27/04/2016
18/04/2016
Café com livros
Cristina Barbosa, Rosa Neves, Luisete Baptista e Lídia Raquel
O nosso
mais recente motivo para um encontro à volta da arte e dos livros foi Luisete
Baptista: escritora/poeta/pintora polifacetada, que se dedica também à escrita
e ilustração de literatura infantil e juvenil. Participa em múltiplas actividades do foro literário em todo o País: em escolas, bibliotecas, universidades e outros espaços para onde seja convidada.
É uma grande professora, grande senhora, grande poetisa que vive e respira Arte,
que se entrega à plenitude da criação artística como um acto libertador.
Além de exposições de pintura, da sua obra constam já os seguintes títulos:
«A Mulemba», 2005, com ilustrações suas.
«O Moleque das Barrocas», 2007, com ilustrações suas.
«No Reino das Maravilhas», 2009, ilustrações suas e de Fernando Saraiva.
«Gota de Orvalho», 2009, com ilustrações suas.
«Na Cidade dos Imbondeiros», 2012, com ilustrações suas.
«Linhas Poéticas», trabalho académico, com ilustrações suas.«Linhas Poéticas - encontro com duas artes - a poesia e a pintura», 2015, com ilustrações suas.
Antes de dar o lugar principal desta Tertúlia à nossa convidada, “Café com Livros” quis assinalar o Dia Internacional do Livro Infantil (2 de Abril), desafiando a nossa mais nova e habitual tertuliana, Laura Rosário, a ler o poema de Daniel Marques Ferreira «O piano da Mariana».
Após as leituras preliminares as Trêstúlias pediram à convidada que nos falasse da sua vida literária. Assim Luisete Baptista socorreu-se de cada livro para ilustrar o seu percurso: as suas vivências em África tão bem definidas nos olhares que descrevem «A
Mulemba» (2005)
ou «Na Cidade dos Imbondeiros» (2012); a sua condição de “refugiada” aquando da
descolonização; a sua condição de professora e as recordações que a fazem, ainda
hoje, expressar na sua arte as memórias dessas terras africanas.
Foi
uma apresentação muito interessante e emotiva, com a autora a tomar as rédeas
da conversa e a contar as histórias que estão por detrás de cada livro; a
descrever a identidade das personagens; a ler excertos e recitar poemas. Foi
explicando a sua forma de escrita e de como a sua poesia, «Linhas Poéticas», se
dá aos leitores limpa de quaisquer referências, nominais ou temporais.
Quanto à sua obra plástica, estava exposta na sala a obra acima reproduzida, uma pintura a tinta acrílica sobre tela, tendo ainda explicado uma outra técnica a que também tem recorrido - a encáustica - mostrando alguns trabalhos que, depois, fez circular entre a assistência e que estão na base das ilustrações de alguns dos seus livros.
foto. augusto mota
Para os possíveis interessados em saber mais sobre esta técnica recomendamos, pelo menos, este dois vídeos no Youtube, mas muitos outros lá encontrarão:
Quanto à sua obra plástica, estava exposta na sala a obra acima reproduzida, uma pintura a tinta acrílica sobre tela, tendo ainda explicado uma outra técnica a que também tem recorrido - a encáustica - mostrando alguns trabalhos que, depois, fez circular entre a assistência e que estão na base das ilustrações de alguns dos seus livros.
foto. augusto mota
Com o entusiasmo de quem cria, Luisete
Baptista foi explicando esta antiga técnica e referindo os instrumentos e o papel que usa na realização de
tais obras. A encáustica é uma técnica conhecida e utilizada desde a Antiguidade, que se caracteriza pelo uso de cera de abelha liquefeita, como aglutinante dos pigmentos. A cera é aplicada com pincel, com uma espátula quente ou com um ferro de engomar. Para os possíveis interessados em saber mais sobre esta técnica recomendamos, pelo menos, este dois vídeos no Youtube, mas muitos outros lá encontrarão:
https://www.youtube.com/watch?v=h9pF_K1VIsE
Como forma de agradecimento por
passar a pertencer ao painel de convidados de “Café com livros”, Luisete Baptista foi
brindada com músicas originais tocadas à guitarra pelo nosso habitual tertuliano e músico José Farinha, que, mais uma vez, nos aproximou dos sons
medievais.
A
propósito do Dia Internacional do Livro Infantil quis esta tertúlia chamar a
atenção para um livro que jamais deverá
ser esquecido: «Kinderzeichnungen und Gedichte aus Theresienstadt / 1942-1944»
(Desenhos e poemas de crianças de Theresienstadt / 1942-1944), Praga, 1959. É
uma edição (28 x 19,5 cm), em alemão, dos desenhos e poemas das crianças presas, juntamente
com adultos, no campo de concentração de Theresienstadt, que ficava na zona da
Checoslováquia ocupada pelos alemães. Mais de 150 mil pessoas, incluindo
milhares de crianças, permaneceram em tal gueto durante meses ou anos, antes de
serem transportadas de comboio para os campos de extermínio em Treblinka e Auschwitz.
O
artista e professor de arte Friedl Dicker-Brandeis criou nesse campo de concentração aulas de pintura para as crianças, o que resultou
na produção de cerca de quatro mil pinturas infantis, que Dicker-Brandeis
escondeu em duas malas antes de ser mandado para Auschwitz. Essa colecção foi
poupada da destruição pelos nazis e só foi descoberta passado uma década. A maioria destes desenhos pode ser vista no Museu
Judeu de Praga, cuja secção sobre o Holocausto é responsável pela administração da Colecção
do Arquivo de Theresienstadt. As crianças do campo de concentração também escreveram contos e
poemas, alguns dos quais foram preservados e posteriormente publicados numa
colecção chamada “…doch einen Schmeterling hab ich hier nicht geseen…” (Nunca mais
eu vi por aqui uma borboleta), título retirado do poema “Der Schmetterling” (A
borboleta), escrito, em Junho de 1942, por Pavel Friedman, nascido em Praga,
em 1921, e deportado para Theresienstadt em 1942.
Posteriormente foi enviado para Auschwitz, onde foi morto em Setembro de
1944.
É emocionante o lema escolhido para tal colecção, lema que também aparece isolado neste livro, na folha imediatamente a seguir à folha de rosto. A borboleta, com o seu voo errático e a beleza de suas cores exóticas, não podia deixar de ser a melhor metáfora para definir a ânsia de liberdade que todas aquelas crianças sentiriam.
É emocionante o lema escolhido para tal colecção, lema que também aparece isolado neste livro, na folha imediatamente a seguir à folha de rosto. A borboleta, com o seu voo errático e a beleza de suas cores exóticas, não podia deixar de ser a melhor metáfora para definir a ânsia de liberdade que todas aquelas crianças sentiriam.
O nosso
amigo tertuliano Wolfgang Schaden fez o favor de traduzir alguns poemas deste
livro, que, emocionado, leu neste “Café com livros”, dos quais reproduzimos
apenas “Die Angst” (O Medo), p. 45, por definir bem o sentimento que atravessa todos os textos e ilustrações.
Wolfgang Schaden lendo os poemas das crianças
O MEDO
Um
novo horror passa pelo nosso gueto,
Ameaçando
com grave doença grandes e pequenos.
Vê-se
a morte com a sua gadanha
Sedenta
por tantas vítimas.
Aos
pais bate o coração mais rápido,
As
mães cobrem as suas cabeças de luto,
A
víbora do tifo estrangula-lhes as crianças até à morte,
Antes
que ela tenha acreditado.
Eu
ainda cá estou, ainda pertenço aos vivos,
Enquanto
a minha amiga já está no além.
Não
sei se não teria sido melhor
Que
a morte me tivesse levado juntamente com ela.
Oh
não, meu Deus, nós queremos viver,
Não
deixes esvaziar as nossas fileiras,
Queremos
chegar a uma manhã melhor,
Onde
então haverá tanto trabalho.
Eva
Picková é a autora deste poema. Nasceu em 1929, em Nymburk. Foi deportada para Theresienstadt em 1942,
tendo encontrado a morte em Auschwitz em 1943.
A ilustração que acompanha este
poema, ocupando toda a página 44, é um pormenor de um trabalho maior, a lápis, de Raja Engländerová,
nascida em Praga em 1929. Em 1942 foi deportada para Theresienstadt. Após o fim
da guerra regressou à sua cidade natal.
Depois
de o nosso amigo Wolfgang Schaden ter lido a tradução dos poemas era por demais
evidente o silêncio que nos trespassou. Há momentos únicos e este foi um deles.
Sentimos que no Museu de Leiria, neste dia – Dia Internacional do Livro
Infantil – cada um de nós, de forma diferente, ressuscitou as palavras que
aquelas crianças um dia gravaram nas paredes daquele campo de concentração,
onde as suas vozes foram silenciadas pelos horrores da 2ª Guerra Mundial. Se
outras razões não houver, com esta evocação “Café com Livros” terá hoje justificado a sua existência e o
Museu de Leiria ficou "depositário" de um emocionante e invisível património!
Como
se houvesse factos, e não coincidências, que parecem esperar o momento certo para se
“encaixar”, Luisete Baptista, aproveitou para nos revelar em primeira mão, que,
respondendo a um desafio que lhe foi colocado, escreveu um texto para um musical sobre a vida
de um ilustre português também ele ligado, mas por motivos nobres, à 2ª Guerra
Mundial: Aristides de Sousa Mendes. Luisete Baptista confidenciou-nos que a
peça já está a ser encenada e brevemente subirá ao palco. As Trêstúlias
deixaram desde logo o convite para que, assim que possível, o musical venha a
Leiria.
Sou o mistério monumental
Do eu transformado
Sou o bloco de granito
Daquela ponte
Sou o planisfério
De um outro eu
Sou o tumulto
Das gerações gritantes
Sou um novo eu
Construído dentro de mim
in «Linhas Poéticas – encontro com duas artes – a poesia e a pintura», pag. 42
Encontramo-nos na próxima tertúlia e, até lá, já sabem, não recusem:
Querendo
brindar a convidada com a leitura de um texto do seu livro «Linhas Poéticas», o tertuliano David
Teles leu o seguinte poema:
Eu
já não sou o eu
Construído
dentro de mimSou o mistério monumental
Do eu transformado
Sou o bloco de granito
Daquela ponte
Sou o planisfério
De um outro eu
Sou o tumulto
Das gerações gritantes
Sou um novo eu
Construído dentro de mim
Entre
conversas, biscoitos e café, terminou mais uma edição de "Café com livros".
Encontramo-nos na próxima tertúlia e, até lá, já sabem, não recusem:
Um
café quente
Um livro fresco
Uma
ideia nova…
Texto de Rosa Neves e Augusto Mota
Fotografias de Cristina Neto, excepto as 3 identificadas
Edição de Augusto Mota
Edição de Augusto Mota
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