"-Nasciam folhas de ouro se alguém,
sorrindo, respirasse."
-Herberto Helder.
Respirava a inocência, a mecânica celeste, uma camélia
entre as mãos.Loucos eram os animais esvaziando o crepúsculo.
Fluíam escarpados cinzéis,
os violoncelos nocturnos inundando a cabeça
e a lua excêntrica crescia, sobre os nós desfeitos. Todo o silêncio irradiava paisagens coaguladas,
geografias de luz cruzando a permanente vertigem. Na beleza abrupta, eu era única e autêntica, como um fruto,
e descia pelo sangue tumultuado que circulava pelo éter,
na luz das figuras enraivecidas. Na flor desordenada, nada como esquecer-me,
nos fluidos arquipélagos,
e precipitar-me na natureza, nos seus ramos vivos
que queimam e jorram o mel, por cima do coração. Eu era enfática, como uma paisagem.
E os lírios tocavam-me, com a sua beleza lívida, elevada
entre os frutos e os malmequeres,
e tinham voz, os lírios e um corpo acelerando,
ao ritmo das musas que se contraem, na sua letargia
de ouro, e olhos que sorriem, como lacunas verdes. A voz de Deus descia das suas abóbodas densas,
lavrando os seus pelimpsestos luminosos de luz e indiferença.
Nas oscilações do corpo, a aurora manobrava o acaso.
Nas ressonâncias íntimas, o ouro soerguia-se
e o incenso queimava, no seu hálito branco. Metida dentro do seu corpo, dizia para mim:
-Nada me confunde. Sou uma estrela petrificada.
E num arrebatado terror respirava. O tempo ardia, urdindo, nas suas membranas de sangue
e absinto, uma haste desnuda, uma semente isolada,
uma corola lentíssima,
flor desordenada, pelo luar selvagem.
Maria do Sameiro Barroso, inédito, in "Idades Sonâmbulas".
4 comentários:
O retorno da nobre Senhora.
Um abraço, Maria!
Um beijo para adoçar logo após o jantar, Maria do Sameiro.
Um beijo, Maria do Sameiro!
E vamos de madrugada em madrugada queimando as pálpebras nos poemas que pelo caminho vamos encontrando.
Um hino maior à POESIA.
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