Nos últimos anos tem sido divulgado em Portugal um tipo de prosa diferente da que já conhecíamos. Trata-se da "mini-ficção", muito em voga nos Países de língua castelhana. É, diz Alberto Pimenta, "talvez nessa forma que este espaço cultural melhor acolheu o pós-modernismo, com a sua desconstrução dos grandes fôlegos e das grandes teses; os tempos tornaram-se também avaros de si mesmos, e a rectórica, como se sabe, está desacreditada".
Augusto Mota cultiva esta ficção breve com a mestria que lhe é própria, alicerçada na vasta cultura acumulada ao longo de uma vida diversificada por múltiplos interesses. A sua arte e saber não se esgotam na pintura, na banda desenhada, na poesia, na fotografia, na sensibilidade ecológica e no prazer das pequenas coisas que cultiva como "jardineiro-filósofo", na feliz definição de Alberto Pimenta, no Vestíbulo deste livro.
"Sujeito Indeterminado" assinala o regresso de Mota à escrita impressa, com um "breviário de textos brevíssimos", alguns dos quais já conhecíamos da navegação na Internet. Ainda bem que o fez, porque não há nenhum suporte que chegue à maravilha da palavra impressa sob a forma táctil de livro.
"Perturbador" é a primeira constatação que retiro destes 65 textos que instalam a desordem no pensamento do leitor incauto. Desestruturadores, eles lançam pistas para novas e divergentes leituras, além das que lá estão visíveis em prosa sugestiva e irrepreensível.
Prosas desconcertantes, pois, apresenta-nos este autor leiriense.
Nada melhor que acabar esta nota transrevendo um texto ao acaso: "Era fã da Bo Derek e tinha grande experiência do ofício. Podava as árvores ao som do Bolero de Ravel. Por isso os frutos saíam tão suculentos e apetitosos".
"Sujeito Indeterminado", livro que se devora num fôlego único, só pode ser surpresa para quem desconhece as virtudes do autor, igualmente responsável pelo belo aspecto gráfico deste "breviário".
Por agora o tempo é de fruição do que temos nas nossas mãos. Orlando Cardoso.
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