10/06/2015

Dois excertos



AS  UVAS  DE  LABÉRIA GALA


 Obra distinguida com o 1º Prémio do Concurso de Literatura 
 do Instituto Politécnico de Leiria (Categoria de Poesia) - 2007

 Vale do rio Lena visto do local das escavações em Colipo

5 
escrito ficou o teu nome tão límpido
como o amanhecer deste vale antigo
aberto pelo rio entre as árvores
o nome letra a letra escrito na pedra
macia de aire adormecido na esquina
esconsa da construção antiga

6
acendias o fogo sagrado ao amanhecer
e sagrava-te os dedos do gesto ritual
sereno e fluido como a luz do sol
lembravas-te então de évora a branca
cidade onde nasceras e mulher feita
trazias a saudade infinda da claridade

7 
sabe o pão o ciclo doce do teu nome
afastado o cerco e o canto das cigarras
que estrídulas abençoam esta via
longa e tensa onde percorre o ofício
sagrado das tuas mãos aos deuses
o corpo envolto em fogueira mansa


 
Forno romano
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lenta a combustão do madeiro antigo
aquecendo a dança antiga do deus
que servia labéria gala de seu nome
sacerdotisa de roma na borda do caminho
claro como a voz na invocação do rito
nas sombras vermelhas do anoitecer

9
abriu os olhos quando a morte chegou
serenou os dedos adormecendo o corpo
ficou dolente canto invocação amarga
dos dez dedos esguios como o pêndulo
cansado da mensageira de vénus
labéria gala amaciava a dor em silêncio

10
inútil a nossa vida os suspiros clamando
por deus a angústia de arder neste calor
queimando num estertor o ardor dos cardos
como escrito na pedra com palavras gastas
aqui estamos sós a ampulheta parada
esperando este tempo que não passa
 
 
Paredes postas a descoberto pelas escavações

Local das escavações na década de 1960
22
encanto da voz como se fora um feitiço
chamando a miraculada presença do deus
entre os homens de esperanças adiadas
e desencantos vários no odor da resina
em chama viva e lenta como relâmpago
flamejante eras tu a doce mensageira

23
o sol despontava nos vinhedos de colipo
os cachos doirados e escuros despertos
como se um milagre fosse da criação
a bênção súbita nas suaves colinas
que abraçam o rio e as suas águas
frescas modulando a terra  e as penhas

24
passavas entre as ruínas da cidade
espantavas os lagartos adormecidos
na sombra fresca das pedras tombadas
não havia homens ouvindo o teu cantar
apenas desesperadas e escuras mulheres
chorando ausências e longas mágoas



 
Em 1975 ainda havia partes de colunas no meio da vinha



«As uvas de Labéria Gala», edição do Instituto Politécnico de Leiria, 2008; capa de augusto mota

fotos e edição de augusto mota

Estas fotografias foram tiradas em 1975, no local onde, nos anos 60, foram realizadas as primeiras escavações arqueológicas, altura em que, entre outos artefactos, foi encontrada uma importante estátua de um magistrado togado, estátua que se encontra agora  no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha. 
Ver: http://www.portugalromano.com/site/museu-da-comunidade-concelhia-da-batalha/
Em Juho de 1975 teve lugar uma segunda fase de escavações arqueológicas, mas nada de importante foi encontrado. Os terrenos foram entregues aos respectivos proprietários e tudo foi aterrado. No local do forno e das paredes encontram-se hoje construidas modernas vivendas.

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