procuravas as palavras mais simples,
as palavras simples como as coisas,
que cantassem e rissem
e caíssem das árvores como as folhas;
as palavras que pudesses trazer presas nos dedos
e libertasses ao encontro dos outros,
como essas que pões na mesa
e repartes com tua mulher
e acariciam teus filhos;
procuravas talvez uma ou duas
que devolvessem a teus olhos claros
a perdida harmonia
e, fáceis e redondas,
rolassem pelas colinas da tarde inquieta,
rolassem até onde o canto da noite
aguarda a sua vez de soprar sonhos e estrelas
nos nossos ouvidos;
e regressassem depois em árvores lúcidas
onde nossos braços crescessem e se alongassem -
palavras sabendo a pão e coragem,
visita ou carta de alguém muito querido;
palavras que pudesses afeiçoar
com plaina e formão,
e as polisses ( ou deixasses por polir ),
e como pedras lisas ( ou ásperas )
as empilhasses no coração da Hora,
e evidentes as mostrasses e as desses,
e a quem procurasse o significado de tudo isto,
dissesses simplesmente:
estou a comunicar contigo
e a minha circunstância,
desci da minha ilha
pela escada do poema,
e estendo-te as minhas mãos-palavras,
meu coração visível
aberto ao teu.
António Simões, poema inédito, 1969
Textos Transversais de Augusto Mota.
4 comentários:
e não para dizer.
só sentir.
É isso mesmo ! As palavras, nestes casos, são mais para sentir do que para dizer. Dizê-las é, por vezes, atraiçoar os valores e as valências que o leitor, em cada momento, lhes queira dar. Até a mim mesmo elas atraiçoam, ao dobrar a esquina do meu próprio silêncio!...
augusto mota
... e a angústia de não "sentir" a palavra certa para traduzir a dor do silêncio sem o acordar ! E continuar no silêncio, para que a palavra não se desvirtue. E o "sentir" transforma o silêncio em palavra.
Como gostei de voltar a encontrar aqui as palavras de António Simões !
Este é um grande poema ! cai certo no meu dizer ...
abraço marinheiro
jrm
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