22/11/2015

Apresentação de «O Fluir do Tempo»









Na passada Quinta-feira, dia 19 de Novembro, pelas 18.30 h, teve lugar na Livraria ARQUIVO, em Leiria, a apresentação nacional do livro de Manuel Simões «O FLUIR DO TEMPO - Poesia Reunida», de Edições Colibri. Da badana desta obra transcrevemos uma biografia sucinta do autor:
MANUEL SIMÕES nasceu em Jamprestes – Ferreira do Zêzere, em 1933. Poeta e ensaísta. Foi um dos fundadores da colecção (depois editora) “Nova Realidade” (1966) e pertenceu à redacção da revista “Vértice” (1ª série) entre 1967 e 1969.
Professor do Ensino Secundário (1969-1971) na extinta Escola Veiga Beirão, viveu a seguir em Itália de 1971 a 2003, país onde foi inicialmente Leitor de Português nas Universidades de Bari e de Veneza, e, depois, professor associado na Universidade “Ca’Foscari” de Veneza (1975-2001), tendo sido igualmente professor de língua e literatura portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade de Florença entre 1986 e 1989.
Foi um dos fundadores, em 1978, da revista “Rassegna Iberistica” (Veneza), a cuja redacção pertenceu até 2012.”

Susana Neves, Fernando Mão de Ferro, Manuel Simões, Orlando Cardoso

Susana Neves, em nome da Arquivo, saudou os restantes elementos da mesa, bem como a assistência, agradecendo ao autor e ao editor o terem escolhido esta livraria para a apresentação nacional deste livro. De seguida o editor, Fernando Mão de Ferro, referiu o acolhimento dispensado, elogiou o ambiente agradável da livraria e sublinhou o facto de que as primeiras apresentações de livros não deveriam acontecer só em Lisboa.

Coube a Orlando Cardoso fazer a apresentação desta obra de Manuel Simões. Antes, porém, evocou os contactos que mantiveram através do correio, quando um estava na Holanda e o outro em Bari e Veneza, trocando livros e colaborando em algumas antologias e revistas literárias, destacando ainda a acção cultural, universitária, de escritor, de editor, de poeta, de ensaísta e de tradutor de Manuel Simões, actividades que se reflectiram na sua obra como professor, interventor e cidadão. Traduziu diversos escritores italianos, como, por exemplo, Antonio Gramsci, Pier Paolo Pasolini, Eugenio Montale, Salvatore Quasímodo; e traduziu para italiano um livro de contos de Mário Cláudio, “La Tela del Sogno”, e um livro de poemas de Casimiro de Brito, “Libro delle Cadute”. Mas Orlando Cardoso não quis deixar de chamar a atenção para a NOVA REALIDADE, uma editora sediada em Tomar, que foi uma pedrada no charco antes de Abril de 1974, numa arrojada iniciativa de Manuel Simões, Carlos Loures e Júlio Estudante. Tal editora publicou a primeira e segunda edição de «Cantares», de José Afonso, e a primeira edição de «O Canto e as Armas», de Manuel Alegre. Com a chancela NOVA REALIDADE foram também editadas as seguintes antologias: «Hiroxima» (1967), «Vietname» (1970) e «Poemabril» (1984).

 
Manuel Simões e Orlando Cardoso

Após a evocação de um passado rico de experiências múltiplas do poeta, Orlando Cardoso passou a apresentar «O FLUIR DO TEMPO». A seguir transcrevemos, na íntegra, as palavras que reservou para o momento: 

“Mas falemos na obra poética que aqui nos reúne, «O FLUIR DO TEMPO» que hoje chega à mão dos leitores.
A diáspora levou Manuel Simões para a Itália, primeiro para Bari e depois na Universidade “Ca’Foscari” de Veneza. Ao longo de mais de meio século de ensino de Português e Cultura Portuguesa foi construindo uma sólida obra poética e ensaística, sem esquecer a tradução de grandes escritores italianos, a edição de livros, a colaboração em jornais e revistas, entre outras.
Naturalmente que a sua mão de mestre torneou as suas palavras com uma marca mediterrânica e luminosa que não recua perante velhos mitos, os deuses e os heróis do mundo antigo. De certo modo surge-nos como um espaço sem tempo proveniente do sul, dos mares calmos e “nostros”.
O escritor italiano Roberto Vecchi constata, por sua vez, que "na dimensão desta poética não há margem para uma ordem nem sequer residuária ou escoada, sendo o seu lugar assinalado pelo caos do tempo, da dor, do humano (…). Mas, com que tempo terça armas o poeta no seu acto de criação?
Não é acidental a exigência constante do seu poema sobre o Sul Mediterrânico, quando se refere à geografia (a realidade) e a sua ligação ao rigor da forma do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto. Nos dois poetas encontramos o compromisso da sua oficina poética, com o homem e a vida.
Voltemos à poesia e, por conseguinte, à definição ou indefinição dos contornos que lhe dão forma.
Que caminhos, com muitos poemas pelo meio, faltam ao Manuel Simões seguir? Alguma vez terminará o seu poema radioso e firme?
Eu não o creio.
Acabo, naturalmente, propondo a leitura da sua poesia. Como é sabido a poesia é um acto inicial e puro que só vive quando lido e ouvido.”

Orlando Cardoso terminou a sua intervenção lendo o poema “Ceifeira: não dobres tanto a cintura”, in «Crónica Breve», Nova Realidade, 1971, reproduzido em «O Fluir do Tempo» a pp. 47/48:

 


Ceifeira,
cantar agreste
na flor do vento,
trigo e suor
amargurado
no esquecimento.

Ceifeira,
de sol a sol
teu canto trespassa
o trigo.
Com a lâmina
fere a espiga
põe-na revolta,
explosiva

Ceifeira,
oh que amargura
te vai no corpo
agravado.
Sempre a dar
o corpo à terra
e teu sangue
amotinado.

Ceifeira,
levanta a foice
não dobres tanto
a cintura.
Quem trabalha
a terra alheia
não pode usar
a ternura.

          Manuel Simões


 

Por último falou o autor. Referiu a sua breve passagem por Leiria, onde chegou em 1962, para trabalhar no Banco de Portugal, evocando as amizades que aqui fez a nível profissional e no chamado “grupo” do café “Lereno”, constituído por alguns professores da Escola Industrial e Comercial e três ou quatro jovens estudantes, da Escola e do Liceu, com interesses pela Cultura. Depois foi folheando «O Fluir do Tempo” e dizendo algo sobre a génese de um ou outro poema, como que a justificar as palavras de Ettore Finazzi-Agrò na parte final do prefácio e “inscritas” na contracapa do livro, como se fora numa lápide: “Poesia que cruza a História e que, cruzando-a, a torna história de um e de todos; poesia da Voz que se manifesta em grito, rompendo o silêncio mas tornando constantemente a ele; poesia das cidades habitadas e abandonadas, dos lugares vividos e lembrados; poesia dum tempo pretérito que é o seu/nosso presente – no fundo é só isso o que significa este volume: poesia que, enquanto tal, nos apresenta ao nosso destino inalcançável e nos representa na nossa infindável procura daquele sentido possível que, sem fim, tentamos dar ao nosso confuso estar aqui e em toda a parte, ao nosso errar na precária fixidez da condição humana.”   


Fotos e edição de augusto mota  
Nota: As fotos da Ceifeira e da Seara foram obtidas durante a ceifa da seara da Confraria do Pão (Alentejo), no Monte das Galegas, Terena / Alandroal, em Junho de 2001.


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