No dia 26 de Janeiro, p.p., teve lugar
no museu Moinho do Papel, em Leiria, a 29ª tertúlia “Café com Livros”, tendo como convidado o “Contador de Histórias
itinerante” Carlos Alberto Silva.
Juntar amigos é um privilégio, fazê-lo
em prol das palavras é um prazer, por isso as Trêstúlias começaram por desejar as
boas vindas a todos os amigos, porque é nessa qualidade que cada um é sempre recebido
e tido nestas tertúlias.
“Café
com Livros” não
é uma conferência, não é um seminário, é apenas a essência da verdadeira
tertúlia, que se resume a um encontro de amigos que se reúnem para conversar
sobre temas comuns, neste caso ligados à escrita e à leitura, sendo, sobretudo,
um espaço independente, despretensioso.
Num dia frio e chuvoso de inverno
achou-se oportuno começar a tertúlia com uma reflexão sobre uma frase do
escritor Manuel da Silva Ramos:
“neste tempo de solidões só as tertúlias combatem como deve ser o narcisismo mais agudo”.
“neste tempo de solidões só as tertúlias combatem como deve ser o narcisismo mais agudo”.
Lídia Raquel deu uma visão do extenso
currículo de Carlos Alberto Silva, que, enquanto professor e
escritor, desenvolve diversas acções no âmbito da mediação e promoção da
leitura, tanto como autor, como contador de histórias.
Dedicado à investigação e inovação, tem desenvolvido
trabalhos no domínio da Robótica Educativa como instrumento de aprendizagem da
leitura e da escrita. Tem ministrado vários cursos e dinamizadas oficinas no
âmbito das Expressões Artísticas e da promoção e animação da leitura.
Carlos
Alberto Silva
recheia os seus livros com recados ambientais, lendas tradicionais, poesia
divertida e ilustrações apelativas que fazem com que a leitura se transforme no
prazer da interrogação e do conhecimento.
Escritor que nos surpreende com uma
imensa criatividade, saber e boa disposição, tem vários livros publicados e a
sua escrita está espalhada por blogues e exposições:
Antes de dar início à sua participação nesta
tertúlia, Carlos Alberto Silva foi
surpreendido com a leitura de vários textos humorísticos da sua autoria:
A
vingança do guardanapo
- ao ouvir mais uma série de ordinarices do comandante, não aguentou mais e rebentou.
- Vá-vá-á lim-lim-limpar la-latrinas, seu-seu la-lateiro.
Atirou o bivaque para cima do balcão de atendimento e saiu porta fora. O resto da corporação ria perdidamente.
- Ó pá! O gajo não é só engomadinho, também é gago - dizia um escovilhão lambe-botas.
- Pois. É um engo-gugu-mamadinho - respondeu outro.
- Eu é que tinha razão. É um verdadeiro guarda-nabo - rematou o comandante.
Mas cá se fazem, cá se pagam! Quando o esfregão chegou a casa, ao fim do dia, ia tendo um chilique. A mulher, uma bela toalha de bilros, tinha feito as malas e fugira para o Brasil com o guardanapo.
Crivada de dívidas, uma cebola desempregada não teve outro remédio senão aceitar um trabalho de stripper num night-club de terceira categoria.
Horas depois, os clientes, frustrados e lavados em lágrimas, iniciaram um motim e destruíram todo o mobiliário do night-club.
O patrão despediu a cebola imediatamente e pô-la no olho da rua sem lhe dar um tostão.
Mas a cebola não ficou desempregada, não. Um agente de espectáculos, que assistira a tudo, arranjou-lhe emprego como actriz num dramalhão de fazer chorar as pedras da calçada.
Um guardanapo alvo e engomado foi admitido como agente da
Guarda. O comandante do posto, um esfregão grosseiro e insolente, achava que o
guardanapo era demasiado fino para o exercício daquelas funções e estava sempre
a implicar com ele.
- Olhe lá, você não será antes um guarda-nabo? Isto aqui é
para gajos de barba rija. E quando as coisas não vão a bem, vão mesmo à bruta.
Como é que você, um engomadinho do caraças, vai fazer valer a sua autoridade,
se nem pêlo tem na venta, hã?
O pobre guardanapo ficava humilhadíssimo com estes
comentários boçais, mas engolia em seco e permanecia em silêncio. É que ele,
quando se enervava, gaguejava descontroladamente. E imaginava o vexame que
passaria se descobrissem nele aquilo que seria considerado como mais uma
fraqueza.
Foi ouvindo, foi engolindo, foi enchendo, mas aguentava-se estoicamente, fingindo que fazia orelhas moucas às provocações do sargento esfregão… embora, por dentro, ficasse a ferver.
Numa tarde de pouco movimento - estava o posto cheio de
agentesFoi ouvindo, foi engolindo, foi enchendo, mas aguentava-se estoicamente, fingindo que fazia orelhas moucas às provocações do sargento esfregão… embora, por dentro, ficasse a ferver.
- ao ouvir mais uma série de ordinarices do comandante, não aguentou mais e rebentou.
- Vá-vá-á lim-lim-limpar la-latrinas, seu-seu la-lateiro.
Atirou o bivaque para cima do balcão de atendimento e saiu porta fora. O resto da corporação ria perdidamente.
- Ó pá! O gajo não é só engomadinho, também é gago - dizia um escovilhão lambe-botas.
- Pois. É um engo-gugu-mamadinho - respondeu outro.
- Eu é que tinha razão. É um verdadeiro guarda-nabo - rematou o comandante.
Mas cá se fazem, cá se pagam! Quando o esfregão chegou a casa, ao fim do dia, ia tendo um chilique. A mulher, uma bela toalha de bilros, tinha feito as malas e fugira para o Brasil com o guardanapo.
O Strip-tease da cebola
Crivada de dívidas, uma cebola desempregada não teve outro remédio senão aceitar um trabalho de stripper num night-club de terceira categoria.
Nessa noite, a cebola estava nervosíssima, já que era a
primeira vez que se iria expor assim aos olhares de gente estranha. Mas lá
subiu ao palco e começou a descascar-se. Conforme iam caindo as peças do
vestuário da cebola, a clientela ululante gritava «tira, tira», cada vez com
mais entusiasmo. E a pobre cebola lá se ia descascando a contragosto.
O problema é que, com tanta roupa, nunca mais chegava ao que
interessa. E depois havia aquele estranho odor corporal que ia libertando…Horas depois, os clientes, frustrados e lavados em lágrimas, iniciaram um motim e destruíram todo o mobiliário do night-club.
O patrão despediu a cebola imediatamente e pô-la no olho da rua sem lhe dar um tostão.
Mas a cebola não ficou desempregada, não. Um agente de espectáculos, que assistira a tudo, arranjou-lhe emprego como actriz num dramalhão de fazer chorar as pedras da calçada.
Multifacetado exprime também as suas
emoções através da poesia:
Havia naquela manhã de Abril
E traz consigo a memória
do velho rei trovador:
- Ai flores do verde pino.
A Salgueiro Maia, nos 40 anos do 25 de
Abril
havia naquela manhã de abril
um odor a cravos
perfumando a cidade
um odor a cravos
perfumando a cidade
eram brancos, vermelhos, matizados
da cor dos sonhos oprimidos
sem idade
havia no ar primaveril
um som de vozes
bailando à toa no eco das ruas
eram risos, cantos, brados festivos
arrojados do mais fundo
das almas nuas
havia no radioso céu de anil
uma alegria pura
sem conta nem medida
e uma maré de gente laboriosa
tomava por fim nas mãos
o rumo da sua própria vida
Carlos Alberto Silva
25.04.2014
da cor dos sonhos oprimidos
sem idade
havia no ar primaveril
um som de vozes
bailando à toa no eco das ruas
eram risos, cantos, brados festivos
arrojados do mais fundo
das almas nuas
havia no radioso céu de anil
uma alegria pura
sem conta nem medida
e uma maré de gente laboriosa
tomava por fim nas mãos
o rumo da sua própria vida
Carlos Alberto Silva
25.04.2014
Pinhal
de Leiria
Num ligeiro remoinho
o vento arrasta a cinza
das flores do verde pino
o vento arrasta a cinza
das flores do verde pino
E traz consigo a memória
do velho rei trovador:
- Ai flores do verde pino.
Quem suspira mansamente
pelos pinhais do litoral?
Será o vento ou o mar?
Ou serão ainda os ecos
duma cantiga de amigo?
- Ai flores do verde pino.
Perdida na bruma densa
do tempo sem remissão
soa a mágoa do poeta:
- Ainda ouvis minha voz?
Ainda vos lembrais de mim?
ó flores do verde pino?
Mas só responde o murmúrio
do vento que arrasta a cinza
das flores do verde pino.
A magia de um grande contador de histórias itinerante revelou-se, de imediato, no sorriso aberto com que Carlos Alberto Silva começou por nos contar a maneira como decorriam as suas sessões de animação da leitura junto dos mais jovens. Também aqui trouxe para dentro da sala uma bicicleta colorida carregando uma grande caixa suspeita e outras caixas mais pequenas, mas não menos suspeitas! Entre todo este aparato delicioso, uma conversa, um livro, um chá e um café quente, a tarde estava a prometer!
No exercício da sua itinerância Carlos Alberto Silva vai transportando
a magia escondida em caixas e caixas carregadas de história e estórias. Carlos Alberto Silva é um escritor que coloca todo um mundo encantado na
simplicidade com que, magistralmente, dá vida às personagens das histórias que
conta através dos seus “Teatros de Papel”. Transforma-se ele
próprio numa criança encantada que, de repente, é apanhada na trama das
histórias que relata. Ver:
Encantou-nos a tarde, deliciou-nos com
as histórias que escreve e com as estratégias que usa para lhes imprimir vida e
encantamento. Sem nos darmos conta enfeitiçou-nos e introduziu-nos também nas
histórias; sorrimos, aprendemos a magia das palmas a tantos dedos; fomos Saramagos
inteiros e divertidos; fomos estranhas formas de nuvens…
Para completar, da forma mais terna e com sabor a futuro, este “Café com Livros”, só outro momento bonito, privilégio até, que foi, de vez em quando, ouvir-se ao fundo da sala o choro ternurento e breve de um bebé, que ao colo dos pais estava pela primeira vez a ouvir estas histórias de encantar… chamava-se Oriana!
Delicioso o tempo que nos permitiu
sonhar através dos contos do nosso convidado, pois como dizia o poeta Sebastião
da Gama, “pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.” E fomos…
Para completar, da forma mais terna e com sabor a futuro, este “Café com Livros”, só outro momento bonito, privilégio até, que foi, de vez em quando, ouvir-se ao fundo da sala o choro ternurento e breve de um bebé, que ao colo dos pais estava pela primeira vez a ouvir estas histórias de encantar… chamava-se Oriana!
Obrigada Carlos Alberto Silva por tanto que nos enterneceu e comoveu; pelo
trabalho fantástico que desenvolve; pela criatividade, pela generosidade com
que dá a sua arte, e pela alegria contagiante com que sorri e põe os outros a
sorrir.
Voltaremos a encontrar-nos por aí, na
itinerância das histórias…
Encerramos este “Café com Livros” com um belíssimo poema que o Carlos escreveu em
2016 e que se chama:
Quando
eu morrer não tragam flores…
quando eu morrer
e morto por morto
basta no esquife
o cadáver que arrefece
que a morte
- porque certa -
não vale o espanto
nem a mágoa da perda
que o peito descerra
e poemas vibrantes
com as memórias felizes
dos dias de antes
perenes como as flores
de pé na terra
Obrigada a todos.
quando eu morrer
não tragam flores
que flor cortada
logo feneceque flor cortada
e morto por morto
basta no esquife
o cadáver que arrefece
não tragam sequer
lamento e prantoque a morte
- porque certa -
não vale o espanto
nem a mágoa da perda
que o peito descerra
tragam histórias
e cançõese poemas vibrantes
com as memórias felizes
dos dias de antes
perenes como as flores
de pé na terra
Obrigada a todos.
Voltaremos a encontrar-nos no dia 6 de
abril, com outro convidado muito especial: Álvaro
Laborinho Lúcio.
Até lá, não recusem:
Um livro fresco
Um café quente
Uma
ideia nova
Texto de Rosa Neves
Fotos de Joaquim Cordeiro Pereira e Mariana Neves
Texto de Rosa Neves
Fotos de Joaquim Cordeiro Pereira e Mariana Neves
Edição de Augusto Mota