ACTA DA HORA IMPROVÁVEL
1. Antigamente
(a bem dizer, tão antigamente mesmo,
que foi já no século passado do milénio idem), acontecia-me de quando em vez
secretariar reuniões. De professores, primeiro, de redacções jornalísticas,
depois, com algumas de direcção de sociedade filarmónica pelo meio. Parece-me
outra vida, agora. Noutro planeta. Agora que funciono sozinho, resta-me
escrever as actas do que se vozeia nas paragens de autocarro (melhor quando
chove, pois que o quorum humano
jamais resiste a comentar os cântaros que Deus dá ao entorno) e do que se diz nas
filas de hipermercearia, em qualquer sala-de-espera das boas (centro de saúde,
finanças, segurança social, conservatórias), nas assembleias de mirones de
desastres rodoviários – e de preferência nos Cafés de bairro da minha perdição.
Segue-se, pois, a acta apurada a partir das 17h17m do passado dia 31 de Janeiro
no Café C. (O itálico integral da transcrição é de lei, por isso mesmo que
nenhum palavreado nem fraseado algum me pertencem:)
2. Se uma pessoa me engana fora do raio-d’acção
dela, eu tento perceber a pessoa, eu tento ver onde é que me enganei acerca
dela, sim, eu pelo menos posso gabar-me de fazer iss’assim / Se a mãe não te
der dinheiro para ires cortar o cabelo, diz-lhe qu’isto não é daqui-d’el-rey,
qu’isto ainda é Portugal, qu’isto ainda não é o da-mãe-joana / Agora se lhe
disseres que queres-comer-isto-queres-comer-aquilo, então isso
já-me-cheira-a-cavalo, iss’é-qu’é-um’-avaria
/ Quem é aquele?, tem alguma coisa a ver co’ Varela dos Pneus?, pergunto porque
não sei mas se me dizes isso-assim-assim então perfeito, então tudo-à-larga / Levas
c’uma botija de gás em cima qu’é um mimo / ’Tás bom, ó sô Fócsináite? / Menos
uma hora nos Açores / Ele disse Sálvio ou sábio? / Mas olhe / A minha mãe
trabalhava na fiação, mais de quarenta anos de descontos, o algodão punha
aquela coisa na garganta mas também foi das últimas a sair antes d’aquilo
fechar, vá que não vá / Olha, já fostes / Quantos?, setenta-e-seis agora em Julho
que vem / Saber o que a gente sabe até hoje, quem me dera na altura / Graças a
Deus também já tive os meus problemas de saúde até hoje, ind’esta manhã / Um
remate contra as pernas de Ivo Oliveira / Está a ficar frio, mais do q’ontem /
Está-m’alembrar de quando íamos p’la’strada-velha / Esse velhadas fazia vinho
como um carago mas depois também era uma esponja p’ó dele & p’ó dos outros
/ Típico trabalho do deus-me-livre-de-todo-o-mal-ámen / O menos que fez disso
já lá vai um ano / Eles não ’tão tão cois’assim como ’tás p’-aí a d’zer / Daqui
a pouco voltamos para a segunda-parte deste Portugal / Acabam-se os problemas
sem ter de gastar mais dinheiro com preocupações de merda / Superfícies
giratórias são a solução / Disponha agora disso pelo preço duma sandes-d’iscas,
pá / Claro que aquilo é tudo mentira, pá / Zé, já venho, aguenta-m’aí-os
caváis/ Eu pago essa mini, deixe-’star / Agora querias mas era mamar mas não te
deixam / Já vistes? / Era do tempo em que o de cima ia à Universidade / Tchau,
bacano, fica bem / Ui! / Conseguem tudo, o trabalho deve ’tar a aumentar / Ui,
ao poste! S’é p’abrir o circuito com vitrine & arca, n’um vale a pena
arriscar, superfícies giratórias são a solução / Ricardinho / Bola à procura de
Fábio Cecílio / É um peso-pesado, só te digo isso / André Coelho, Cecílio,
Oliveira / Qu’é-qu’-estão aí a fazer os dois?/ Eu conto mas é três / Nesse
aspecto, uma amizade dá para duas ou três vezes / Eu gostei, sou sincero, eu
gostei / Acende a luz da rua, se me fazes o favor / Agora o desvio do manípulo
não é o pior / Qualquer válvula fazia o lugar disso s’isso fosse assim fácil
ma’-n’é! / Então podes-te preparar / Eh lá, calm’aí! / Então e o Porto?, chupa!
/ Vá, até já.
3. E p’ra
tudo isto poder ser nos Açores, só daqui a uma hora.
Edição de Augusto Mota