SALA DE ESPERA I
Estas mulheres cheiram a flores de enterro.
Sentadas nas cadeiras verdes, quase todas vestidas de negro, orelhas argoladas de ouro, poderiam ser minhas mães. Estoiradas de filhos, gastas mas rijas, contam-se mutuamente os episódios iguais das vidas. Uma só vida multiplicada: o mesmo filho de motorizada, o mesmo falecido esposo, os mesmos vasos com sardinheiras ao mesmo janelo da cozinha. Eu não tenho motorizada, mas poderia ter tido. Talvez devesse ter tido uma. O que tenho é sono. Vem-se cedo para aqui, há muita gente para o mesmo. Copos, depressões, tristezas vitalícias. Chá, café ou leite. Dão bolachas. A instalação sonora debita o terço dos nomes, esses portáteis rosários. Espero o meu nome. Uma reprodução fotográfica do tamanho da parede apresenta um caminho na manhã de uma bosque. Ninguém vê o caminho. Celestina de Jesus, gabinete 3 . Só sabemos este caminho, ao cabo do qual nos darão bolachas, paroxetina e flores velhas como mães de motorizadas.
Texto de Daniel Abrunheiro, in «O Preço da Chuva», Pé de Página Editores, Coimbra, 2006, p. 119
Foto de Augusto Mota, com manipulação cromática
editado por augusto mota