10/04/2006

( vertigens )

Agora habita-me as pernas um horizonte estranho. Estou virado a norte e a ocidente queda-se o mar e o céu. Os pinhais escoam-se até aos joelhos e não me deixam andar. Os passos são outro sentimento para aquilo que empresto às mãos. Estas, por força da noite, entregam-se a outro caminhar que não sabe o que é a distância, nem o que é cansaço. São vertigens isto que tenho! Vertigens num mirante sobre a planície e a aula. Os alunos são camponeses e operários. Moços de lavoura todos nós o somos. A algazarra e os bois é que nos dão uma estabilidade de pessoas opulentas.
Sensações, sensações, sensações. Os óculos são um automóvel. Os olhos um corredor e eu um quarto encerado. Os passos espelham-se no lustro como se fora um palácio que me dessem para habitar. O mármore está nas veias. A escadaria são as pulsações. Quando entro em mim parece que há trombetas para saudar um visitante desconhecido. Régia corte esta! Alabardas sim, mas quero outro ritmo em toda esta diplomacia.
Augusto Mota, inédito, in "O Artifício da Loucura", 1964.

5 comentários:

Anónimo disse...

Abençoada loucura a sua, amigo Augusto Mota!

Anónimo disse...

Mais um passo de gigante a caminho da perfeição linguística.
Bravo!

Anónimo disse...

Feito o périplo pelos blogs do meu contentamento, páro, escuto e olho.
E não resisto ao encanto de um fortíssimo texto escrito com a alma em perfeita ebulição.
Acaso alguém leu um poeta em calmaria?
Um abraço, Augusto Mota!

Anónimo disse...

Um beijo!

Anónimo disse...

e obrigada, amigos!
outro beijo!