22/02/2007

Q

Vindo do corredor o guarda aproxima-se da porta. Hesita duas vezes antes de bater.
Dentro da sala, o inspector, de olhos cerrados, masturba freneticamente o seu pénis grosso e duro, com a mão esquerda. Masturba-se com uma imagem. Fechado dentro da sua cabeça está um homem forte e musculado, ruivo e de olhos claros, nú, encostado à parede da sala, a açoitar os seus próprios genitais, os mamilos, a cuspir saliva ao mesmo tempo que ri. O inspector deseja agarrá-lo, beijá-lo e esbofeteá-lo. Segura um guardanapo expectante na mão direita enquanto o agarra, o beija, o espanca. Contorce o tronco e as pernas ao mesmo tempo que da sua garganta se soltam ligeiros grunhidos guturais semelhantes a arfares de foca. Lá fora o guarda hesita novamente.
Num espasmo violento, e mordendo os prórios lábios, o inspector acaba por derramar o seu sémen branco no papel. O guarda finalmente bate à porta. O inspector abre os olhos e limpa cuidadosamente os seus dedos e o pénis que lentamente começa a perder força. Dobra o guardanapo semeado e guarda-o no bolso do casaco. Ao cheirar os dedos da sua mão lúbrica, sorri. Levanta-se e dá duas voltas à chave.
A porta abre-se e o guarda entra.
O inspector indica-lhe o lugar.
- Sente-se. Estava precisamente a pensar em si.
Depois de uma disfarçada continência, o guarda obedece, sentando-se na única cadeira disponível, defronte da secretária.
O inspector dá duas voltas à chave:
- Você fuma?
- Os regulamentos internos dizem-me que não posso.
- E se eu lhe disser para que fume.
- Não posso fumar em serviço.
- Diga-me ... Quem criou este regulamento interno?
- O governo.
- Muito bem...
Sabe porque o mandei chamar? Não? Vou confessar-lhe... Estive esta manhã debruçado sobre o seu dossier. E despertou-me muita curiosidade. Interessou-me... Interessou-me muitíssimo o seu caso, para ser o mais sincero possível. Por isso o mandei chamar. Olhe bem para mim, neste momento. Estando aqui sentado à sua frente a compartilhar consigo este momento, pareço-lhe um homem malévolo? Responda-me com sinceridade.
- Não.
- O mais importante para mim é a obediência e a noção do novo: o espanto. Como sabe, todos os poetas são seres malditos, visionários e portanto incompreensíveis para a maioria. Porque observam o que mais ninguém vê. Vêem mais longe. Poetas como eu e você... Mas se quer seguir um conselho, não deveria guardar só para si os seus escrits. Não leve a mal esta minha consideração. Mas incomoda-me a cobardia. Os pusilânimes. Não sei se acredita em pressentimentos. Mas neste caso concreto, parece-me evidente ter chegado o seu momento. É chegada a sua hora. A hora do grande salto. É chegado o momento de escrever, se quiser, a obra de uma vida. A grande obra...
( continua )
Sandro William Junqueiro ,inédito

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