14/03/2013

Rosário Breve


Tresloucada doença prolongada

 Os jornais de antigamente chamavam “tresloucado acto” ao suicídio. Quando no activo da profissão, nunca fui muito amigo de noticiar suicídios. Talvez a minha repugnância pelo tema derivasse do respeito (e do temor) por essa máxima privacidade que é a terminação auto-infligida.
Segunda-feira passada, os jornais parangonavam mais uma tragédia portuguesa desse teor. Um canalizador desempregado de 42 anos atirou-se para um poço aberto. A diferença está em que arrastou com ele o filho, menino de tão-só dois anos de idade. Foi numa aldeia de Viana do Castelo.
Parece moda moderna, esta de precipitar os próprios filhos no reverso do futuro. Acto e facto pungem e consternam em acerbidade aspérrima a todo quem não estiver embrutecido de vez. E fazem pensar toda a pessoa a quem não apenas o pente concorra à cabeça.
Não me resulta difícil, franca e infelizmente, ver naquele poço sem cobertura o pélago da selvajaria hipercapitalista do nosso tempo. A voracidade do Deus-Dinheiro revela-se cada vez mais mortífera. A vida pessoal, esse tesouro portátil que só se gasta uma vez, deixou de pesar na balança de um prato só dos mandadores. Daí que eu considere, o mais sinceramente, o mais acusadoramente, que quem matou aquele pai e aquele filho tenha sido o Governo da Nação.
É peregrina, esta minha ideia?
É tola, esta minha raiva?
É desajustada, tal minha arrelia?
Seja. Seja. Seja.
Mas.
Mas algo tem de ser feito para que o desassossego contagie, também, os criminosos da Alta-Finança. Para que a intranquilidade se aposse, também, dos corruptores da Banca. Para que o medo erice, também, o espinhaço dos bastardos adoradores do ouro.
Aquela aldeia de Viana do Castelo é Portugal todo: sinédoque tão triste quão real. O café em que fiavam a bica àquele canalizador sem esperança é o café a que todos vamos. E aquele poço a céu-aberto é deveras o que vos disse que é.
Os jornais de antigamente chamavam “doença prolongada” ao cancro. Eu não. Eu chamo “doença prolongada” à matilha governamental. E doença tão prolongada, que me não parece seja curável enquanto o solo pátrio não estiver juncado de pequeninos cadáveres de crianças que cometeram, sem no saber, o “tresloucado acto” de nascer em Viana do Castelo, isto é, em Portugal.
 
Crónica nº 300 de Daniel Abrunheiroin "O Ribatejo", de 14.03.2013

5 comentários:

Carlos A. Silva disse...

Triste, mas certeira, esta crónica. Talentosa, como todas as crónicas do DA. Um abraço.

Júlia Ribeiro disse...

TEXTO AVASSALADOR! COMO DEVASTADOR O ACTO QUE O MOTIVOU.

ABRAÇO
Júlia Ribeiro

Daniel Abrunheiro disse...

Grato, amigo Augusto.

armanda disse...

ai que coisa linda dito com o coração conheço viana as ruas todas palmilho viana antiga... çidade das gentes do sorriso façil dor mar mil histórias contadas por mares navegados pescadores tristes ladeiam a beira marítima a esperança não lhes morre nas veias a tristeza endurecem seus rostos estaleiros fechados..enfim a garra a luta de de um povo a esperança de um novo porvir a tristeza lava lhes a alma me doí ver estas gentes assim povo que vivem do mar ..alma lusitana...viva o meu Minho

armanda disse...

ai que coisa linda dito com o coração conheço viana as ruas todas palmilho viana antiga... çidade das gentes do sorriso façil dor mar mil histórias contadas por mares navegados pescadores tristes ladeiam a beira marítima a esperança não lhes morre nas veias a tristeza endurecem seus rostos estaleiros fechados..enfim a garra a luta de de um povo a esperança de um novo porvir a tristeza lava lhes a alma me doí ver estas gentes assim povo que vivem do mar ..alma lusitana...viva o meu Minho