19/09/2006

as rotas do cársico

Os olhos viajam sozinhos pelos caminhos da serra, enquanto a tarde vai diluindo a paisagem no horizonte longínquo, para lá do rio que nos atravessa o corpo e das pontes que atravessam o rio. Pelas rotas do cársico remamos, então, sem destino, ao sabor do tempo que escorre lento pelas aldeias sombreadas do vale. Umas vezes passamos sob as pontes que ligam o passado e o futuro. Outras, passamos sobre aquelas que nos levam ao encontro do presente. Mas em todas navegamos, como se a água fosse a via certa para esta memória do presente.
Cruzando pontes, navegamos recordações. Cruzando recordações, lançamos pontes através dos espaços vazios entre os dedos, quando estes só servem para contar as horas que sobram para a viagem de regresso.
Regressamos ao presente. No mercado de todos os afazeres compramos o tempo que, antes, não tivemos. E passamos sobre pontes que, antes, só passáramos por debaixo, enquanto remávamos, ausentes, em direcção aos algares da memória. E cruzamos a serra em todas as direcções, já que uma subterrânea engenharia nos quis facilitar a inversão do curso dos rios que, agora, como dois mensageiros da noite, correm paralelos rumo aos oceanos perdidos entre o futuro e os continentes das nossas próprias emoções.
Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.

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