Aos Poetas
Somos nós
as humanas cigarras!
Nós,
desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
que se abriga
ao luar.
Nós, que nunca passamos
a passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter
asas sonoras,
asas que em certas horas
palpitam,
asas que morrem, mas que ressuscitam
da sepultura!
E que da planura
da seara
erguem a um campo de maior altura
a mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
a taça fraternal deste meu canto,
e bebo em vossa honra o doce vinho
da amizade e da paz!
vinho que não é o meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
de uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
Homens do dia a dia
que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
que se calcem de sonho e de poesia
pela graça infantil da vossa mão! Miguel Torga ( 1907 - 1995 )
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