer coisa que me acontece como se me fosse ditado.”


A sua poesia é de uma sensibilidade extrema. Lê-la e conhecê-la é um exercício de intimismo, de reflexão, de observação de pormenores.
Os seus livros de poesia tem todos a mesma linha poética. A experiência de vida serve de matéria-prima ao ato criador de Alice, já que, a Alice Poeta não se liberta da Alice Jornalista, conseguindo fazer o leitor sentir, com intensidade, aquilo que ela escreve, tal como se fosse jornalista de sentidos, cuja missão é levar aos outros, emoções vividas em corpos e lugares longínquos.
 

A sua poesia é adulta e para adultos, intimista, mas realista, é uma viagem pela vida, onde a nostalgia e a saudade, são portos de chegada e partida de amores e desamores. Há intensos sentimentos que percorrem as veias da sua poesia. A expressão madura e clara da sua escrita ilude-nos, ao ponto de pensarmos que somos nós que experienciámos aquelas sensações e conhecemos aqueles lugares.
Percorre a sua poesia uma sensualidade discreta, mas concreta, circunstancial. Nas palavras que nos escreve e naquelas que nos instiga a adivinhar, ela transforma o mais pequeno gesto numa metáfora elegante e sedutora …
Alice mete a vida toda na sua poesia e nela está o registo voraz da passagem do tempo e dos amores; a marca indelével das emoções assumidas e sem idade. 

  

Foi pouco o tempo para estar com Alice Vieira; foi pouco o tempo para ouvir a sua poesia, a sua história. Mas, “Café com Livros” é apenas uma passagem breve para o futuro de outros encontros…
Obrigada Alice, por todas as Alices que há em si …



“É com palavras que te vou guardar

na praia do meu corpo. E através delas

dar-te vida para sempre.”

…/…

«Olha-me como quem chove» - Pág. 68
 Alice Vieira





Voltamos a encontrar-nos no próximo dia 24 deste mês de Novembro, no auditório do m|i|mo - museu da imagem em movimento, onde o escritor João Morgado, autor de «Vera Cruz», virá apresentar a sua última obra: «O Livro do Império» - um manuscrito resgatado pela Inquisição para redenção de Portugal.




Até lá não recusem

                            um café quente
 
                                          um livro fresco

 
                                                         uma ideia nova





Texto de Rosa Neves
Fotos de Joaquim Cordeiro Pereira
Edição de Augusto Mota