30/06/2005


Pietà. Museo di Potocari.
www.macondo3.org Posted by Hello

xeque-mate

ouço há alguns anos o mesmo ruído de morte que devagar
muito devagar persiste e dói
uma cidade / ruas desertas
esquálidas
soerguidas pelo esforço das ervas
o Castelo
restos intactos de muralhas que
hoje
só têm serventia turística
escadas que não conduzem a nenhures
a torre da Sé
cujo relógio recorda
no toque
a relatividade da vida / a morte é
como Pompeia um vasto
sepulcro onde se enterram todos os nossos sonhos
sob a capa da vulgaridade há sonhos e dor que a ninharia e
os comuns não admitem aos sonhadores
o JJ e o P
pertenciam a esta categoria
em que a ilusão do acreditar mantinha a
essência dum projecto sonhado em excelência -
ser em humanismo empenhados
com desprendimento humorados
com alegria amados /
no espaço de seis meses -
no xadrez da vida
jogaram o último lance
xeque-mate
.
.
.
"as coisas importantes são invisíveis para os olhos"
.
.
.
hoje tento resistir ao inevitável e
cogito
sobre a importância do invisível
em ritmo lento P/JJ mais acelerado na força
na fragilidade
na verdade
no ir mais além/in memoriam
. a tríade.
gabriela rocha martins, 30 de junho de 2005

29/06/2005


Legenda Íntima 27. Augusto Mota Posted by Hello

É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes


José Gomes Ferreira ( 1900-1985 ) nasceu no Porto e faleceu em Lisboa. Foi poeta e ficcionista. Pertenceu à geração do Novo Cancioneiro, com influências surrealistas, simbolistas e, sobretudo, neo-realistas. A sua voz de protesto contra o mundo desconcertante, opressor e, simultaneamente, monótono do seu tempo, fê-lo um "poeta militante" intemporal. A sua vasta obra - Poesia Militante, vols I, II e III; Aventuras de João Sem Medo ( histórias humorísticas do mundo juvenil ), Tempo Escandinavo ( contos, 1969 ), e o Sabor das Trevas ( romance-alegoria 1976 ) são algumas das suas obras de ficção. No que concerne à literatura de memórias escreveu - Imitação dos Dias - Diário Inventado ( 1965 ), A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim ( 1965 ), Calçada do Sol ( 1983 ), Dias Comuns - I. Passos Efémeros ( obra póstuma, 1990 ), Dias Comuns - II. A Idade do Malogro ( obra póstuma, 1999) - reflecte toda uma urgência social e o seu imensurável desejo de mudar o Mundo, o que acreditava fazer através da palavra.Posted by Hello
É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
ou chamar à lua a caveira voada da flâmula dum navio pirata!
Mas a poesia - onde está?
A poesia que transforma de repente a música em lâmina
para romper a noite até à solidão dos archotes
que escurecem mais e mais
este abismo absurdo
sem astros de céu vivo
onde as pedras apodrecem
e as andorinha verdes não saem dos olhos das mulheres?
Mas a poesia - onde está?
Essa esperança convicta
de teimar na certeza do nada
com explicações
de papoilas
e esqueletos a abraçarem-se
no amor final já sem sentido de bandeiras?
Sim. Onde está?
Que palavra abre
para além da luz secreta
que os dedos dos mortos acendem no perfume das flores?
Sim. Onde está?
- Poesia de rasgar pedras.
Poesia da solidão vencida.
Poesia das pombas assassinadas.
Poesia dos homens sem morte.
José Gomes Ferreira, Eléctrico XLI, Poesia III

À Maria do Sameiro Barroso

vai
sem disfarce / POESIA
dizer a todos os homens
nascidos antes de ti
- obrigada companheiros
vai
LIBERTA / prisioneira
altiva / humilde
cativa e
d
i
z
ao Carlos de Oliveira
d
i
z
ao Pablo Neruda
d
i
z
ao José Gomes Ferreira
d
i
z
a qualquer homem na rua
que adormeceste em seus braços
quando acordaste / POESIA
vai
eco
de
minha
voz
dizer que neles nasceste
nua
impúdica
mas
a
saber
porquê
gabriela rocha martins, 12 maio 2005

28/06/2005


Legenda Íntima 25. Augusto Mota Posted by Hello

As Cavalgadas Vazias

Penso nos dias negros, nas cavalgadas
vazias,
nos versos que os rios aclaram.
Já não me oculto entre florestas invisíveis.
De regresso às estrelas, os olhos brilham.
Em Praga, o rio Moldava, a música
de Smetana, os castelos ilógicos
- a sombra de Kafka.
Nos plátanos escuros, a luz
onde os poetas se abrigam espalha
a água, as fórmulas mágicas,
a lua secreta.
Vencidos os inimigos interiores,
as muralhas desmoronam-se
e a luz canta a maresia, o sol
- o ouro nocturno,
quando as ondinas entoam os seus
cânticos luminosos,
compostos
em louvor dos rios.
Maria do Sameiro Barroso

Luís Vaz de Camões


Poeta, ( 1524? - 1580? )Posted by Hello
Quando tudo aconteceu...
1524 ou 1525 - datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa;
1548 - Desterro no Ribatejo. Alista-se no Ultramar;
1549 - Embarca para Ceuta. Perde o olho direito numa escaramuça com os Mouros;
1551 - Regressa a Lisboa;
1552 - Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso;
1553 - Libertado, parte para o Oriente;
1562 - É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido;
1570 - Regressa a Lisboa;
1572 - Sai a primeira edição d'Os Lusíadas;
1579 ou 1580 - morre de peste, em Lisboa.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Mirna Queiroz, in vidas lusofonas.pt/luis_de_camoes

amor


Fotopoema 23. Augusto Mota Posted by Hello
fui
tempo de poesia
fui
universo de mar
fui
pauta de sinfonia
fui
rota de marear
fui
passagem
fui
lamento
fui
segredo
porque dói
sou
aragem
sou
momento
sou
ácido
porque corrói
gabriela rocha martins, in "jamais canto de amor", 2005

27/06/2005

Pássaro Liberto, de Alberto Costa


Capa de Augusto Mota, 1963 Posted by Hello

Solidaricemos con los poetas presos políticos de Chile


Poetas del Mundo Posted by Hello
Hoy se cumplen 41 días de que 4 de los 6 presos políticos que quedan en Chile, iniciaran una huelga de hambre para exigir su libertad. Ellos están en una situación más que crítica y sus vidas corren peligro. Mientras tanto, Augusto Pinochet vive tranquilamente en un apacible barrio de Santiago no habiendo pasado una sola noche en la cárcel para pagar sus crímenes. Quienes lucharon contra su régimen están aún tras las rejas.
Poetas del Mundo, escriban versos de solidaridad para estos compañeros poetas chilenos, escriban poesía para solidarizar con la poesía, quizás seamos capaces de sensibilizar a aquellos que tienen las llaves de su libertad. Los versos y poemas en solidaridad hacia nuestros compañeros poetas serán publicados bajo el sello de Apostrophes Ediciones.
ES URGENTE!!
!CONTAMOS CON USTEDES!!
O perfume mágico
com que os poetas
espargem o mundo
será dele a salvação
mas deles
_Oh, mistério inexorável!_
será o sacrifício
a tortura
a prisão
quando sem medo
do cume
de qualquer montanha
gritam
a injustiça, o embuste, o crime
dos que travam
a evolução do homem
impossibilitando
a face perfeita
da sua autêntica elevação.
Maria Luiza Anselmo, 27 Junho 2005

Fusão. 117x57cm. Tinta plástica
sobre platex. 1960. Augusto Mota
Posted by Hello

Dia 18, 06:27 ( Caderno do algoz )

(...)
Hoje é terça e chove. Como não conseguia dormir, decidi sentar-me para escrever. Sei que há escritores que gostam de escrever, esgotados e só de noite - ao contrário de mim que prefiro as manhãs - sem quase poderem abrir o par de pálpebras; como se a noite fosse a única admirável amante das ideias, das palavras e do silêncio e Deus o seu mensageiro nocturno, ávido de revelações e de sílabas. Mas eu ainda não sou escritor. Outros são-no com certeza. Eu não. E a esses, ou pelo menos à maioria deles, é fácil escrever e acreditar em Deus - os que acreditam - durante a noite. Eu, contrariamente, gosto das manhãs. Gosto da frescura e da luz limpa das manhãs. Gosto do cheiro a pão fresco e dos bolos. Gosto de sentir no rosto o descaramento calado do vento. Gosto da geada branca que cobre as ervas como uma neve fingida. Gosto da primeira luz e da força dos primeiros raios. Gosto também dos primeiros sorrisos e do sabor da boca fresca depois de lavada. Há muitas outras coisas de que gosto embora não pareça. Mas do que eu gostava mais, do que eu gostava mesmo, mais que tudo, era de poder escrever todas as manhãs e acreditar em Deus sempre. Mas todas as manhãs, acordo, levanto-me, lavo-me, defeco, como, visto a farda, vou trabalhar e depois há esquinas e cafés onde Deus não me encontra. Deus não me vê ou eu já não o vejo a ele. Então que seja a noite a aquecer-me as unhas. A articular-me os dedos. O triste é que muitas vezes adormeço quando penso que é agora. Que é agora que vou começar a escrever. Antes ainda mesmo de começar. Pois doem-me as costas e pesam-me as persianas. Tudo faz parte do mesmo plano. O cansaço agregado à noite e os olhos às costas. Ainda assim sento-me. Aperto a mão - não essa, a que não existe, mas a outra, a que escreve - à caneta. E espero. Tenho que esperar. Tenho que me sentar e simplesmente esperar. Olhar o peixe que gira no aquário, ainda faminto ou à procura da fome. Olhar a tua fotografia, a preto e branco, postada em cima da escrivaninha, onde tu sorris cinzento. Bocejar. Ajeitar o nariz. Coçar levemente a parte mais funda de mim. E endireitar-me, sentar-me recto. Cerrar os olhos e ouvir o lado de dentro. O lado opaco. Ouvir as palavras fechadas que ardem aos poucos pelas paredes da casa. Que procuram cabides onde se pendurar; fatos completos, sem identidade, onde se intrometer, saias, gravatas, sobretudos, sapatos. Emoções sem rosto. Lembranças sem cheiro. Não sei porque escrevo. Sei porque tenho de escrever. O que é totalmente diferente. Tudo tem o seu mistério.
Mas porquê tudo?
Estou sentado e chove. Não consigo parar de chorar. A dor é forte. É como se estivesse lá. Ali, no lugar onde sempre esteve, a olhar para mim, a atormentar-me, a dizer-me: Não valeu de nada. Não valeu de nada. Não valeu, pois não? Se não é possível fugires? Se não é possível não teres medo?
Para lá do vidro, a manhã começa a cansar a noite que se esvai como o sangue num pulso cortado. O horizonte é cinzento e roxo. Todas as sombras se confundem, todos os animais e homens também. Esta casa tresanda a mofo. É pobre e triste todo o ano. Embora da janela da sala eu possa espiolhar o mundo. Chamar mundo a isto. Abrir a janela e respirar. Ver a cidade, os edifícios, o jardim, a praça, os entes que passam, os cães que latem, e imaginar que as gruas de cabeça de martelo são apenas girafas amarelas, debruçadas sobre as árvores, alimentando-se das copas em pleno exercício de liberdade. E mesmo assim, com tanta evidência, com tanta realidade, não ambiciono outra vida. Não almejo outra janela. Não tenho coragem. Não tenho coragem para esta vida. Não tenho.
A minha casa é igual a todas as outras casas, embora as suas paredes sejam pintadas de azul. Anil. É como todas as vidas, todas as acções, humanidades e humidades, todos os medos e raivas, perpassassem, também, por estas mesmas paredes e recantos, inflamando primeiro o ar, depois os pulmões, deste aroma nocivo e familiar a um bolor humanitário.
As casas são como esqueletos de almas. Porquanto os homens expiram, deixando-se morrer; enterram-se, acolchoados ao caixão; são comidos por larvas, servem de proveito; e o que daqui sobeja são apenas ossadas, fotografias, tectos e paredes rebocadas.
A chuva entretanto cessou. Já não a ouço cair. A mão deixou de me doer. Já não a tenho outra vez. O vulto do homem corajoso, do homem sem guarda-chuva, do homem anónimo que enfrentava a intempérie vestindo um impermeável amarelo, também desapareceu.
Os vidros estão sujos. As ruas estão limpas. As nuvens espapaçadas. Hoje é terça. Primavera. Depois será quarta. Quinta e sexta. Sábado e domingo. E segunda outra vez. E terça. E terça. Sempre terça como um terço. E outra vez, Verão, Outono, Inverno. E sábado. E eu sentado. Já um homem que não consegue mais chorar.
Há coisas tão evidentes que não encontro palavras.
Sandro William Junqueira, in " No céu não há limões", 2005 ( inédito )

Legenda Íntima 29. Augusto Mota Posted by Hello

O Portugal futuro

O Portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro.
Ruy Belo, in "Homem de Palavra(s), 1969

26/06/2005


fotopoema 22. Augusto Mota Posted by Hello

Armação de Pêra

repito sensitivamente o mesmo gesto
num pequeno almoço eterno
quando
a urbanização dos grandes conjuntos
me atira
ao espaço reduzido da areia
depenico esta ilha de autómatos
onde
os corvos edificam os ninhos
as gaivotas denunciam os marginais
passo dedos por frias estátuas de carne
representando gestos de impaciência
( bocas escancaradas na calúnia
são o presente do verbo ouvir
são as bicas aquecidas na rotina )
vejo-as coaguladas no tempo que não fazem
alinhadas no areal
( são resíduos dum pôr de sol cinzento
sustentáculos petrificados
dum intelecto que não funciona )
mergulho nesta ilha de autómatos
e
sinto-me como um feto
conservado num frasco de fenol
gabriela rocha martins, in "Hydra", 2005 ( inédito )

Cantos, de Rui Mendes


Capa de Augusto Mota, 1969 Posted by Hello

Defensores de Barbacã. Gravura em linóleo,
23x16cm, 1963, Augusto Mota
Posted by Hello

1 primeira narrativa da cidade

Que estranha sensação de horizonte! Ser fresta ou ponte é, todavia, o enjoo do mar ao longe e a vertigem do vento que me açoita. A minha fortaleza já não domina a paisagem. Vivo agora retirado em penitência. Não quero nada. Não procuro nada para além deste horizonte que me envolve. É belo este envolver de horizonte. Sabe bem, apesar de tudo, sentir o mar ao longe e avistar a cidade lá em baixo. Então agora que sou senhor de três cidades quase confundo a sua posse. Vivo em Azáfama. Ultrapasso sempre Barbacã. Conquisto Metáfora a cada passo.
Esta minha posse é um voar constante entre cidades. É não possuir na realidade, para querer possuir. É possuir para desejar outra realidade.
Azáfama perde-se em ritmo. Barbacã é muralha delida pelas águas infiltradas. Metáfora é a grande fortaleza do poeta. É um abandono do tempo ao ritmo do espaço. É um definir as coisas com o seu próprio ritmo. Ritmo é noção constante no poeta. É sempre ritmo esta impressão de marulhar distante e de vento em vertigem. É ritmo o alar de castelos e de cidades, esta permanente sensação de fresta que ouve o mar ao longe e vê pontes transpondo obstáculos a cada instante. É ter fé naquilo que se vai embora, no destino um pouco cruel que nos foi traçado. É acreditar na absolvição do tempo quando nos sentimos limitados na exiguidade de um café, ou permanência em chávena de café ou, mesmo, copo de água em mesa de café. É não confundir confusão com uma tendência imediata para o discurso absoluto de todos os objectos, para uma relacionação integral da matéria e da forma, para um conhecimento total da vida e dos meandros que a experiência nos vai fazendo vencer.
É este ritmo inicial, esta recordação de uma vida já vivida algures, em nossos sonhos de hoje, que o poeta procura em Azáfama e é esse encontrar imediato que o transporta subtilmente a Metáfora, onde toda a experiência se faz poesia, numa aglomeração de imagens belas e saudosas que inibem o tempo e limitam o futuro a um viver presente.
Depois vem a posse da cidade. Mas que mulher adulterou o meu ritmo em Azáfama? Quem ousou vencer escaladas de montes íngremes e fazer de mim mercado semanal? Onde jaz agora o meu templo e as aras onde todos os dias invocava glória e ritmo para a minha vida? Não, não me dêem música. Não queiram arrebatar-me sentimentos que não possuo. Não finjam de hipócritas. Sejam mesmo hipócritas. Amanhã irei pessoalmente absolvê-los. Sim! E não me venham depois agradecer, nem, tão pouco, pedir perdão. Quando se erra já tem que se estar a pedir perdão. Para quê, então, repetir o erro? Para pedir outra vez perdão? Sempre sois muito inocentes. Aprendei a vida! Depois, sim, cantem Azáfama. respirem Azáfama. Comam em Azáfama. Até lá sinto que a cidade me pertence.
Que bela sensação esta de possuir uma cidade! Tenho ruas, caminhos, estradas e, até, avenidas. Depois sempre é bonito passear uma cidade, ver as montras caminhar connosco e sentarmo-nos nas cadeiras que o café nos oferece. Por vezes passa um amigo dentro de uma loja e pára para conversar. Há outros amigos e ainda mais amigos. Normalmente estas nossas cidades estão cheias de amigos. E quando temos a sensação de ter passado por nós um jardim cheio de sol, cheio de adolescentes e, até mesmo, lindas flores?! Nessa altura já devemos estar fora de Azáfama. Azáfama não costuma ter destes jardins tão próprios de Metáfora. Metáfora é só cidade para poetas e as adolescentes têm sempre cabelos azuis e as flores existem em toda a cidade como campo em Primavera. Então sinto recobrar o ritmo neste ondular de cabelos azuis e borboletas em metamorfose. É verdadeira posse este ritmo que se esvai no odor dos campos e se identifica com a criação inicial.
O poeta tem uma necessidade imperiosa de volver ao início, de construir o todo que o pode definir. Por isso recusa. Recusa sistematicamente. Faz ritmo nesta recusa e supõe ritmo em uma outra aceitação, que constrói em ardor de posse e esgares de um esvair que é retorno, ou a conquista da cidadela.
Este possuir desenvolve-se em lenta gestação que muitas vezes aborta naturalmente, ou vinga em momentos de clareza absoluta. Nasce, então, o feto, desamparado e perigoso. O poeta cai em delírio e ele mesmo corta o cordão umbilical com o machado da lenha, violento e infeccioso, sem recear deseperos ou críticas. Depois corre absorto pela cidade e quando encontra assistência submete-se a um absorver que disfarça o esforço e retempera os ânimos. É como toda a gente. Perde-se no ritmo que eles criaram e domina-o com as suas associações. É um poeta em busca de vida.
Augusto Mota, in "Metáfora", 1962 ( inédito )

Beja

( a vida tomou a forma da pequena cidade
naquele ano em que a morte se organizou )
agarrei
as praças / a humanidade / os montes
e procurei
uma vida não minha
era preciso sorrir
sorri
( acenderam-se velas em todos os altares
das igrejas dentro da cidade )
vivi
o grito
eco de praças / humanidade / montes
muito mais além
( apagaram-se velas em todas os altares
das igrejas dentro da cidade )
.
.
.
parti
colado em mim
. o gosto acre da terra queimada.
gabriela rocha martins, in "Hydra", 2005 ( inédito )

23/06/2005


Legenda Íntima 38. Augusto Mota Posted by Hello

Dia 19, 13:54

Houve um poeta que escreveu: "Pois para mim é óbvio que se trata de marginalizados, não apenas de mendigos; não, de facto não são nenhuns mendigos, é preciso fazer distinções. São lixo, cascas de pessoas que o destino expeliu."
Outro poeta acrescentou: "Tocamo-nos todos como as árvores de uma floresta no interior da terra. Somos um reflexo dos mortos, o mundo não é real. Para poder com isto e não morrer de espanto - as palavras, palavras.
E agora o que me resta escrever quando tenho a mão virada do avesso?
Sandro William Junqueira, "Caderno do algoz", in "No Céu não há Limões", inédito, 2005

22/06/2005


fotopoema 20. Augusto Mota Posted by Hello

aforismo

Quando os desejos são incontidos, o fracasso sobrevem ansioso no absurdo das palavras:

O requinte dos sábios saboreia-se depois da sobremesa.

Augusto Mota, in "Metáfora", 1962 ( inédito )

My Lai


fotopoema 19. Augusto Mota Posted by Hello

O Sopro ( Apache )

Quando falou por sobre o meu corpo com a mais longa vida,
quatro vezes falou a voz do trovão,
quatro vezes me falou com a vida.
Quatro vezes me falou o jovem celeste,
e quando falou encheu-me de sopro.
Poema Ameríndio
( Traduzido por Herberto Helder )

Legenda Íntima 14. Augusto Mota Posted by Hello

a travessia da vazante

De mãos dadas sobre o vértice do universo ouvíamos o Adágio em sol menor de Albinoni, enquanto as gaivotas ( Larus argentatus ), como flores aladas, desabrochavam nas ínsuas da vazante. A ponte passou por nós a caminho da foz e uma figueira ( Ficus carica ) frutificou entre a névoa da manhã e o sol nascente. Como mel, seus frutos adocicaram a paz que envolvia o espanto de nossa boca e eternizaram o descanso de tanta ave no meio do estuário florido de branco.
A este tempo de servidão e certidão confiámos o nosso trajecto e logo outras viagens impuseram novos desejos. Que apenas queriam saborear os figos e o mel que ia subindo pelas mãos acima. A elas entregámos o sabor da manhã, a motivação das aves, a travessia da vazante.
Uma ponte é sempre uma passagem para o outro lado das palavras que motivam a manhã, as aves e os frutos da vazante. O regresso à justiça dos dias é que torna penosa a significação das palavras que descansam nos livros, ou em nossas mãos.
Augusto Mota, in "Geografia do Prazer", 2000, inédito

fotopoema 18. Augusto Mota Posted by Hello

5ª sinfonia de Beethoven

o dia começa e mantém-se cinzento / Faz frio
e o nevoeiro de fim de tarde cai tornando irreais os corpos e os seus contornos
Acabo de arrumar o carro / e
ao desligá-lo / armazeno um saber feito de insapiências
Sento-me frente ao computador / de costas viradas para a janela / Na moldura
frente ao alpendre restam duas casas / A primeira impõe-se pela sua despida ausência / as
paredes decrépitas erguem-se às núvens e a mim
A segunda / nova
grita a sua vontade de ser

... ...
este o cinzento aberto ao imaginário
... ...
O homem pássaro / o novelo agita-se
o braço e a asa deslocam-se do novelo / A música aumenta o
bater da asa / no extremo / a mão quebra
projectada no ar / onde dançam os dedos ou as penas prontas a cair
e a enroscar-se no novelo
Destaca-se a cabeça / o queixo e o bico cortam o ar e
o olhar fixa-se na presa

... ...
recomeça o enrolar e o desenroscar do corpo

... ...
uma perna / uma asa / um braço
exibem frémitos de vida e força
no auge dos compassos heróicos / ( 5ª sinfonia de Beethoven )

Eis-me pronta a desafiá-lo/ como afronta à sua dimensão
exibo o meu corpo nú e danço / solta
no limite do cansaço

gabriela rocha martins, in "Hydra", inédito, 2005




em jeito de antecipação. 6h45m do dia 21 de Junho de 2005


fotopoema 21. Augusto Mota Posted by Hello

21/06/2005

O Verão. O Senhor da Natureza

Sou um veado de sete galhos
sou um dilúvio solto na planície
sou um vento nas águas profundas
sou uma lágrima brilhante do sol
sou um falcão no penhasco
sou um belo entre as flores
sou um deus que incendeia a cabeça com fumaça
sou uma lança que mantém a luta
sou um salmão no lago
sou uma colina de poesia
sou um javali selvagem
sou um ruído ameaçador do mar
sou uma onda do mar
quem, senão eu, conhece os segredos dos dólmenes em estado bruto?
*
Sou o brilhante deus,
senhor do sol,
mestre de tudo aquilo que é selvagem e livre,
pai das mulheres e homens,
amante da deusa lua.
Sou o som que você desconhece, mas que te chama.
Sou quem, no sono profundo, reacende os mistérios noturnos.


www.paginas.terra.com.br/arte/wicca

A Grande Mãe e o Deus Cornífero


Princípio Masculino Posted by Hello
As primeiras manifestações de devoção registadas pelo homem, como vimos, remontam à Pré-História e às Madonas Negras. Elas representavam o aspecto feminino do poder da Natureza e eram a personificação da Grande Mãe. Quando, na Lua Crescente, a mulher iniciava a sua ovulação, chegando ao máximo na Lua Cheia, e, por fim, menstruando, essa sintonia trouxe a associação da Lua como uma nova face da deusa. A Grande Mãe dava alimento ( plantações, frutas, ervas, etc. ), calor e protecção no Verão, no Outono e na Primavera.
Mas, e no Inverno, quando o frio acabava com tudo, quem os protegia?
Surgiu, então, o papel do Homem, do caçador da tribo. Quem caçava melhor recebia as presas e os cornos da caça como símblo de poder e honra. Associou-se um aspecto masculino à Grande Mãe, que buscaria assim o equilíbrio. Criou-se o Deus Cornífero, e daí o culto ao deus dos animais e da fertilidade.
Da mesma forma que toda a luz nasce da escuridão, o deus, símbolo solar da energia masculina, nasceu da deusa, sendo seu complemento, trazendo os atributos da coragem, pensamento lógico, fertilidade, saúde e alegria. Da mesma forma que o sol nasce e se põe todos osdias, o deus mostra-nos os mistérios da morte e do renascimento. Nasce da Grande Mãe, cresce, torna-se adulto, apaixona-se pela deusa virgem e fazem amor. A deusa fica grávida. O deus morre no inverno ( no fim dele ) e renasce novamente, fechando o ciclo de renascimento, que coincide com os ciclos da natureza e da vida. Por isso ele também é conhecido como o "Consorte da Deusa", "Doador de Vida", "Senhor da Morte e Ressurreição", "Deus das Sementes, Flores e Frutos", "Antigo Deus da Fertilidade", "Senhor da Dança", "Cernunnos", "Herne", "Pan" e "Osíris".

Por outro lado, a Roda do Ano, representada pelos oito sabás, tem por objectivo sincronizar a nossa energia com as estações do ano, ou seja, com os ciclos da Terra e do Universo. Para alguns, o ano inicia-se no Solstício de Inverno. Outros preferem a noite de 31 de Outubro, data conhecida como Halloween, mas cujo nome tradicional é Samhain, que significa "sem sol", referindo-se ao Inverno. Corresponde, igualmente, ao ano novo judaico.

No Solstício de Inverno ocorre o nascimento/renascimento do deus. Nos sabás da Primavera, do Verão e do Outono, ele tem o seu crescimento, puberdade e maturidade. A sua morte ocorre no sabá de Samhain. Após a morte ele retorna ao ventre da Deusa Mãe até ao solstício do inverno seguinte, quando renasce. Este é o ciclo mítico do nascimento-morte-renascimento que se repete todos os anos. E a deusa, em todos estes aspectos, é adorada ao longo do ano.

Litha - Solstício de Verão ( 21 de Junho )

Neste dia o sol atinge a sua plenitude. É o dia mais longo do ano. O Deus Cornífero chega ao ponto máximo do seu poder. Este é o único sabá em que o seu poder é enorme. É hora de coragem, energia e saúde. Mas é necessário não esquecer que, embora o deus esteja na sua plenitude, é, também, nessa hora que ele começa a declinar. Logo, ele dará o último beijo à sua amada, a deusa, e partirá no barco da morte, em busca da terra do Verão. Tudo no Universo é cíclico.

Excertos de "A Religião da Deusa" de Claudiney Prieto

21 de Junho. Solstício do Verão

Solstício de Verão Posted by Hello

Solstício deriva do latim que significa "o sol detém-se".

São movimentos aparentes do sol, já que na realidade é a terra que se move, mas o seu efeito é resultado dos movimentos de transladação e inclinação do eixo terrestre.

Facilmente observável para as culturas, o seu resultado é o ciclo agrícola, e deve ser comemorado com "ágapes solsticiais"
( compartilhar, agradecer e unir energias ao serviço da humanidade )
Solstício de Verão, traduzido do espanhol por Frei Albertus

Deusa Criadora de Tudo


Mãe Natureza. Wicca Posted by Hello
Quem é ela?
Ela é a Jovem
de olhos brilhantes sem medo no coração
ela traz o amanhecer.
Ela é a jovem
o sonho ousado
que caminha só. Ela caminha só
crescente de prata
amada donzela
Jovem, venha.
Quem é ela?
Ela é a amante,
seus ossos e sangue são a terra.
É ela quem nos sustenta
abençoada lua cheia,
sagrada senhora
Mãe, venha.
Quem é ela?
Ela é a Velha
que sobreviveu além do medo
amável e sábia
que conduz a vida.
Dourada minguante
honrada Anciã
Velha, venha.
Quem é ela?
A adoração à Deusa foi a primeira religião estabelecida pelos seres humanos.
Merlin Stone, em "When God was a Woman" ( quando deus era uma mulher ) afirma que "Arqueólogos localizaram evidências de adoração à deusa antes das comunidades do Período Neolítico, cerca de 7000 a.C. Algumas das esculturas datam do Paleolítico Superior, cerca de 25000 a.C. Desde o Neolítico à civilização romana, a sua existência foi comprovada repetidamente(...)"
Essas esculturas não são meramente decorativas. A Arte, através da História, sempre revelou o que as Culturas valorizavam e o conhecimento que tentavam passar às gerações futuras. Claramente o parto, a maternidade e a sexualidade feminina eram consideradas sagradas.
(...)
Além disso, como o conceito de paternidade ainda não tinha sido entendido, as crianças só pertenciam às mães e à comunidade. Crianças "ilegítimas" não existiam. Tinham o nome das mães e a família descendia pela linhagem materna. Esta estrutura social, baseada na afinidade feminina, é chamada "matrilinear" e ainda existe em algumas comunidades de África, Índia, Malanésia e Micronésia.
A Deusa teve grande popularidade e proeminência até que as religiões patriarcais, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, entre outras, a silenciaram. A mudança para o patriarcado foi gradual e procedeu de uma reformulação nos sistemas de parentesco que se tornou de matrilinear a patrilinear.
A ênfase na paternidade e no homem é clara e evidente nas principais religiões praticadas até hoje.
A relação de pai/filho é a chave do Cristianismo...

19/06/2005

Garabato/Garatuja - Noche de Verano/Noite de Verão


Octavio Paz nasce na cidade do México, em 31 de Março de 1914. Foi Prémio Nobel da Literatura em 1990, e autor de "Pedra do Sol" e "Signos em Rotação", entre outros.
Entrou em contacto com a literatura, graças à biblioteca pessoal de seu avô, um dos primeiros autores mexicanos a escrever romances com temática indígena.
Juntou-se ao serviço diplomático do país em 1945, cargo a que renunciou em 1968, em protesto contra a repressão a manifestações estudantis. Além de poeta, o autor foi um prolífico ensaísta, com textos sobre crítica literária e de arte, história e política.
Octavio Paz morreu em 19 de Abril de 1998.Posted by Hello
Con un trozo de carbón
con mi gis roto y mi lápiz rojo
dibujar tu nombre
el nombre de tu boca
el signo de tus piernas
en la pared de nadie
en la puerta prohibida
grabar el nombre de tu cuerpo
hasta que la hoja de my navaja
sangre
y la piedra grite
y el muro respire como un pecho
*
com um toco de carvão
meu lápis vermelho e um giz roto
desenhar teu nome
o nome de tua boca
o signo de tuas pernas
na parede de ninguém
na porta proibida
gravar o nome de teu corpo
até que a lâmina de minha navalha
sangre
e a pedra grite
e o muro respire como um peito.
*
Pulsas, palpas el cuerpo de la noche,
verano que te bañas en los ríos,
soplo en el que se abogan las estrellas,
aliento de una boca,
de unos labios de tierra.
Terra de labios, boca
donde un infierno agónico jadea,
labios en donde el cielo llueve
y el agua canta y nacen paraísos.
Se incendia el árbol de la noche
y sus astillas son estrellas,
son pupilas, son pájaros.
Fluyen ríos sonámbulos,
lenguas de sal incandescente
contra una playa obscura.
Todo respira, vive, fluye:
la paz en su temblor,
el ojo en el espacio,
el corazón en su latido,
la noche en su infinito.
Un nacimiento obscuro, sin orillas,
nace en la noche de verano.
Y en tu pupila nace todo el cielo.
*
Pulsas, apalpas o corpo da noite,
verão que te banha nos rios,
sopro no qual se afogam as estrelas,
alento de uma boca,
de uns lábios de terra.
Terra de lábios, boca
de onde um inferno agônico jadeia,
lábios de onde um céu chove
e a água canta e nascem paraísos.
Incendeia-se a árvore da noite
e seus estilhaços são estrelas,
são pupilas, são pássaros.
Fluem rios sonâmbulos,
línguas de sal incandescente
contra uma praia escura.
Tudo respira, vive, flui:
a luz em seu tremor,
o olho no espaço,
o coração em seu pulso,
a noite em seu infinito.
Um nascimento escuro, sem orlas,
nasce na noite de verão.
E em tua pupila nasce todo o céu.
Tradução de Elson Fróes, in Jornal Garatuja, nº 35, 1995

III - láurea a Eugénio de Andrade.


fotopoema 17. Augusto Mota Posted by Hello

II


fotopoema 16. Augusto Mota Posted by Hello