03/09/2007

Dizendo




Nas veias remotas do rosto do descampado,
no branco véu oculto, nas pedras , na sede
ou na água do próprio gado
está outro deus presente,
talvez do mar profundo
a ressomar no retolhado.

Nunca pronunciei bem certas palavras -
sempre traído pela escuridão fonética
das espadas da minha fala

digo castelo
e de guerreiro fiel ao dizê-lo,
visto à espreita no vale a minha pele
digo cruz ,digo rei
digo magoada solidão
e nela a cruz da mulher da grei

o deus nos olhos é de mágoa
as preces longínquas nas estradas
são de água

digo desembainhada espada,
o mesmo é dizer uma flor branca,
saída do colo de uma princesa perdida

digo sal e uma barca salta dos dedos
aos olhos do guerreiro
escondido, atento ao rio

nunca pronunciei bem certas palavras -
sempre traído pela escuridão fonética
das espadas na minha fala
a ver rezar:
- à outra, à mesma ou à sobreposta pedra
in a celebração dos dias

José Marto, inédito.
Fotografias de Augusto Mota.




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