Quantas palavras se escondem por detrás de um gesto? E que olhares se escondem por detrás de uma palavra que navega na periferia do esquecimento? Será necessário, por certo, inventar uma nova semântica que ritualize o esforço dos gestos e dê ao corpo uma dimensão tão sublime como se alguém o estivesse a esculpir no mármore mais precioso, fazendo de seus veios as veias onde pulsam os mistérios da vida.
Algumas palavras também esculpem, em sua secreta significação, o corpo frágil da memória para, depois, se arrastarem pelos veios frios da pedra num delírio febril que vai deixando os sentidos ora ausentes, ora exangues.
O escultor, então, confunde-se com a própria obra esculpida e cada silêncio é a força decidida e precisa do cinzel a desbastar a matéria e a vida.
Texto de Augusto Mota, in “A Geografia do Prazer”, 2000 (não editado)
Escultura de João Cutileiro, "Recordação de Santa Clara" (pormenor)
Foto de Augusto Mota numa exposição colectiva na SNBA, Lisboa, Outubro de 2007
1 comentário:
Gostaria, sim, de ver estes textos «à luz do dia» mostrados, pois tanta coisa se escreve - e se vende, não sei se se lê.. - que não tem tem sentido, sentimento, amadurecimento como estes da "Geografia do Prazer" . Seria um prazer, ter este livro na mão... E mais não digo !
Abraços aos senhores do Palácio.
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