08/07/2013

Litania de Sombra



 




LITANIA DE SOMBRA
 
Não perguntem nada: nós estamos dentro
do aro de frio, no frio do muro,
tão longe da feira do Tempo!
Não perguntem nada.
                                  Nós estamos mudos.

Puseram açaimes nas ventas do vento,
ergueram  açudes nas águas do mar...
Não perguntem nada: nós estamos dentro,
ou fora de tudo.
                          Não perguntem nada.

Tumulto na estrada? O bicho na concha.
Miséria na casa? O farol na montra.
Não perguntem nada, não perguntem nada:
há sempre gládios
                             a ríspida sombra.

Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.
                              E talvez perdidos.





David Mourão-Ferreira, in Canto IV de «OS QUATRO CANTOS DO TEMPO» (1953-1958)






Fotos: Augusto Mota / teias de aranha orvalhadas (com manipulação cromática)


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