21/11/2013

Texto IX

 
 
 
PEDRAS
 

 
 
 

      Talvez nunca ninguém tenha baptizado pedras, mas Manuel deu nome a muitas. De tanto viver com elas., chegou ao ponto de lhes falar. De lhes dar os bons-dias e desejar boa noite. Com ar sério, com sentimento a sério. Precisava delas para se sentar, para subir mais alto e avistar mais longe, para se deitar à sua sombra. E a gente ama aquilo de que precisa e dá nome àquilo que ama.
      Os nomes eram todos de mulheres, o que as tornava mais belas. E algumas tinham diminutivos, como se pudessem crescer. Mas a nenhuma chamou Leonor, nem Isabel, nem Mariana, nem Margarida, nem Madalena, porque esses ficariam guardados para as suas filhas.
      Num recôndito aonde não havia quem fosse, e, se lá fosse, não seria visto nem poderia ver ninguém, estava plantada uma pedra de que nunca precisara. Por isso não tinha nome. Se ali falasse sozinho, não o chamariam maluco. Se ali chorasse, não lhe diriam que era um maricas. Na 2ª-feira, foi até junto dela. E a pedra  passou a ter nome.
 
 
Daniel de Sá, texto IX in «O PASTOR DAS CASAS MORTAS», edição Ver Açor, Porto 2007.
 
 

 
 
Daniel de Sá, escritor açoriano, nasceu em Maia, S. Miguel, em 1944. Faleceu em 2013.
Fotos e manipulação cromática de Augusto Mota.
 
 

2 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Um belíssimo texto !

Abraço
Júlia Ribeiro

Mário Sérgio Felizardo disse...

Belo!...