Foram inauguradas no passado Sábado, 10 de Dezembro, pelas 15 horas, no Museu Municipal Santos Rocha, na Figueira da Foz, as exposições «A ARTE NOVA nos azulejos em Portugal», da colecção do Engº Feliciano David, e «APONTAMENTOS ARTE NOVA», fotos a cores do Arquivo Municipal da Figueira da Foz dos vários exemplos desta Arte, que naquela cidade, têm resistido à incúria e à destruição, graças aos incentivos da Câmara Municipal, trabalhos que ainda podem hoje ser admirados nos edifícios onde foram incialmente aplicados, principalmente na zona do chamado Bairro Novo.
À direita, o Presidente da Câmara Municipal proferindo as palavras
com que deu início à abertura desta mostra de azulejaria
Arte Nova. À esquerda, o Engº Feliciano David
e, ao centro, o casal que comissariou esta
exposição: a Drª Isabel Almasqué
e o Dr. A.J.Barros Veloso.
O Presidente da Câmara, Dr. João Ataíde, ladeado pela Drª Isabel
Almasqué e pelo Vereador da Cultura, Dr. António Tavares,
prestes a concluir as suas palavras de abertura da mostra.
A visita à exposição foi precedida por breves palavras do Presidente da Câmara, a que se seguiu uma intervenção do Dr.Jorge Veloso, um dos comissários desta mostra, terminando o acto inaugural com o Engº Feliciano David a agradecer à Câmara Municipal e ao Museu a disponibilidade demonstrada para acolher esta sua colecção temática, pois ficando acessível ao público, ela se torna didáctica, ficando, assim, plenamente justificada a sua paixão de investigador e coleccionador da arte azulejar.
Esta exposição, que iniciou a sua itinerância no Museu Municipal de Aveiro, no passado mês de Julho, permanecerá na Figueira da Foz até 10 de Março de 2012.
O Engº Feliciano David e os comissários desta sua exposição.
O Engº Feliciano David falando da sua paixão pela azulejaria e
agradecendo à edilidade a colaboração prestada pelo
Museu na montagem desta sua exposição.
COLECCIONAR PARA PRESERVAR
(...)
"Apesar de em Portugal, o movimento Arte Nova não ter tido uma presença muito significativa foi no domínio da azulejaria que ele mais se afirmou e deixou a sua marca, assumindo no contexto europeu, uma expressão muito relevante pela diversidade, elevado número e dimensão das peças produzidas. E, no entanto, a sua importância não tem sido valorizada no nosso país e só há poucos anos algumas medidas foram tomadas com vista à sua salvaguarda e divulgação, nomeadamente em Aveiro e Figueira da Foz.
Primeiros visitantes da exposição
E decorrido cerca de um século sobre o período da sua produção sem que tenha tido lugar, no nosso País, uma exposição a ela dedicada pareceu-me oportuna a sua realização. A exposição que inclui cerca de 1400 azulejos portugueses e 190 estrangeiros, assume um carácter itinerante percorrendo algumas das cidades que aderiram à Rede Nacional de Municípios Arte Nova, tendo começado por Aveiro, em Julho, na Figueira da Foz hoje e em Loures em Maio de 2012.
Por último, cumpre-me expressar os maiores agradecimentos:
Ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Dr. João Ataíde, ao Vereador da Cultura, Dr. António Tavares e a toda a equipa do Museu Municipal Santos Rocha.
O Dr. Barros Veloso dando um esclarecimento oportuno
sobre uma peça exposta.
Ao Dr. A. J. Barros Veloso e à Drª Isabel Almasqué por terem aceite o convite que lhes formulei para comissariarem esta exposição, por entender que são os melhores especialistas nesta tipologia azulejar, tendo-a valorizado com a sua competência."
Feliciano David,
in «Desdobrável» editado pelo Museu Municipal Santos Rocha.
A FIGUEIRA DA FOZ E A ARTE NOVA
"Apurada e com afinação de pormenor, a Arte Nova aparece entre nós como apontamento ornamental e decorativo de uma estrutura arquitectónica tradicional. Por esta razão, é comum a observação de que a Arte Nova é subsidiária duma tradição já enraizada à qual faltava alguma exuberância.
Estes apontamentos, nos edifícios, surgem nos portões e nas varandas, nos relevos das fachadas, nas molduras das portas e janelas, no uso do azulejo e do ferro. O início do século passado ficou com esta marca, que cultivou até à década de vinte, altura em que se propende para motivos de maior simplicidade, dando lugar à chamada Art Déco que também está devidamente representada no chamado Bairro Novo de Santa Catarina.
Rodrigo Freitas troca impressões com o Vereador da Cultura
e com Inês Pinto.
A Figueira da Foz integra a Rede Nacional de Municípios Arte Nova, criada em 2006 através da assinatura do Plano de Cooperação Arte Nova. Da Rede fazem parte cidades como Aveiro, Caldas da Rainha, Cascais, Estarreja, Ílhavo, Leiria, Lisboa, Loures, Porto e Vila Nova de Gaia.
Dulcina de Sousa, Rodrigo Freitas, Inês Pinto e o Dr. António
Tavares, Vereador da Cultura, posam para memória futura.
A Rede e o Plano têm em vista concertar políticas no âmbito da intervenção no património Arte Nova, contribuir para a sua divulgação, desenvolver intercâmbios, bem como preservar e incentivar o turismo nas cidades participantes.
Está, assim, justificada a presente exposição, que de certo contribuirá para um melhor conhecimento deste vasto e valioso património histórico e arquitectónico."
António Tavares, Vereador da Cultura, in «Desdobrável» editado pelo Museu Municipal Santos Rocha.
Do catálogo da exposição em Aveiro transcrevemos, com os devidos agradecimentos, partes da introdução e a totalidade do capítulo motivos decorativos, textos da autoria dos especialistas em Arte Nova e Comissários desta exposição itinerante, Dr. Barros Veloso e Drª Isabel Almasqué.
Deste catálogo reproduzimos, apenas, os textos que julgamos poderem ajudar melhor os visitantes deste Palácio das Varandas, pouco familiarizados com as características peculiares desta arte e técnicas azulejares, a fazerem aqui uma primeira abordagem mais consistente, esperando que tal os venha a incitar não só a visitar esta bela exposição, mas também a descobrir, no meio onde vivem, obras desta época – e não só azulejos! – que, por razões várias, possam correr o perigo de se perderem para sempre.
INTRODUÇÃO
"A Arte Nova foi a expressão pela qual ficou conhecida em Portugal a corrente artística que surgiu na Europa nos finais do século XIX.
O termo original, Art Nouveau, teve origem no nome que o negociante de arte alemão Siegfried Samuel Bing, deu à galeria que abriu em Paris, em 1895, “La Maison de l’Art Nouveau”. Apesar da sua rápida ascensão e da sua curta duração, este movimento viria a ter uma influência decisiva em toda a produção artística de uma época marcada por profundas mudanças económicas e sociais relacionadas com a Revolução Industrial.
Baseada na recusa dos estilos históricos e na procura de uma nova linguagem, a Arte Nova abriu caminho a novas correntes estéticas e provocou uma mudança de atitude em relação à arte em geral."
(...) in p.15.
Em cima: Friso com motivos florais estilizados. Estampilha manual
Fábrica das Devesas.
Em baixo: Friso com motivos florais em forma de festões
e Flor de Lis estilizada. Estampilha manual.
Fábrica das Devesas.
"Estava-se então numa época em que a maioria das obras de arte era executada por artistas conservadores, de formação académica, que procuravam imitar os grandes mestres clássicos, produzindo peças “pastiche” de cariz neo-gótico, neo-renascentista ou neo-barroco, destinadas ao gosto de uma burguesia emergente, com crescente poder de compra. Por outro lado, o desenvolvimento industrial e comercial e a consequente facilidade da produção em série de grande número de objectos utilitários, tinha provocado um decréscimo da qualidade artística e uma desvalorização da produção artesanal.
Frontão com motivos florais. Pintura à mão. Fábrica Constância.
Foi neste contexto que a Arte Nova apareceu como um estilo alegadamente moderno (daí a designação de “modernismo” que teve nalguns países) que se opunha ao carácter revivalista e académico das correntes artísticas tradicionais, na tentativa de conciliar a produção mecanizada com a qualidade estética dos objectos produzidos.
Era o início de um longo caminho de luta pela reabilitação da artes decorativas e pela sua equiparação às chamadas artes maiores, ou Belas Artes, que viria mais tarde a dar origem a uma nova forma de produção artística denominada “design”.
O Presidente da Câmara Municipal troca impressões com o
Dr. Barros Veloso, um dos comissários desta exposição.
Os elementos essenciais da gramática Arte Nova residem na rejeição do naturalismo e da volumetria, na estilização dos desenhos, na valorização da assimetria e na sugestão de ritmo e movimento através da utilização de linhas sinuosas, as “linhas em chicote”. A natureza vai ser a principal fonte de inspiração da sua linguagem estética. Lírios, amores perfeitos, papoilas, nenúfares, girassóis e muitos outros elementos da flora, são representados de maneira estilizada, frequentemente dispostos ao longo de linhas sinuosas.
O mundo das aves e dos insectos está também amplamente representado através de borboletas, libélulas, pavões, cisnes, patos ou andorinhas. Paradigma da sensualidade, também a figura feminina aparece frequentemente envolta em vestes esvoaçantes, ou ornamentada de longas cabeleiras ondulantes que se confundem com elementos orgânicos e vegetalistas."
(…) in pp.15 e 16.
Em cima: Friso com motivo floral. Pintura à mão.
Fábrica de Louça de Sacavém.
Em baixo: Painel com motivos florais (nenúfares).
Aerografagem com acabamentos manuais.
Fábrica de Louça de Sacavém.
"A Arte Nova, mais do que um estilo muito definido, foi uma corrente estética de enorme vitalidade que rapidamente se impôs em quase todos os campos das artes. Talvez por se basear mais na rejeição do passado e na vontade de inovar do que na adopção de bases teóricas muito rígidas, conseguiu absorver elementos próprios de cada cultura e ter uma multiplicidade de expressões patentes em objectos tão diferentes como uma jóia de Lalique ou uma cadeira de Mackintosh. No entanto, o denominador comum da valorização das artes decorativas e do valor estético dos objectos utilitários a que chamamos simplesmente design, foi certamente a herança mais importante que a Arte Nova deixou e que ainda hoje perdura."
(...) in p.17.
MOTIVOS DECORATIVOS
"Em Portugal, foi sobretudo na azulejaria que a Arte Nova encontrou terreno fértil para desenvolver todo o seu potencial criativo. Os motivos decorativos reproduzidos quer nos padrões quer nos frisos e painéis são os que habitualmente compõem o vocabulário estético desse estilo: elementos vegetalistas, motivos marinhos, aves, insectos e figuras femininas. Embora, em Portugal, a Arte Nova, tenha mantido uma tradição mais, recorreu frequentemente a motivos originários de fábricas estrangeiras, sobretudo através da Fábrica des Sacavém, como se pode ver nalguns dos exemplares expostos que foram também produzidos por várias fábricas inglesas e alemãs.
Um festival de motivos florais e vegetalistas
Em cima friso com motivos florais dispostos em linhas sinusoidais.
Pintura à mão. Fábrica do Desterro.
Em baixo: Friso com motivo floral. Pintura à mão.
Fábrica do Desterro.
Os elementos florais, pela sua grande variedade, são, de longe, os mais representados. Encontramos frequentemente túlipas, malmequeres, amores perfeitos, papoilas, girassóis, lírios, jarros, entre outros, dispostos ao longo de linhas ondulantes sinusoidais. As flores aparecem, por vezes, vistas por trás, de maneira que a ligação entre o caule e o cálice fique virada para o observador, numa perspectiva pouco habitual a que Manuel Rio-Carvalho chamou flor virada e considerou típica da Arte Nova portuguesa. Este aspecto é bem evidente em dois frisos expostos. Os elementos vegetalistas apresentam diferentes graus de estilização, frequentemente relacionados com as técnicas de pintura utilizadas. O decalque e a pintura à mão dão-lhes, em geral, uma aparência mais naturalista.
Pelo contrário, a estampilha manual ou aerografada confere-lhes características mais gráficas e lineares, com contornos bem marcados, onde a mancha de cor predomina em relação aos detalhes do desenho.
Azulejo relevado polícromo. "Borboleta" da autoria de
Rafael Bordalo Pinheiro. Pintura à mão.
Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.
O mundo animal, foi também amplamente representado. Além das conhecidas criações de Rafael Bordalo Pinheiro com gatos, rãs, borboletas e gafanhotos, muitos outros insectos e aves se podem encontrar. A borboleta, devido à delicadeza e ao intenso colorido das suas asas, foi talvez o insecto mais representado. Libélulas, andorinhas, patos e cisnes aparecem também frequentemente. Mas foram sobretudo os pavões a exercer particular atracção nalguns pintores de azulejos que souberam, por vezes, adaptar de forma astuciosa o formato em leque das caudas de penas coloridas, ao perfil de alguns frontões. Num dos frisos presentes na exposição estão representados dois pavões com a cauda fechada e rodeados de ornamentos florais.
Fragmento de painel com cabeça de mulher. Pintura à mão.
Fábrica do Desterro.
A figura feminina foi igualmente motivo de inspiração na azulejaria Arte Nova. São frequentes as representações de cabeças de mulher, quer através de desenhos simples, pouco elaborados, de cariz bastante naif, quer com longas cabeleiras entrelaçadas com ornamentos florais, num exuberante cenário de formas orgânicas e vegetalistas, claramente inspiradas na Arte Nova franco-belga, quer ainda com uma aparência mais naturalista, por vezes, quase fotográfica. É o caso do fragmento de um painel exposto, em que um rosto feminino está emoldurado por vários motivos decorativos típicos da Arte Nova."
in pp.19 e 20.
Edição e fotos: augusto mota