28/10/2006

Legenda Íntima 138. Augusto Mota

26/10/2006

o rosto dos gestos

Secreta é a voz que nos fala distante, perdida nas ruas de si própria. Secreto é o olhar que guia os nossos passos pelos atalhos da tarde. Secreto é o perfume que anima o rosto dos gestos, agora, também eles, perdidos nas ruas de si próprios.
Divagando pelas ruas, arrastamos as palavras de encontro aos muros brancos da cidade antiga e neles registamos os sentidos particulares que se escondem por detrás de cada letra de cada palavra. Assim expostos, alguém há-de ajudá-los a encontrar o caminho certo de volta às palavras onde sempre habitaram, antes de a aventura dos dias lhes ter destinado outras paragens.
Em cada gesto mora uma palavra. Em cada palavra mora um gesto. Tudo começa e acaba no gesto do olhar, no rosto dos gestos.
Secreta é a esperança que, como um rio, reflecte o corpo e o rosto. Só as mãos ficam de fora para, do cimo do monte, acenar um adeus ao sol poente que se esconde, ao longe, apressadamente, entre os pinhais da beira-mar, levando consigo, para o outro lado do mundo, um novo sentido para a palavra saudade.
Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.

23/10/2006

a borbonauta

Poema de António Simões
Fotografia de Augusto Mota

22/10/2006

No dia do aniversário de Georges Brassens

Je veux dédier ce poème
a toutes les femmes qu'on aime
pendant quelques instants secrets
a celles qu'on connaît à peine
qu'on destin différent entraîne
et qu'on ne retrouve jamais
A celle qu'on voit apparaître
une seconde à sa fenêtre
et qui, preste, s'évanouit
mais dont la svelte silhouette
est si gracieuse et fluette
qu'on en demeure épanoui
A la compagne de voyage
dont les yeux, charmant paysage
font paraître court le chemin
qu'on est seul, peut-être, à comprendre
et qu'on laisse pourtant descendre
sans avoir effleuré sa main
A celles qui sont déjà prises
et qui, vivant des heures grises
près d'un être trop différent
vous ont, inutile folie,
laissé voir la mélancolie
d'un avenir désespérant
Chères images aperçues
espérances d'un jour déçues
vous serez dans l'oubli demain
pour peu que le bonheur survienne
il est rare qu'on se souvienne
des épisodes du chemin
Mais si l'on a manqué sa vie
on songe avec un peu d'envie
a tous ces bonheurs entrevus
aux baisers qu'on n'osa pas prendre
aux coeurs qui doivent vous attendre
aux yeux qu'on na jamais revus
Alors, aux soirs de lassitude
tout en peuplant sa solitude
des fantômes du souvenir
on pleure les lèvres absentes
de toutes ces belles passantes
que l'on n'a pas su retenir
"Les Passantes", poème de Antoine Pol
Chanté par Georges Brassens
Enviado por Amélia Pais, http://www.barcosflores.blogsot.com


19/10/2006

Legenda Íntima 123. Augusto Mota

18/10/2006

A Dignidade das Mulheres

Honrai as mulheres! Elas entrançam e tecem
rosas divinas na vida terrena,
entrançam do amor o venturoso laço
e, atravás do véu casto das Graças,
vigilantes, alimentam o fogo eterno
de sentimentos mais belos, com mão sagrada.
(...)
Na mais modesta cabana materna
foram deixadas, com modos envergonhados,
as filhas fiéis da natureza piedosa.
(...)
Mas, com modos mais brandos e persuasivos,
as mulheres conduzem o ceptro dos costumes,
acalmam a discórdia que, raivosa, se inflama,
às forças hostis que se odeiam
ensinam a maneira de ser harmoniosa,
e reúnem o que no eterno se derrama.
Friedrich Schiller
Trad. de Maria do Sameiro Barroso

17/10/2006

homenagem a António Ramos Rosa


Fotopoema. Augusto Mota.

António Ramos Rosa...

( desenho a borrona de António Ramos Rosa )
...nasceu em Faro, no dia 10 de Outubro de 1924. É considerado o Poeta do presente absoluto, da "liberdade livre" , e, Urbano Tavares Rodrigues define-o como o empolgante poeta das coisas primordiais, da luz, da pedra e da água.
"A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estreme em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais."
Homenagem a António Ramos Rosa, in "Silves Capital da Palavra Ardente". II Bienal de Poesia, Abril 2005.

15/10/2006

asas de vitral

Trabalho de Augusto Mota
sobre um poema de António Simões

12/10/2006

zig-zag zag-zig


O escritor turco Orhan Pamuk recebeu o Prémio Nobel da Literatura 2006




El escritor turco Orhan Pamuk ha sido galardonado esta mañana con el Premio Nobel de Literatura 2006, según ha anunciado desde Estocolmo la Academia Sueca de la Lengua. Considerado como un vínculo intelectual entre Oriente y Occidente, este novelista fue procesado en su país por mencionar en una entrevista la matanza de armenios y kurdos llevada a cabo por los turcos en 1915. La Academia ha destacado del autor: "La búsqueda del alma melancólica de su ciudad natal ha descubierto nuevos símbolos para el choque y el entrelazamiento entre las culturas".



A Academia Sueca da Língua, sediada em Estocolmo, destacou o escritor turco Orhan Pamuk com o Prémio Nobel da Literatura 2006.
Considerado como um vínculo intelectual entre o Oriente e o Ocidente, este novelista foi processado, na Turquia, por mencionar, numa entrevista, a matança de arménios e kurdos levada a cabo pelos turcos em 1915. Ao galardoá-lo, a Academia menciona do autor “a busca da alma melancólica do seu país põe a descoberto novos significados para o encontro e o aperfeiçoamento entre as culturas”.


Magda Díaz Morales ,in “Apostillas litterarias”
Trad. nossa

10/10/2006

Legenda Íntima 124. Augusto Mota.

receita

Quando, manhã cedo, o sol de Outono realça as formas e aviva as cores dos frutos que pendem, vaidosos, da copa nua de um diospireiro ( Diospyros kaki ) os olhos enchem-se de sabores apetecidos. Mas é às mãos que damos a honra de provar os tons vários de todos os prazeres que, ciosos, se escondem para além da polpa ávida e sumarenta de cada dióspiro.
Que universo de sensações habitam tal fruto quando colhido, com delicadeza, no próprio corpo da árvore!
Quando os ramos já perderam todas as suas folhas escolhe-se um, bem maduro, quase sorvado, sopesa-se, deixando que a sua casca fina e lisa adira completamente à nossa mão e aos dedos, de modo a sentirmos o pulsar de sua polpa deliciosamente doce. Depois, quando o fruto já faz parte do nosso corpo, ele próprio se solta da árvore e inunda-nos os olhos de cores e formas variadas: uns são amarelos, outros alaranjados ou roxos; uns são achatados, outros cónicos ou pontiagudos. Preferimos os que enchem bem a mão e têm a cor laranja de um sereno pôr-de-sol de Inverno sobre o mar, daqueles que costumam anunciar as fortes geadas de Janeiro. Talvez por isso o doce destas bagas enormes tenha um sabor tão frio, parecendo negar o calor da sua sensual aparência.
E a boca? A boca, aguada, fica-se pela aventura da imaginação a caminho de todos os desejos. Vive, sôfrega, entre o que vê e o que sente. E, por vezes, sente mais do que deseja. Por isso a deixamos calada, enquanto as mãos caminham, impacientes, pelos frutos dentro, rumo ao horizonte dos olhos.
Aí descansamos o cansaço da manhã no regaço da colheita.
Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.

08/10/2006

Legenda Íntima 115. Augusto Mota

Cadernos do Algoz

P
Um fino fio de fumo amarelo sobe-lhe pelos nós dos dedos até às unhas exemplarmente cortadas. Ele larga a beata. A sua mão trémula avança para a maçaneta. Os dedos encarquilham-se-lhe como uma garra. Roda o pulso. Empurra a porta. Entra na sala verde. A mesa está posta.
Na sala verde o condenado está agrilhoado de pés e mãos. Tem as mãos pousadas sobre o tampo. Olha em frente e respira tranquilo. Dois guardas ladeiam-no. Um deles coça ostensivamente os genitais.
O algoz dirige-se-lhe retirando de um dos bolsos um molho de chaves. Liberta-o das algemas e diz: Podes começar.
Ele aferrolha as pálpebras, cura o pescoço, une as palmas das mãos entrelaçando os dedos. Principia a meia voz um poema.
A colher imersa no clado fumegante inicia a subida. O condenado sopra, uma e outra vez, com redobrada atenção antes de a entornar sobre a língua e os dentes. Mal engole a mistura, o prazer enche-lhe de rugas o pano do rosto.
A refeição é composta por - duas fatias simétricas de pão escuro; um pires de azeitonas pretas ( temperadas com alho e orégãos ); um requeijão de ovelha cortado em fatias grossas ( polvilhado com pimenta preta ); uma taça de vinho tinto; e por fim, o caldo verde onde, no cimo das couves, flutua uma rodela de chouriço de soja.
A colher sobe. A colher desce. Bate no prato. Produzindo um som.
Plim.
Enche-se do caldo. Plim. Som esse que irrompe pelo pesado silêncio, juntando-se ao das correntes que gargalham a cada movimento quase imperceptível dos seus pés. As paredes são verdes. A luz difusa. O tecto branco. O chão de mármore. E a colher sobe. E a colher desce e bate. Plim. Enche-se do caldo. Ele repete o gesto uma dúzia de vezes. Tranquila e parcimoniosamente. A um dado momento pára. Inspira. Sorri. Segura numa fatia de pão escuro e cobre-a com duas de requeijão. Os dois guardas que o ladeiam agitam-se e fixam atentamente os seus olhos sobre o pão. Um deles continua freneticamente a coçar os genitais. O condenado não repara. Dá uma, duas dentadas e pousa a fatia novamente na mesa. Com uma delicadeza extrema retira do pires uma azeitona. Depois outra. Olha para o par no centro da sua mão como uma criança olha os seus berlindes preferidos antes de os lançar à cova: cheio de esperança e ternura. Usa a ponta dos dedos. Brinca maquiavelicamente. Aperta suavemente o corpo de cada uma delas entre o indicador e o polegar. Sente-lhes a espessura enquanto as faz girar, obedecendo ao sentido dos ponteiros do relógio. Depois de mastigadas as duas, depõe os seus caroços escuros, como dois cadáveres cilíndricos, paralelos, em cima do guardanapo.
O algoz frenético assiste a tudo. A sua tez confunde-se com as paredes e com o medo. As suas narinas estão dilatadas como as de um touro a resfolegar, bem como as suas pupilas. Uma onda de calor que lhe nasce do ventre invade-lhe todo o corpo. Leva as mãos à cabeça rapada. Arranha, o mais que pode, o couro cabeludo, usando as suas unhas exemplarmente cortadas. Sente um ligeiro formigueiro chegar à ponta dos dedos dos pés. Coça freneticamente os braços e as pernas até deixar vincos na pele. A sua respiração entrecorta-se. Enquanto a colher desce da boca do condenado e bate novamente no prato. Plim. O condenado mastiga. Mastiga. Mastiga. A mistura ultrapassa-lhe as amígdalas, a traqueia, o esófago. O condenado abre os olhos. A colher desce pela útima vez e bate no prato, produzindo o último som. O algoz atenta. O condenado sorri.
Sandro William Junqueira, inédito, in "Cadernos do Algoz".

06/10/2006

23 de Julho 1920 - 06 de Outubro 1999

ESTRANHA FORMA DE VIDA
Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a saudade
Foi por vontade de Deus
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração
Vive de vida perdida
Quem lhe daria o condão
Que estranha forma de vida
Coração independente
Coração que não comando
Vives perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente
Eu não te acompanho mais
Pára deixa de bater
Se não sabes onde vais
Porque teimas em correr
Eu não te acompanho mais
Amália Rodrigues, in "Versos", Cotovia onde encontrei

01/10/2006

Para Que A Memória Não Se Perca ...