A PALAVRA
À medida que
deambulamos por entre cidades, soturnas tingidas de cinza e negro, e à medida
que caminhamos entre multidões que fixam o seu olhar exausto e desprovido de
esperança no chão, há algo que se torna notório e flagrante: o silêncio
constante. A ausência de qualquer palavra.
Outrora os ecos da
palavra faziam-se ouvir de noite enquanto os tiranos dormiam e a lua permanecia
impreterivelmente alta, mas de alguma forma alcançável no seu pedestal estelar.
A palavra musicada, ainda que acorrentada durante o dia, erguia-se como forma
de contestação e como forma de demonstrar o desagrado de um povo sofrido, que
viu a sua palavra ser reprimida durante fastidiosos anos.
Quando os cravos
ditaram a partida desses tiranos, a palavra levantou-se para anunciar, por fim,
a liberdade deste povo, e aqueles que ousaram falar no tempo em que os homens
eram forçados a serem mudos, surdos e cegos, aqueles que bradaram todos os
passos de uma revolução, e aqueles que tiveram a coragem de escrever músicas na
escuridão tornaram-se figuras incontornáveis da história de um povo que
reaprendeu a falar.
Agora este povo sofrido
de outros tempos está de novo acorrentado na sua vida aparentemente livre e no
seu mundo aparentemente desenvolvido. Está tão cansado de erguer palavras
contra a injustiça e a opressão disfarçadas, que se pinta mudo, simplesmente
mudo, desistindo da palavra como forma de protesto.
Há algo preocupante
neste silêncio. Depois da palavra, depois do silêncio… chega a violência. Chega
a bestialidade do ser humano, chega a perversão da palavra, do nosso maior
atributo enquanto seres humanos, seres que se autoproclamam inteligentes e racionais:
Chegam as palavras que
choram, as palavras que gritam, as palavras que ferem… as palavras que matam.
Chegam as facas, as balas, as bombas. Segue-se a morte e o desespero.
É verdade que somos
humanos. Somos toscos, imperfeitos, erramos muito e precipitamo-nos para um
cataclismo quando somos tingidos pelo desespero e pelo ódio. Mas é nesses
momentos que devemos recuar ao passado e refletir na importância das palavras,
na importância das nossas palavras.
Recuando ao passado
vemos como a palavra foi uma arma pacífica que derrubou um regime sem qualquer
derrame de sangue… Um regime que mutilava de azul o sonho das palavras e que
assim oprimia a liberdade.
Também noutros países,
como na Índia e África do Sul, Mahatma Ghandi e Nelson Mandela, homens que
estavam muito à frente do seu tempo e da mentalidade comum, usaram a palavra
para lutar pelos seus ideais e conseguirem inspirar gerações, enquanto
defendiam a palavra como a via para o entendimento. Defenderam este dom como
forma de protesto, (não o uso da violência) para alcançar a tolerância e a
unidade dos seus povos.
Numa natureza tão
diversificada só o Homem é detentor da palavra, subestimar o seu poder
significa a regressão a um passado de silêncio e escuridão, pelo que a palavra
é a única via para a paz, para a tolerância e para a uma vivência plena. O
futuro passará sempre pela palavra, verbaliza-la é um compromisso para a
existência humana.
Mariana
Neves
Foto de Pedro Carvalho
editado por augusto mota
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