31/08/2016

Texto inédito



A  ESTRELA  DE  ALVA
 

A ânsia da espera  desbarata as emoções e não deixa viver o tempo presente que tanto amparámos entre sonhos e vigílias. A saudade do que se imaginou inventa novos pretextos para admirar a paisagem que renasce sobre o corpo da memória e a carícia das mãos.

O silêncio junta os olhares deitados sobre a planície onde outrora cavalos selvagens corriam em direcção ao mar e à liberdade. Hoje pouco se avista para além do cansaço e das intenções que desaguam nas palavras apenas murmuradas.

É Inverno, já. Sabe bem, por isso, encostar as sensações à aragem fria da tarde e esquecer o tempo que despimos das obrigações da quadra festiva. A festa, agora, é a dos sentidos que percorrem a geografia do corpo e traçam novos itinerários para a descoberta do princípio da vida. Se é a alma que procuramos, ela poderá estar na ponta dos dedos e na palma da mão onde, em tempo de sonho e júbilo, já cresceram estrelas.

Agora é nos olhos que queremos a Estrela de Alva, para com ela avivar e avisar a memória de tudo quanto iludiu o espaço da viagem e das emoções.



Augusto Mota, texto 33 de «A Geografia do Prazer», exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória, 2000
                                                                                                                                                                                      

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