27/11/2013

Café com Livros




CAFÉ COM LIVROS

 
 
Mercília Francisco, Manuel Freire, Rosa Neves e Cristina Barbosa
 
Desta vez, no passado sábado, foi no auditório do m|i|mo museu da imagem em movimento, que teve lugar mais um CAFÉ COM LIVROS, “uma tertúlia de pessoas complicadas que gostam de discutir coisas simples…” como se definem as (des)complicadas autoras de tão motivante iniciativa: Rosa Neves, Cristina Barbosa e Lídia Raquel.
 
Mercília Francisco, Manuel Freire e Rosa Neves
 
O convidado desta tertúlia foi Manuel Freire, que surpreendeu a assistência com a sua conversa ao correr da emoção das palavras e das muitas palavras emocionadas ao recordar estórias passadas só consigo, ou com amigos, ou com amigos de amigos. Como cantor é sobejamente conhecido. Este outro lado da sua personalidade, de conversador compulsivo, de mãos dadas com um humorista perspicaz, é que poucos, por certo, conheceriam.
 
Mercília Francisco lendo um poema. Ao fundo Lídia Raquel,
a vídeorepórter de serviço.
 
Cristina Barbosa dando a sua colaboração na leitura de um texto
 
Manuel Freire cantando «Eles»
 
 
Manuel Freire cantou «Eles» (Ei-los que partem) e leu, sentidamente, o poema «Portugal», de Jorge de Sousa Braga, contribuindo, também ele, assim, para o que define a estrutura básica desta tertúlia: leitura de poemas e textos, debate posterior das ideias por eles suscitadas, tudo feito de um modo simples, sem complexos, nem falsas erudições.
  
Manuel Freire cantando «A Pedra Filosofal»
 
Terminada a sessão, houve uma visita guiada ao museu, fotos da qual já se encontram na página do m|i|mo no Facebook, em: https://www.facebook.com/mimomuseu.
E tudo acabou com uma bebida quente e uns bolinhos, para aconchegar o estômago e preparar o corpo para o frio que já nos esperava na rua….
 
Ficamos a aguardar a próxima tertúlia de Café com livrosno 4º sábado de Janeiro de 2014!!!  
 
*
«ELES»
 
 
Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos 
velhos e novos
 
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
 
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não
  
Poema e música de Manuel Freire, 1978            Para ouvir : http://www.youtube.com/watch?v=pewOaY3flTs
 
Texto sobre a tertúlia e fotos: Augusto Mota




   
Pormenores do «Monumento aos Emigrantes» no Monte de S. Félix, Laundos, Póvoa de Varzim.  Este complexo monumento, inaugurado em 1998, é obra do escultor Aucione Agostinho, de S. Paulo, mas foi idealizado pelo comendador Dr. Manuel Giesteira, que o ofereceu à sua terra, de onde partiu para o Brasil aos 11 anos, na companhia de pais e irmãos. Licenciou-se em Direito enquanto empregado bancário, exerceu a advocacia, foi professor e um empresário de sucesso. Acabou por se dedicar só a obras filantrópicas. Fotos de Augusto Mota
 
Obs.: Clicar nas imagens para as ampliar e as ver todas em jeito de slideshow.
 

21/11/2013

Capa do livro

 
 
 
 

Texto IX

 
 
 
PEDRAS
 

 
 
 

      Talvez nunca ninguém tenha baptizado pedras, mas Manuel deu nome a muitas. De tanto viver com elas., chegou ao ponto de lhes falar. De lhes dar os bons-dias e desejar boa noite. Com ar sério, com sentimento a sério. Precisava delas para se sentar, para subir mais alto e avistar mais longe, para se deitar à sua sombra. E a gente ama aquilo de que precisa e dá nome àquilo que ama.
      Os nomes eram todos de mulheres, o que as tornava mais belas. E algumas tinham diminutivos, como se pudessem crescer. Mas a nenhuma chamou Leonor, nem Isabel, nem Mariana, nem Margarida, nem Madalena, porque esses ficariam guardados para as suas filhas.
      Num recôndito aonde não havia quem fosse, e, se lá fosse, não seria visto nem poderia ver ninguém, estava plantada uma pedra de que nunca precisara. Por isso não tinha nome. Se ali falasse sozinho, não o chamariam maluco. Se ali chorasse, não lhe diriam que era um maricas. Na 2ª-feira, foi até junto dela. E a pedra  passou a ter nome.
 
 
Daniel de Sá, texto IX in «O PASTOR DAS CASAS MORTAS», edição Ver Açor, Porto 2007.
 
 

 
 
Daniel de Sá, escritor açoriano, nasceu em Maia, S. Miguel, em 1944. Faleceu em 2013.
Fotos e manipulação cromática de Augusto Mota.
 
 

10/11/2013

Fotopoema



 
DESPOJA-SE O PLÁTANO


 
 
 
 
 
Haikai de Carlos Alberto Silva. Da tradição poética oriental recolhi as influências, necessariamente contaminadas pelo contexto cultural que me rodeia. In http://sitiodoshaikais.blogspot.pt/, 13.11.2003.
Foto de Augusto Mota, Marachão, Leiria, margem esquerda do rio Lis. Publicação dedicada aos participantes da Workshop de Fotografia CAUSAS - Terras do Lis e do Lena, que decorreu em Leiria, ontem e hoje.   
 


07/11/2013

Rosário Breve

 
 
 
DA  SOLIDÁRIA  SOLIDÃO
 
  
 
  
 
Há um ano e um século, a White Star Line, companhia proprietária do Titanic, enviou às famílias dos músicos da orquestra da fatídica viagem, também eles engolidos pelo abissal mar gelado, as facturas dos respectivos uniformes: afinal, a roupa pertencia à companhia de navegação, não a eles – e eles tinham cometido a gravosa imprudência de se afogarem sem se despir antes do que não era deles. (Isto não é patranha: é um histérico facto histórico.)
Cento e um ano depois, o Capitalismo “neoliberal”, essa besta autofágica e indutora do suicídio das nações que se não chamem EUA ou Alemanha ou China, segue à risca, à letra e a grosso a selvajaria da White Star Line acima descrita. O Capitalismo “neoliberal” é a Grande Hidra Cega. O Capitalismo “neoliberal” é a Nossa Mãe ao Contrário. O Capitalismo “neoliberal” é o ouro valer merda riscada a sangue. Vive de músicos afogados e de famílias desfeitas. Alimenta-se de podridões. E serve-se de lacaios acéfalos e invertebrados como esta cambada de cachopos que nos entretemos a eleger de quatro em quatro anos.
Vale que, um ano depois do Titanic, mais precisamente a 7 de Novembro de 1913, nasceu Albert Camus. Figura gigante, colosso ímpar da literatura do século XX, deixou obra sem cotejo possível. Muito superior à vedeta zarolha chamada Sartre, primou sempre pela solitária discrição. Morreu demasiado cedo, aos 47 anos, terminado por um desastre de viação automóvel.
Mas legou-nos A Peste, O Estrangeiro, O Mito de Sísifo e O Homem Revoltado, entre outros marcos descomunais das boas-letras.
Foi dos Nobel da Literatura mais justamente reconhecidos de que hei memória. E determinou para sempre uma distinção ética que outro gigante da literatura, também ele nobelizado, Gabriel García Márquez, adoptou como epigráfica divisa: que o ser solidário é o absoluto contrário do ser solitário.
Mas lá no fundo, o mesmo fundo em que jaz o Titanic, Camus mais não terá feito do que dizer à White Star Line, aos EUA, à Alemanha e à China que, de uma vez por todas, cresçam e desapareçam.
 
Crónica de Daniel Abrunheiro, in «O Ribatejo», de 7 de Novembro de 2013
 
 
 
 
 
Fotos:
Em cima: parte superior do  Monumento ao Emigrante /  Moinhos de Carvide, Leiria / foto de Augusto Mota.
Em baixo: parte superior da Homenagem ao Emigrante /  Tondela / foto de Ana Ramon.