O farol na ponta do cabo adensa o mistério que fica para além do horizonte cerrado e, em breve, uma chuva grossa, tocada a vento, impede a viagem pelos miradouros do sonho. Não é noite, mas gostaríamos que os olhos corressem por uns secretos rastos de luz a caminho das ilhas que ficam a estibordo da nau que navega o mar de todas as sensações. Não há corvos, mas gostaríamos que o seu grasnar anunciasse o fim de todas as tempestades, como se a barca em que vogamos fosse a redenção para as lágrimas de todos os queixumes. Ouvem-se, apenas, os gritos das gaivotas contra o vento forte que as faz planar sobre as rochas marcadas pelo tempo e pelas vagas. Mesmo assim continuamos a viagem a caminho de um novo regresso. Regressa-se sempre pelos caminhos apressados que as mãos vão talhando e atalhando nas paisagens marítimas do nosso olhar. Mesmo em dias cinzentos sabemos esculpir as nuvens para que o sol festeje o verde que corre pelos campos fora até às arribas que os protegem da maré-cheia. E o amarelo que pontilha montes e vales é o que resta da sagração do mar e da Primavera da terra. São secretos rastos de luz a caminho das ilhas que ficam a bombordo das sensações que povoam o mar de todas as naus. E é nelas que poisam os corvos-marinhos ( Phalacrocorax carbo ) dos bons e dos maus presságios. E é nelas que, no silêncio da espera, aportamos, peregrinos, em terras distantes e tristes. E é nelas que, no silêncio do desejo, transportamos as árvores que plantamos à beira do sonho, ou arrecadamos os frutos silvestres que alimentam a viagem. Levamos, por vezes, abrunhos bravos, colhidos em manhãs orvalhadas, para matar a sede e a saudade. Que terras distantes são estas que ficam para além dos gestos e do olhar? Difíceis viagens esperam o corpo nas rotas de tamanha empresa! Se a sede se mata com o orvalho dos frutos selvagens, já a saudade se alimenta das árvores que abrolham, perpetuamente, à ilharga das ilusões.
Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.
Textos Transversais de Augusto Mota.
Augusto Mota, inédito, in "A Geografia do Prazer", 2000.
Textos Transversais de Augusto Mota.
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