UTOPIA LAMENTOSA
A minha utopia é a de um País cujos bombeiros só
fossem precisos para tirar da árvore o gato que a ela subiu para desespero da
viúva que tanto o mima.
Agosto ardeu já de ponta a ponta. Queimou
combatentes que precisavam só de ter juízo, de ficar em casa com a família, de
deixar arder os outros e o que é dos outros. Morreram uns tantos? Não faz,
parece, mal: vamos continuar a ter futebol distrital.
A minha isotopia é a de um Portugal que quisesse
chamar-se Mar-Pinhal. Uma longa horta de litorais 860 quilómetros. Um que
plantasse sardinhas e pescasse tomate. Um que não permitisse à hidra do
capitalismo a transformação de searas em campos de golfe. Um que, em vez de
amestrar, educasse quem nasce. E que cuidasse de quem, por culpa inocente dos muitos
anos, des-nasce sem amparo nem remédio.
Agosto é o nosso carnaval em chamas. Até aqui,
era só um mês parolo, uma jornada bailada em calão, uma temporada pimba,
papalva, quase inocente. Já não é só isso. Agora é também uma época mortífera.
Parece uma telenovela fatal, a que acresce a “fatalidade” intolerável do
calendário.
A minha utopia portuguesa é a de erradicar de
uma vez para sempre o mês de Agosto. Baniríamos para sempre a crise, passando
directamente de Julho a Setembro. Pensando em profundidade, aliás, nem de Julho
precisaríamos. Ficávamos só com Junho, cujo Inventário
foi escrito por Teixeira Gomes, elegante e nosso esquecido Presidente da
República. Maio? Longe com ele: nasci num. Abril? Memória nenhuma e respeito
nenhum, meu capitão Salgueiro Maia. Março? Nem com bagaço. Fevereiro? Adeus,
atoleiro. Janeiro? Acabado, como o
professor que antologiava as lendas da Primária no tempo em que se lia nas
escolas. E nenhum Natal e nenhum Novembro por causa de tão infiel e tão defunto
e nenhum Outubro.
A minha utopia é a dos oito bombeiros, entre
rapazes, homens e raparigas, voltarem para casa a tempo de um País que nem de
meses precisasse para estar a tempo de si mesmo.
No entretanto, também a democracia para que fui
educado arde. Chega a ser desopilante, a anti-PIDE do tudo-à-mostra: a carcaça
da corrupção, o Cavaco nas Selvagens a fazer de Vasco da Gama, os fatos
Armani-Sócrates dos comentadores tipo Judite/Seara, a exuberante inteligência
do CR7 pelo menos naquilo da Irina. Mas os bombeiros, os bombeiros…
Prefiro o gato da viúva, gozão, em cima do
choupo. Sei do que falo: sou marido de bombeira, pelo que tive um mau mês.
Muito mau. Mas para o ano há mais, bem no sei.
Crónica de Daniel Abrunheiro in «O Ribatejo», de 12 de Setembro de 2013.
Foto: Augusto Mota
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