No sábado, dia 14 de Outubro, p.p.,
realizou-se em Leiria, na Sala Polivalente do m|i|mo
- Museu da Imagem em Movimento, pelas 15 h e 15 m, mais uma tertúlia de "Café com livros".
O ilustre convidado foi Fernando
Paulouro Neves,
Jornalista de referência/Escritor e Cronista notável, a quem foi atribuído
recentemente o Prémio Eduardo Lourenço, figura principal de um jornalismo de
cariz literário, resistente e interventivo. Fernando Paulouro Neves foi chefe de redacção e director do Jornal do Fundão, tendo sido sempre um opositor
ao "lápis azul" que, ora censurava os artigos, ora fechava o
jornal. Usa magistralmente a palavra em prol de uma cultura humanista e tem
feito da sua vida uma senda consciente e crítica de cidadania, tendo abraçado
causas que mudaram o interior do País e a vida de muita gente. A lisura da sua
escrita tem constantemente uma expressão poética, semeadora de interrogações
socráticas no pensamento dos seus leitores, surpreendendo sempre pela
simplicidade com que esconde um incessante homem de causas, de pontes e de
convergências.
Lídia Raquel fez a apresentação do convidado:
Fernando Paulouro Neves tem colaboração dispersa por vários jornais e revistas e foi
chefe de redação e director do Jornal do Fundão. Pertence aos corpos sociais da
Fundação Manuel Cargaleiro e, em 2013, foi-lhe atribuída a Medalha de Ouro da
cidade do Fundão. Entre 2012 e 2016 fez parte do Conselho Geral da Universidade
da Beira Interior. Foi distinguido, em 2014, com o Prémio Gazeta de Mérito do Clube dos Jornalistas e, em 2017, com o Prémio
Ibérico Eduardo Lourenço. É
autor do blogue "Notícias
do Bloqueio""
Tem
obra literária vasta e multifacetada. Escreveu, entre outros, «A Guerra da Mina - Os Mineiros da Panasqueira»
(com Daniel Reis), «O Foral: Tantos Relatos / Tantas
Perguntas» (teatro). Encontra-se representado em livros colectivos
e antologias, designadamente nos volumes «Identidades
Fugidias», coordenados pelo Professor Eduardo Lourenço, e na
antologia «A Mãe na Poesia Portuguesa» organizada
pelo poeta Albano Martins.
É autor de
«Os Fantasmas Não Fazem a Barba» (ficção, 2003),
de «Os Olhos do Medo» (conto, 2011) e de
«A Materna Casa da Poesia -
Sobre Eugénio de Andrade» (2003 e 2006). Reuniu muitas das
suas crónicas nos dois volumes de «Crónicas do
País Relativo. Portugal, Minha Questão» (Editora A.23, 2016).
É co-autor, com Alexandre Manuel, da Fotobiografia «António Paulouro, 100 Anos Depois», e organizou a antologia «António Paulouro, As Palavras e as Causas» (Editora A.23, 2016). Acaba de publicar o
romance «Fellini na Praça Velha».
Rosa Neves antecipou para os presentes a sua visão deste
romance:
O título do romance não
poderia estar mais ajustado.
É
o primeiro romance do autor e o primeiro romance sobre a sua cidade natal, o
Fundão.
A acção situa-se no nos finais dos anos 50, início dos anos 60.
«Fellini na Praça Velha» – gira à volta de um café, o Café Aliança, para onde parece convergir toda a agitação da cidade, aliás, o mundo parece ter-se transferido para o Café Aliança, que por sua vez se transforma num microcosmos de um universo de fantasia.
Afinal a atualidade passa toda por ali; ali a urbe chora, conspira, sorri, vive. Por ali, passavam informadores e agentes da Pide que tentavam agarrar suspeitos; suspeitos que por sua vez tentavam enganar a PIDE. À tacanhez dos primeiros contrapunha-se o engenho e a inteligência dos segundos.
Por ali passam tristezas, dramas sociais; alegrias, traições, dúvidas existenciais, tudo, tudo traduzido magistralmente em histórias que se desenrolam com uma fluidez narrativa viciante.
A acção situa-se no nos finais dos anos 50, início dos anos 60.
«Fellini na Praça Velha» – gira à volta de um café, o Café Aliança, para onde parece convergir toda a agitação da cidade, aliás, o mundo parece ter-se transferido para o Café Aliança, que por sua vez se transforma num microcosmos de um universo de fantasia.
Afinal a atualidade passa toda por ali; ali a urbe chora, conspira, sorri, vive. Por ali, passavam informadores e agentes da Pide que tentavam agarrar suspeitos; suspeitos que por sua vez tentavam enganar a PIDE. À tacanhez dos primeiros contrapunha-se o engenho e a inteligência dos segundos.
Por ali passam tristezas, dramas sociais; alegrias, traições, dúvidas existenciais, tudo, tudo traduzido magistralmente em histórias que se desenrolam com uma fluidez narrativa viciante.
O
tempo cronológico do romance coincide com a infância de Fernando Paulouro Neves
e embora seja omisso em toda a narrativa, foi ele que através da observação
atenta e crítica, ou através da audição de histórias e estórias, guardou no seu
próprio tempo mental uma dinâmica social que agora preserva e imortaliza neste
romance.
A
galeria de figuras (e de situações) que ora vão saindo ora vão entrando no Café
Aliança são perturbadoramente singulares, ora na perspicácia, ora na
ingenuidade. Fernando Paulouro guardou-os todos e agora fê-los desfilar na
Praça Velha.
Timã – figura principal
– O tio Armando Paulouro – divertido, maroto, inteligente, às vezes
mentiroso descarado, vai distribuindo sopapos tanto em pobres de espírito como
em ricos de carteira…
O Zé Palhaço – intrigado com a interior da televisão, jurou fazer
sair à martelada todos os que se escondiam lá dentro… e se bem o pensou melhor
o fez…
A Fan Fan – o curioso lá da urbe…
Gregória – a velha cigana…
Dr. Vermelhinho – com a mania que ninguém gostava dele… ensaiou a
própria morte…
O Zé Pessoa – tipógrafo que
tinha o melhor cuspo do mundo…
Irene – com olhos altamente perigosos, partia corações.
Fumava. Era cobiçada por todos, deu-lhes um grande desgosto e
aventurou-se à vida em Lisboa…
Morgadinho – o morto vivo mais contente lá do sítio, que
passeava na avenida, quando já o Timã o tinha dado, ao Arouca, por morto e bem
enterrado …
Pelingrino – exímio assobiador sem descanso da única melodia que
sabia: a raspa.
Mestre Jairinho – que acha que a música é o centro do mundo…
Carlinhos Piparote – que
entre uma aflição intestinal e uma ginástica acrobática para evitar sentar-se
na sanita, por causa dos micróbios, consegue destruir todo um WC e sair de lá
ileso, devido à sua (segundo ele) grande calma…
O
boémio rico João Tem Tudo…
Joaquim Judeu – o último
judeu do Fundão.
Senhor Taborda – Excelente farmacêutico que inventa bolinhos de
bacalhau com estriquinina (para evitar uma morte violenta e dolorosa aos cães
vadios) mas que vão parar à boca do
Senhor Cacanheira que é o esfomeado mais esfomeado do mundo e leva o tempo a
seguir os cheiros da culinária caseira, portanto, só pelo cheiro, quando chega ao Café Aliança, faz o relatório
completo do que vai ser o almoço dos fundanenses…
Composto
por estas e tantas outras figuras tão expressivas, «Fellini na Praça Velha» é, sobretudo, uma
memória à imagem coletiva de uma cidade que encontra nas suas particularidades
a forma de se manter sã e resistente.
Desde
a ditadura, a fome, a falta de mão-de-obra para apanhar as cerejas e as
azeitonas, os amores clandestinos, os desgostos, as pequenas felicidades coletivas
ou individuais, tudo passa pelo Café Aliança.
No capítulo 3,
As cerejas e a
França - mesmo no registo de romance, Fernando
Paulouro não consegue despir-se da pele de jornalista de causas, dando aqui
especial atenção à saga dos emigrantes dos anos 60, ilustrando-a com episódios
de viagens a salto rumo à terra da esperança, que, para muitos, deu lugar
à morte em desfiladeiros dos Pirenéus e com a referência à carta de Maria
da Conceição Tina, a “pequena portuguesa” fotografada por Gérald Bloncourt, nos
anos 60, num bidonville, em Paris.
Fernando Paulouro também fez neste livro um inventário de saberes,
de profissões, de rituais, de palavras. É de salientar que nas entrelinhas de
cada página lê-se o palpitar de sotaques tão típicos da Beira, ou frases tão
deliciosas como “um salsifré do catrino”…
Assim, através de uma narrativa fluida, mas ardilosamente sábia e
sedutora, Fernando Paulouro reservou para cada leitor uma mesa no Café Aliança,
com vista para a Praça Velha...
Deixando Fellini na Praça Velha, passámos para a Póvoa da Atalaia
evocando o mundo pessoal e poético de Eugénio de Andrade através do livro «A
Materna Casa da Poesia» (edição Casa da Poesia Eugénio de Andrade/CMF) escrito por
Fernando Paulouro em 2003. Estando esgotado, foi revisto, ampliado e reeditado
em 2016. Esta obra é um verdadeiro hino à dicotómica ligação mãe/terra:
“falar da terra ou da mãe é
falar da mesma coisa. Quando digo mãe, digo terra, quando digo terra, digo mãe.”
Cristina Nobre leu desta obra, com a mesma emoção que o poeta
empresta às palavras, o belo texto de Eugénio de Andrade sobre “As Mães” (p. 22 e 23).
“Café com livros” é um espaço humanístico, social e culturalmente heterogéneo.
Tornou-se, desde sempre, um espaço de criação de diversos laços, onde os livros
são o pretexto maior do encontro. Saber-se, sentir-se, ser-se do “Café com livros” fez uma Tertuliana (que quis manter o anonimato)
agradecer-lhe a existência com a oferta de um tabuleiro cheio de Brisas do Lis por si confeccionadas.
Estas foram, sem dúvida,
as melhores Brisas
do Lis de
sempre! Todos apreciámos, todos agradecemos. Fica um imenso obrigado a quem fez
do seu tempo, do seu trabalho, dos seus recursos, um momento de grande e
despojada partilha, tão grande quanto a timidez e a humildade da Maria da Luz
(que me perdoe a inconfidência!).
Oportunamente, lá estaremos!
Voltamos a encontrar-nos
no dia 25 de Novembro para ouvir o Professor Doutor Jorge Carvalho Arroteia, catedrático
aposentado da Universidade de Aveiro, que nos irá falar sobre a BACIA DO LIS - acção geográfica e
paisagem.
Até lá não recusem
Um
café quente
Um
livro fresco
Uma ideia nova
Texto de Rosa Neves
Fotos de Rui Pascoal e Joaquim Cordeiro Pereira
Edição de Augusto Mota
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