06/06/2014

Texto de uma jovem



A PALAVRA




À medida que deambulamos por entre cidades, soturnas tingidas de cinza e negro, e à medida que caminhamos entre multidões que fixam o seu olhar exausto e desprovido de esperança no chão, há algo que se torna notório e flagrante: o silêncio constante. A ausência de qualquer palavra.

Outrora os ecos da palavra faziam-se ouvir de noite enquanto os tiranos dormiam e a lua permanecia impreterivelmente alta, mas de alguma forma alcançável no seu pedestal estelar. A palavra musicada, ainda que acorrentada durante o dia, erguia-se como forma de contestação e como forma de demonstrar o desagrado de um povo sofrido, que viu a sua palavra ser reprimida durante fastidiosos anos.

Quando os cravos ditaram a partida desses tiranos, a palavra levantou-se para anunciar, por fim, a liberdade deste povo, e aqueles que ousaram falar no tempo em que os homens eram forçados a serem mudos, surdos e cegos, aqueles que bradaram todos os passos de uma revolução, e aqueles que tiveram a coragem de escrever músicas na escuridão tornaram-se figuras incontornáveis da história de um povo que reaprendeu a falar.

Agora este povo sofrido de outros tempos está de novo acorrentado na sua vida aparentemente livre e no seu mundo aparentemente desenvolvido. Está tão cansado de erguer palavras contra a injustiça e a opressão disfarçadas, que se pinta mudo, simplesmente mudo, desistindo da palavra como forma de protesto.

Há algo preocupante neste silêncio. Depois da palavra, depois do silêncio… chega a violência. Chega a bestialidade do ser humano, chega a perversão da palavra, do nosso maior atributo enquanto seres humanos, seres que se autoproclamam inteligentes e racionais:

Chegam as palavras que choram, as palavras que gritam, as palavras que ferem… as palavras que matam. Chegam as facas, as balas, as bombas. Segue-se a morte e o desespero.

É verdade que somos humanos. Somos toscos, imperfeitos, erramos muito e precipitamo-nos para um cataclismo quando somos tingidos pelo desespero e pelo ódio. Mas é nesses momentos que devemos recuar ao passado e refletir na importância das palavras, na importância das nossas palavras.

Recuando ao passado vemos como a palavra foi uma arma pacífica que derrubou um regime sem qualquer derrame de sangue… Um regime que mutilava de azul o sonho das palavras e que assim oprimia a liberdade.

Também noutros países, como na Índia e África do Sul, Mahatma Ghandi e Nelson Mandela, homens que estavam muito à frente do seu tempo e da mentalidade comum, usaram a palavra para lutar pelos seus ideais e conseguirem inspirar gerações, enquanto defendiam a palavra como a via para o entendimento. Defenderam este dom como forma de protesto, (não o uso da violência) para alcançar a tolerância e a unidade dos seus povos.

Numa natureza tão diversificada só o Homem é detentor da palavra, subestimar o seu poder significa a regressão a um passado de silêncio e escuridão, pelo que a palavra é a única via para a paz, para a tolerância e para a uma vivência plena. O futuro passará sempre pela palavra, verbaliza-la é um compromisso para a existência humana.
 
Mariana Neves
 
Foto de Pedro Carvalho
 
editado por augusto mota 
 

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