24/07/2014

Oito quadras



MINHA  MÃE  AMASSA  A  VIDA






Minha mãe amassa a vida,
E a vida cabe-lhe inteira
Na farinha desmedida,
No infinito da peneira.

Minha mãe amassa e diz
Pra dentro do coração,
Que só pode ser feliz
Quando os outros também são.

Minha mãe amassa e crê
Na grande família humana:
Que o pão a todos se dê
E toda a gente se irmana.

Minha mãe amassa e teme,
O que pensando aprofunda,
Com gente mesquinha ao leme,
A barca humana se afunda.

Minha mãe amassa e sabe
Que em seu grande coração,
O Amor do mundo cabe,
O ódio, esse é que não.

E, enquanto amassa, escreve
Sobre a massa a levedar,
Com essa grafia leve
Que o coração sabe usar.

E as palavras que escrevia,
Paz e Amor, passarão,
Como em gesto de magia,
Pra dentro de cada pão.

Ela amassa enquanto lavra
O chão do seu pensamento:
Amassa o chão da palavra,
Da palavra faz fermento. 


António Simões


foto: Augusto Mota / Centro de um Hibisco (Hibiscus rosa-sinensis)

1 comentário:

Júlia Ribeiro disse...

Na sua aparente simplicidade, quanto amor, sabedoria e sensibilidade estas quadras encerram.

Obrigada pela partilha.
Júlia