Por razões logísticas só agora é possível editar a reportagem da tertúlia “Café com Livros” de 29 de Setembro, p.p., realizada no museu Moinho do Papel, tendo como convidada a escritora e jornalista Alice Vieira.
A jovem violinista russa Dinara Tonkikh, residente em Leiria, iniciou a sessão executando, com maestria, duas peças clássicas dedicadas à nossa convidada.
“As Alices que há em mim” foi o mote para que, em ambiente intimista, Alice Vieira viesse partilhar connosco a história de uma escritora que, fruto do acaso ou do destino, entre pais, filhos e avós, já marcou gerações de leitores.
A Alice das nossas vidas é Senhora de Gargalhada fácil,
franca e aberta. Uma Alice que nunca quis ser escritora, sempre quis ser
jornalista e acabou por ser (muito bem!) as duas coisas.
A Alice menina foi criada com os Tios-avós, republicanos
austeros. Cresceu sozinha, e os amigos que tinha eram as personagens dos livros
que lia. Seguia-lhes os passos e falava com elas.
A sua formação escolar foi feita em casa e só quando foi para
o liceu é que contactou com jovens da sua idade. A jovem Alice foi para o Liceu
Filipa de Lencastre, escola que considera ter sido a sua casa de adolescente e onde
se orgulha de ver gravado, atualmente, o seu nome na sala de aula que
frequentava. Um prestígio para Alice Mulher, uma marca da Alice Adolescente,
Escritora, Jornalista.
Alice refere a sua prima Maria Lamas como a grande influência
na decisão de ser jornalista. Outro fator que pesou na decisão foi quando
percebeu que o jornalista nunca estava em casa. Soube imediatamente que era
essa a vida que queria, uma vida que a
levasse para fora de casa, uma vida que a levasse à procura de pessoas, de
factos, de notícias…
Profissionalizou-se muito nova, com 18 anos. Foi uma mulher
arrojada para a sua época, desafiadora de normas e de costumes bafientos e
preconceituosos. Viveu em Paris até Maio de 69, onde contactou com escritores,
artistas e outros intelectuais exilados.
Nunca quis ser escritora, no entanto, acha que a escrita já
vinha com ela, nasceu com jeito… não gostava de redações à medida… só gostava
de redações onde pudesse falar, reinventar as personagens dos livros que lia.
Já publicou cerca de 80 livros. A maior parte deles são
dirigidos a jovens – também tem uma coleção de histórias tradicionais
portuguesas para os mais pequenos - mas o que mais gosta é de escrever romance.
Mercília Francisco lendo um poema de «Olha-me como quem chove»
Apesar de confessar que sempre escreveu poesia, tendo mesmo
mostrado nesta sessão de “Café com Livros” um livro inédito que ela própria
fez, que nunca foi publicado e que só poucos amigos conhecem. Uma relíquia que
lhe agradecemos ter partilhado connosco. A publicação de poesia é recente.
Revela que é muito crítica em relação a tudo o que escreve, no entanto, em relação
à poesia é muito mais crítica … Talvez, por isso, escreva muita poesia, mas
publique muito pouco. Conhecem-se os seguintes livros:
2007 – «Dois corpos tombados na água» - Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho
2009 – «O que dói às
aves»
2014 – « Os armários da noite»
2018 – « Olha-me como quem chove»
2014 – « Os armários da noite»
2018 – « Olha-me como quem chove»
Dinara Tonkikh com a sua amiga ucraniana Olga Volkova e Rosa Neves
Alice vai buscar a epígrafe dos seus livros de poesia a
outros poetas seus amigos como, por exemplo, José Tolentino de Mendonça, Ruy
Belo, Nuno Júdice e Daniel Faria, pelos quais nutre uma admiração imensa.
Ao contrário dos outros géneros, este é o único que escreve
sempre à mão, e diz: “Não consigo explicar
por que isto acontece. Acho que sou outra pessoa quando escrevo poesia. É quase
qualquer coisa que me acontece como se me fosse ditado.”
A sua poesia é de uma sensibilidade extrema. Lê-la e conhecê-la é um exercício de intimismo, de reflexão, de observação de pormenores.
Os seus livros de poesia tem todos a mesma linha poética. A experiência de vida serve de matéria-prima ao ato criador de Alice, já que, a Alice Poeta não se liberta da Alice Jornalista, conseguindo fazer o leitor sentir, com intensidade, aquilo que ela escreve, tal como se fosse jornalista de sentidos, cuja missão é levar aos outros, emoções vividas em corpos e lugares longínquos.
A sua poesia é adulta e para adultos, intimista, mas
realista, é uma viagem pela vida, onde a nostalgia e a saudade, são portos de
chegada e partida de amores e desamores. Há intensos sentimentos que percorrem
as veias da sua poesia. A expressão madura e clara da sua escrita ilude-nos, ao
ponto de pensarmos que somos nós que experienciámos aquelas sensações e
conhecemos aqueles lugares.
Percorre a sua poesia uma sensualidade discreta, mas concreta, circunstancial. Nas palavras que nos escreve e naquelas que nos instiga a adivinhar, ela transforma o mais pequeno gesto numa metáfora elegante e sedutora …
Alice mete a vida toda na sua poesia e nela está o registo voraz da passagem do tempo e dos amores; a marca indelével das emoções assumidas e sem idade.
Percorre a sua poesia uma sensualidade discreta, mas concreta, circunstancial. Nas palavras que nos escreve e naquelas que nos instiga a adivinhar, ela transforma o mais pequeno gesto numa metáfora elegante e sedutora …
Alice mete a vida toda na sua poesia e nela está o registo voraz da passagem do tempo e dos amores; a marca indelével das emoções assumidas e sem idade.
Foi pouco o tempo para estar com Alice Vieira; foi pouco o
tempo para ouvir a sua poesia, a sua história. Mas, “Café com Livros” é apenas
uma passagem breve para o futuro de outros encontros…
Obrigada Alice, por todas as Alices que há em si …
Obrigada Alice, por todas as Alices que há em si …
“É com palavras que te
vou guardar
na praia do meu corpo. E
através delas
dar-te vida para
sempre.”
…/…
«Olha-me como quem chove» - Pág. 68
Alice Vieira
Voltamos a encontrar-nos no próximo dia 24 deste mês de
Novembro, no auditório do m|i|mo - museu da imagem
em movimento, onde o escritor João Morgado,
autor de «Vera Cruz», virá apresentar a sua última obra: «O Livro do Império» - um manuscrito resgatado pela Inquisição para redenção de Portugal.
Até lá não recusem
um café quente
um livro fresco
uma ideia nova
um café quente
um livro fresco
uma ideia nova
Fotos de Joaquim Cordeiro Pereira
Edição de Augusto Mota