17/02/2007

fim

olhou o mar e sentou.se na areia branca dos desejos .há muito que esqueceu a côr das ondas que adormecem nas manhãs de sol .deixou.se embalar segundo o ritmo dos amantes e ouviu.se no requebro das flores que a praia rejeitou .nas praias não há flores .há poetas que se diluem nas madrugadas dos sonhos .utópicos .possuídos pela maré cheia da loucura .ocultos .são o silêncio do mar que os desenha .cobrem.se com a areia que lhes corre no sangue .e são em desamor .e sentidos .e revêem.se na surpresa das madrugadas
sempre aquém
no precipício do ser .no objecto .no desejo

definem.se como a contradição e sabem.se nos crisântemos ,flor ,que ,um dia ,descreveram em poemas .ele ,o poeta ,moribundo ,sabe.se no universo das pétalas e tingiu.a ,absoluta ,no malmequer desenhado a giz .tem.se como o poeta das flores .ela olhou a mesa .em cima ,uma jarra .vazia .a casa repercute.lhe os sons das flores que ele deixou ,esquecidas ,sobre a cadeira .colhidas pela manhã .à tarde ,há.de correr entre os crisântemos e vê.los de um modo diferente .presos à voz .dele
a janela aberta .o trilho do combóio iniciado em nenhures .na praia .foi o início da loucura que há.de projectá.los mais além
e souberam.se

no limite da imortalidade .o poema deixou.o inerte .rasgado no cesto dos papéis que tinha sob a mesa onde costumava escrever .as imagens sobrepunham.se e começou a deixar.se prender aos fios da vida .soube.se no limite preciso da sua existência de homem e isso deixou.a mergulhada numa profunda tristeza .a certeza do seu fim .do princípio ,não teve consciência .não se lembrou como o poema lhe apareceu na frente e se impôs .sentiu ,apenas ,a necessidade imperiosa de o passar para a folha .percebeu ,finalmente ,que a razão escorreu entre as suas mãos .soube.se louca entre a flor e a cadeira .alguém esqueceu as flores sobre a cadeira .alguém ousou perverter.lhe os sonhos .desfrutou a utopia de se saber entre os crisântemos que ele colheu de manhã .não .foi ,de véspera ,que se prendeu ao ritmo da maresia .ou foi hoje?

esgotou.se no silêncio das ondas que lhe ofereceram muito mais além

e soube.se

descalça sobre a areia .teve.se em casa .na sua casa .dentro do poema que ele lhe deixou ,ao adormecer .vagueou no ritmo das palavras soltas e esqueceu o nome que lhe soou aos ouvidos .foi a voz do mar .do mesmo mar que ,anos atrás ,lhe adormeceu o amor .e os sentidos .entregou.se ao som dos pássaros que ,em bando ,abandonaram o areal e foram à demanda de novos horizontes .também ela se perdeu no horizonte do sonho. do ritmo das marés vivas .inócuo .segurou o crisântemo e absorveu.o ,inteiro ,nas palavras e nos poemas .ele ,o poeta das flores ,pegou no ramo .sentou.se na cadeira e esperou.a

e ela veio .pegou.lhe na mão .partiram os dois

desligaram a máquina .o poeta das flores era um homem morto e ela chorou.o

gabriela rocha martins ,inédito in outro fim
fotografias de augusto mota ( Foz do Liz e Mar na Praia da Vieira ).

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