editado por augusto mota
25/04/2014
24/04/2014
2. Décimas ao 25 de Abril
MOTE
Era Abril, de madrugada,
Alguém gemeu no escuro –Uma mulher revoltada
Dava à luz o futuro.
I
Era
o sono tão profundo
Duma Pátria que dormia
Ao peso da tirania
E de costas para o mundo;
Era o pântano imundo
Em que vivia atolada,
Era a senha segredada
Da revolta não contida,
Começo de nova vida,
Era Abril, de madrugada.
II
Disseram: “Revolução”,
E a palavra foi passando –
Perguntava o povo: “Quando?”
“Quando ouvires a canção.
Presta, pois, muita atenção;
Pela Pátria livre te juro,
Vamos derrubar o muro!”
E, de repente, calou-se –
Ali perto, com voz doce,
Alguém gemeu no escuro.
III
Ninguém sabia quem era,
Mas o som vinha de perto,
De um vulto meio encoberto
Plas flores da Primavera.
Sem temer homem ou fera,
Ali estava ela deitada,
Ao clarão da madrugada
Que cobria a terra de ouro,
Entre a alegria e o choro,
Uma mulher revoltada.
IV
Oh! mas que parto tão lindo
Entre flores e gente amiga!
“É rapaz ou rapariga?” –
Seja quem for, vem sorrindo.
Cessa o choro, e um canto infindo
No ar da manhã tão puro
Vai crescer firme e seguro.
E ela, feliz, agora
Sorrindo prà nova aurora,
Dava à luz o futuro.
António Simões
editado por augusto mota
1. Décimas ao 25 de Abril
MOTE
Na manhã de vinte e cinco,
Chegas de cravo na mão:
- A porta está
só no trinco,
Podes entrar, Revolução.
I
Ó pátria triste e demente
Da mais longa ditadura,
O povo já não te atura,
Vamos pôr tudo diferente,
Varrer daqui essa gente,
Ter nossa terra num brinco.
Lutaremos com afinco,
Limparemos chão e ar,
Pois tudo irá mudar
Na manhã de vinte e cinco.
II
Donde vieste não sei,
Foi de bem longe, decerto,
Era floresta ou deserto,
Alguma terra sem lei,
Ou um presidente ou rei
Governava essa nação;
Donde vieste, dirão
Os que sabem mais que eu –
Foi essa flor que os venceu:
Chegas de cravo na mão.
III
Mais forte que a forte arma,
O perfume dessa flor,
E também a sua cor,
Os opressores desarma –
E na ponta da espingarda
Um cravo abre caminho
Com esse vermelho retinto
Que dá cor à madrugada:
Entra, que vens atrasada,
A porta está só no trinco.
IV
Temos já a casa pronta,
Esperando tua visita,
Para o povo ter a dita
De viver sem mais afronta;
Só com ele próprio conta
E os que ao seu lado estão;
Tem o futuro na mão
E teus passos já pressente –
Espera-te impaciente,
Podes entrar, Revolução.
António Simões
editado por augusto mota
Rosário breve
Em nome do
Pai
No dia 24 de Abril de 1994, o meu Pai morreu.
Sepultámo-lo no dia seguinte, faziam vinte anos
os Cravos salgueiromaios. É duro escrever sobre esses dois amados cadáveres: o de um Pai que não volta e o de uma Revolução que não chegou a vir.
Tantos (demasiados) anos depois, ainda hoje me volto para trás quando aos balcões me dizem Senhor Daniel: microesperança de ser a ele que falam, não a mim. Cumpre-me ser, ao menos em nome, a sombra do que ele foi: em nome dele, com o nome dele.
À limpa e clara figura paterna minha, aponho, sem filial desvio, a clara e limpa figura de Salgueiro Maia, esse navegador da madrugada que branqueou uma noite velha de quase meio século com a autoridade terratenente exclusiva daquele tipo de homem que todos os homens querem ser quando forem homens.
Que Vos dizer do senhor meu Pai? Não muita coisa. Que foi um primoroso pintor cerâmico anónimo. Que se salvou mercê do casamento vitalício com a mulher perpétua da vida dele.
Que com ela engendrou sete filhos, dentre os que um se lembrou de acabar aos 31 anos, estilhaçando-lhe irreversivelmente o coração em cada dia dos oito invernos que conseguiu sobreviver-lhe.
E que dizer do senhor capitão Salgueiro Maia que os senhores Carlos Beato e Armando Fernandes Vos mais e tão bem não tenham já dito, na pretérita edição de O Ribatejo e em páginas notáveis que são de guardar no bolso da camisa do lado do coração? Como, sem pretensões tolas, acrescentar seja o que for aos ditos & feitos dos rapazes Beato e Fernandes? Nada, pois que nada sou à beira deles.
À beira de meu Pai, todavia, alguma coisa fui.
Alguém a quem o meu Velhote quis dar o 25 de Abril como quem dá o pão e a mão.
Alguém a quem a Liberdade (pelo menos essa que uso aos balcões do beb’esquecimento) tratasse por Senhor Daniel sem me fazer precisar de voltar-me para trás.
Para a frente, sim – que é onde e quando os Cravos devem, nascendo de vez mas agora a sério, fazer (mais) anos.
Crónicade Daniel Abrunheiro, in «O Ribatejo», 24 de Abril de 2014
Foto de Augusto Mota, em 24 de Abril de 2014
22/04/2014
Bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Pedalo nas palavras atravesso as cidades
bato às portas das casas e vêm homens espantados
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Vem gente para a rua a ver a novidade
como se fosse a chegada
do João que foi à Índia
e era o moço mais galante
que havia nas redondezas.
Eu não sou o João que foi à Índia
mas trago todos os soldados que partiram
e as cartas que não escreveram
e as saudades que tiveram
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Desde o Minho ao Algarve
eu vou pelos caminhos.
E vêm homens perguntar se houve milagre
perguntam pela chuva que já tarda
perguntam pelos filhos que foram à guerra
perguntam pelo sol perguntam pela vida
e vêm homens espantados às janelas
ouvir o meu recado ouvir minha canção.
Porque eu trago notícias de todos os filhos
eu trago a chuva e o sol e a promessa dos trigos
e um cesto carregado de vindima
eu trago a vida
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Manuel Alegre, in «Praça da Canção», 1965
19/04/2014
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