06/02/2006

Quando é que o vento te levanta no ar?

O teu problema é ainda o peso -
Tolhe-te os passos, os voos;
Os braços de chumbo tombam
Para o chão; o penedo da voz,
Sempre que falas,
É duro como o granito -
tudo isso pesa, pesa demais,
Para ascenderes ao alto,
Lá onde as fibras subtis do vento
Tecem os tules, as ténues neblinas
Com que se enredoma a manhã.
Há ainda essas tuas pernas de basalto,
Esse teu coração pesado de tanta dor,
Os olhos onde as lágrimas
São de lava incandescente
Que te irrompe das entranhas -
Não sabes como irás sobreviver,
Mas talvez ajude saber
Que aquela que te deixou para sempre,
Aquela cujas cinzas
Espalhaste para dentro da terra,
Está à tua espera numa curva do tempo,
Numa curva do sonho,
Para te levar consigo
Para o prometido regaço dos deuses.
Vá, senta-te à porta da tarde,
E deixa que o rumor das vozes crepusculares
Dos que regressam a casa famintos de ternura,
E os ruídos da terra,
E de todos os seres que se preparam
Para mergulhar na noite,
Te envolvam corpo e alma -
E aligeirando-te essa dor infinita,
Encontres no perfume
Das rosas que perto te inebriam,
O impulso decisivo para que ascendas no ar
E regresses ao amado coração de tua filha.
António Simões, inédito, 2002.

5 comentários:

Anónimo disse...

Um poema escrito em forma de soluço, quando o Poeta sofre. Então, a sua alma envolve-se no canto maior dos corações exangues. Mas o seu lugar, Poeta, é aqui, entre os mortais, expurgando a sua dor de uma forma superior.
Um abraço comovido, meu Amigo!

Anónimo disse...

Às vezes é necessário escrever. Soltar os fantasmas e deixar que as nossas feridas maiores se transformem em belíssimos poemas. Então, é posível fazer a catarse. É a sublimação da dor, num reflexo que só os Poetas e as almas sensíveis são capazes de captar e imortalizar.
Bem vindo, no entanto, ao Clube dos Poetas Vivos, António Simões.

Anónimo disse...

É este corpo pesado que nos amarra à terra, que tem um instinto vindo das origens da vida - o de regenerar a dor em sobrevivência; é este corpo com os seus 5 sentidos que despertam e agitam a memória ; é este corpo que nos mantém em vida, mesmo quando a alma dói e se senta no chão do caminho, não querendo caminhar mais ; é este corpo que a levanta e chorando as tais lavas de fogo, nos mantém à espera do reencontro.
Um abraço “muito” solidário, António Simões.

Anónimo disse...

Deixe juntar o meu abraço ao grito maior que de sua alma se solta. É, no entanto, assim. Na rudeza do caminho também vamos encontrando as alegrias que nos fazem seguir em frente, recordando, em alegria, todos os nossos entes queridos.
Um abraço, Poeta!

Anónimo disse...

"O verdadeiro amigo é aquele que chega quando o resto do mundo já se foi".
Um abraço apertado, Contra-Almirante!