08/02/2018

Rosário breve

 
 
ACTA   DA     HORA  IMPROVÁVEL

 
 
 
 
 1. Antigamente (a bem dizer, tão antigamente mesmo, que foi já no século passado do milénio idem), acontecia-me de quando em vez secretariar reuniões. De professores, primeiro, de redacções jornalísticas, depois, com algumas de direcção de sociedade filarmónica pelo meio. Parece-me outra vida, agora. Noutro planeta. Agora que funciono sozinho, resta-me escrever as actas do que se vozeia nas paragens de autocarro (melhor quando chove, pois que o quorum humano jamais resiste a comentar os cântaros que Deus dá ao entorno) e do que se diz nas filas de hipermercearia, em qualquer sala-de-espera das boas (centro de saúde, finanças, segurança social, conservatórias), nas assembleias de mirones de desastres rodoviários – e de preferência nos Cafés de bairro da minha perdição. Segue-se, pois, a acta apurada a partir das 17h17m do passado dia 31 de Janeiro no Café C. (O itálico integral da transcrição é de lei, por isso mesmo que nenhum palavreado nem fraseado algum me pertencem:)
 
2.     Se uma pessoa me engana fora do raio-d’acção dela, eu tento perceber a pessoa, eu tento ver onde é que me enganei acerca dela, sim, eu pelo menos posso gabar-me de fazer iss’assim / Se a mãe não te der dinheiro para ires cortar o cabelo, diz-lhe qu’isto não é daqui-d’el-rey, qu’isto ainda é Portugal, qu’isto ainda não é o da-mãe-joana / Agora se lhe disseres que queres-comer-isto-queres-comer-aquilo, então isso já-me-cheira-a-cavalo, iss’é-qu’é-um’-avaria / Quem é aquele?, tem alguma coisa a ver co’ Varela dos Pneus?, pergunto porque não sei mas se me dizes isso-assim-assim então perfeito, então tudo-à-larga / Levas c’uma botija de gás em cima qu’é um mimo / ’Tás bom, ó sô Fócsináite? / Menos uma hora nos Açores / Ele disse Sálvio ou sábio? / Mas olhe / A minha mãe trabalhava na fiação, mais de quarenta anos de descontos, o algodão punha aquela coisa na garganta mas também foi das últimas a sair antes d’aquilo fechar, vá que não vá / Olha, já fostes / Quantos?, setenta-e-seis agora em Julho que vem / Saber o que a gente sabe até hoje, quem me dera na altura / Graças a Deus também já tive os meus problemas de saúde até hoje, ind’esta manhã / Um remate contra as pernas de Ivo Oliveira / Está a ficar frio, mais do q’ontem / Está-m’alembrar de quando íamos p’la’strada-velha / Esse velhadas fazia vinho como um carago mas depois também era uma esponja p’ó dele & p’ó dos outros / Típico trabalho do deus-me-livre-de-todo-o-mal-ámen / O menos que fez disso já lá vai um ano / Eles não ’tão tão cois’assim como ’tás p’-aí a d’zer / Daqui a pouco voltamos para a segunda-parte deste Portugal / Acabam-se os problemas sem ter de gastar mais dinheiro com preocupações de merda / Superfícies giratórias são a solução / Disponha agora disso pelo preço duma sandes-d’iscas, pá / Claro que aquilo é tudo mentira, pá / Zé, já venho, aguenta-m’aí-os caváis/ Eu pago essa mini, deixe-’star / Agora querias mas era mamar mas não te deixam / Já vistes? / Era do tempo em que o de cima ia à Universidade / Tchau, bacano, fica bem / Ui! / Conseguem tudo, o trabalho deve ’tar a aumentar / Ui, ao poste! S’é p’abrir o circuito com vitrine & arca, n’um vale a pena arriscar, superfícies giratórias são a solução / Ricardinho / Bola à procura de Fábio Cecílio / É um peso-pesado, só te digo isso / André Coelho, Cecílio, Oliveira / Qu’é-qu’-estão aí a fazer os dois?/ Eu conto mas é três / Nesse aspecto, uma amizade dá para duas ou três vezes / Eu gostei, sou sincero, eu gostei / Acende a luz da rua, se me fazes o favor / Agora o desvio do manípulo não é o pior / Qualquer válvula fazia o lugar disso s’isso fosse assim fácil ma’-n’é! / Então podes-te preparar / Eh lá, calm’aí! / Então e o Porto?, chupa! / Vá, até já.
 
3.      E p’ra tudo isto poder ser nos Açores, só daqui a uma hora.
 
  
 
 
 
 
Crónica de Daniel Abrunheiro, in «O Ribatejo», 8 de Fevereiro 2018
 
Edição de Augusto Mota

  

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