Valeu a pena tanto labor e tanta espera, sem desesperar. Foi mesmo ao anoitecer, quando as árvores e as recordações se confundem, que descemos ao jardim, mas só vimos vultos. Aspirámos, porém, o aroma quente das flores da Magnolia soulangiana nigra e colhemos ainda dois botões que em nossas mãos abriram o segredo das suas pétalas negras e uma fragrância nova envolveu a noite e o cansaço da espera. Para alívio de tanto mal esfregámos, uma a uma, todas as pétalas no rosto e nos olhos doridos, como se tão caseira mezinha fosse a cura há muito ansiada. Tão bela recordação, pelo menos, irá aliviar o sono e, hoje, já poderemos fechar as mãos e dormir descansados sobre o segredo do perfume que envolveu todos os gestos. Do perfume da esperança que um dia semeámos num canteiro do jardim, debaixo da magnólia, esperamos, pelo menos, a coragem para atravessar a aridez das paisagens que ainda povoam as rotas da noite e a madrugada de alguns dias. Depois de amanhã repetiremos os gestos largos e seguros de quem semeia de lanço sobre a terra lavrada de fresco e das sementes, assim lançadas a esmo, hão-de germinar novas intenções e frutos saborosos que colheremos na estação própria. Talvez lá para o fim do Estio. Augusto Mota, inédito, in "Geografia do Prazer", 2000.
5 comentários:
« a coragem para atravessar a aridez das paisagens que ainda povoam as rotas da noite e a madrugada de alguns dias.»
É com emoção que leio estas palavras inéditas, pois sei bem quanto custa perdermo-nos sozinhos nas “rotas” das noites e inventar a vida em cada madrugada.
E valem-nos as lembranças, porque são boas e sãs, para nos ajudarem a inventar uma esperança no ámanhã que já foi.
Um abraço amigo,
fsm
Apesar do desalento, há neste belíssimo texto uma fortíssima esperança no amanhã.
É muito bom sentir, em cada página, essa boa nova.
É necessário renascer, mesmo antes do fim do Estio.
Essa entrada é para os políticos. Nós os simples mortais, levantamo-nos, logo, no dia seguinte.
Que remédio!!!!
bom!
quem deveria comentar ,mais uma vez ,os comentários seria o Almirante ,como autor que é do texto publicado ... mas ,também ,mais uma vez ,o nosso Almirante ,velejando à bolina ,passou ao largo ,sem tempo ,para tais propósitos ... cabe ,assim ,a este grumete de convés fazê-lo ,com todos os defeitos inerentes à sua humilde condição ...
assim ,um beijinho muito grato ,Fernanda ,porque a saudade vale como um bem maior quando perspectivada ...
pela tripulação!
como a verdade ,às vezes ,magoa
mas há sempre um amanhã sem rentrée ,felizmente!!!!
eheheheheheheeh
um beijo ,Manuel
Belissimo e como sou uma apaixonada por magnólias e palavras levo as duas comigo.
beijos
della-porther
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